O que aprendi com esse filme?
Por Neilton Lima
Professor, pedagogo e psicopedagogo.
Desculpe-me
por não ter te contado sobre o mundo (na verdade, sobre as pessoas). Mas mesmo
assim eu vou te falar...
Originalidade
sem propósito é inútil. Mas que tipo de propósito? Grana? Será que você
realmente ama outra pessoa, ou ama o que ela faz para você? O mundo é mais cheio de lamentos do que você pode entender.
Aonde o raciocínio próprio pode nos levar?
Deus
amava Adão e o criou para que ele também o amasse. Mas esse amor, sabemos, não
foi correspondido nem recíproco à altura. “Imitar” a Deus e criar um ser
artificial (criogenia) foi o sonho do homem, desde os primórdios da
ciência. Estamos diante de uma questão
moral e ética, a mais antiga de todas. Não se trata apenas de criar um robô que
consiga amar um ser humano, mas será que esse humano também conseguiria amar
esse robô de verdade? Ora, se o homem não foi capaz de amar o seu Criador (e
nem sempre o seu próximo), amaria uma criatura (artificial) sua? Tudo isso é
uma história de grande risco. Se o desejo do homem é imitar o Criador Deus, e
criar uma inteligência artificial com emoções, talvez então ele possa praticar
a pior das façanhas de Deus: a decisão de DESTRUIR, aniquilar, as suas
criaturas.
Do
direito de criar não se transfere o direito de existir? Essa lógica parece ter
sido desconsidera dos moldes éticos da escritura bíblica. Por que Deus criou o
mundo e as criaturas, teria Ele o direito de destruir tudo? Se um homem gera um
filho, tem ele o direito de matá-lo? Não temos nós, assim como não tem esse
filho o direito a ter direitos, inclusive o de existir? Não vejo prosperidade e
Ética na vida, cujo princípio se cai em contradição infame. Quem escreveu esse
detalhe bíblico importantíssimo (acredito eu não ter sido Deus ou a sua lógica)
estava muito mais preocupado em atribuir medo, temor, servidão e domínio do que
resguardar o princípio da vida. “Ou me obedece ou te destruo”. O filme levanta
essa questão implicitamente, porque o homem, após criar uma inteligência
artificial com emoções (David), expõe as possíveis conseqüências dos seus atos:
quem se responsabilizará por ele? Ora, se Deus não é o responsável pelos atos
das suas criaturas (guerras, fome, destruição, etc.), mas sim o próprio homem,
então outra criatura inteligente e emotiva também não seria responsável por si
própria?
Por que
o deus bíblico fez a humanidade? Teria ele se sentido SÓ? Não me entra na
cabeça o fato de um Ser onipresente, onisciente, onipotente, perfeito, não
saber que o homem adquiriria vida e vontade própria, livre arbítrio e
ambigüidade. Então o filme nos questiona moralmente, eticamente, quando o
assunto é a ciência criar vida, ainda que essa seja uma inteligência
artificial: não estaria ela sujeita a repetir o que nós mesmos teríamos feito
com Deus? É como se o filme dissesse: “Essa história já conhecemos por
experiência própria, queremos mesmo repeti-la, dessa vez, fazendo o papel de
Deus?”. “Nossos criadores estão sempre procurando quem os criou: aí entram numa
igreja, templo ou outro nome dado ‘sei lá o que’, canta, ora, olha pra baixo,
fecha os olhos e depois sai... toma um bom gole de bebida, acha um bom parceiro
para acasalar e depois fica sofrendo de melancolia e solidão”.
Do cerne
dessa questão, surge a barbárie, sustentada por um discurso político do terror:
“o homem é uma criatura imperfeita e pode ser destruída”. “Um robô não é um
organismo, é mecânico e artificial, e pode ser destruído”. Quando lhe querem
roubar o seu direito de existir, haverá um discurso do mal para justificar o
terror. A história comprova isso em todos aqueles que tentaram justificar a
guerra ou a superioridade de uns sobre os outros.
A busca
voraz por lucros, a exigência imediata de respostas, um mundo cada vez mais
acelerado, associados com os avanços tecnológicos e os caprichos humanos de
conseguir “trabalhadores” para os mais diversos campos da vida diária, com
menos gastos e mais eficiência... Tudo isso torna muito provável a hipótese
levantada pelo filme. O interesse que move a indústria da robótica é só um, mas
busca dividi-lo em dois: não só abrirá um mercado novo como atenderá a uma
necessidade humana. Que necessidade é essa? Aquela deixada como espaço vazio,
quando outro ser humano não é capaz de preencher, como o de uma mulher que
deseja ter um filho, mas não o pode conceber ou de um relacionamento frustrado,
onde uma das partes não corresponde com o amor e o afeto esperado. Em ambos os
casos, o vazio da solidão. Um robô para satisfazer nossas necessidades “robôs
são prazeres sem culpa dos humanos solitários”, mas, até quando? Até quando
elas durarem?!
ERRAR
não é só um ato humano, como também é uma das características que nos torna e
nos faz humanos. São justamente nossos “vacilos”, enganos, equívocos e
hesitações que nos fazem comportar de forma não mecânica, titubeante e
subjetiva. Caso tomássemos todas as decisões de forma reta, objetiva e
automática não seríamos humanos e sim máquinas programadas para sempre acertar.
Ora, ao que tudo indica, “amadurecer não é tomar decisões corretas sempre,
amadurecer é saber lidar com as decisões tomadas”. E no centro dessa pane,
parece estar os sentimentos, entre eles o AMOR. Nossas EMOÇÕES (alegria, ciúme,
raiva, tristeza, vergonha, inveja, medo, surpresa, amor...), ao temperar nossas
atitudes e comportamentos, para bem ou para mal, não só nos impede de sermos autômatos
como nos torna humanos ambíguos. Humanos emitem calor...
Outro
aspecto importante é o da capacidade de SONHAR, no significado de desejar ou
querer intensamente algo. O homem que deixa de sonhar antecipa a morte, quer
dizer, a vida perde o sentido ou fica carente de propósito. Objetivos e metas
nos impulsionam a lutar e persistir, e eles ganham mais força diante da consciência
da MORTE. Cientes da nossa finitude, queremos realizar nossos sonhos e passar
um pouco de nós para o futuro, quer através dos filhos, uma obra intelectual ou
algum feito histórico marcante que seja um memorial.
Parece
que a conclusão é: só uma máquina inteligentemente programada para amar, amaria
tão perfeitamente. O amor em si (idealizado por nosso sonho ou nossa fantasia)
pode ser perfeito (o amor platônico, talvez), mas o amor humano, sensível,
carnal... É imperfeito. Está sujeito a controvérsias e decepções. O amor
sensível é tão imperfeito, que ele não basta nem garante a si mesmo. Estar
sujeito a trair-se. Então não se trata de desacreditar nesse amor entre os
humanos, mas desiludir-se. Quem arrisca a amar assim, deve estar preparado para
saber lidar com as desilusões, as tensões, as conseqüências e a finitude.
O aumento do nível do mar, uma
das conseqüências previstas para o Aquecimento Global, engoliu muitas cidades
litorâneas. Muita gente morreu nos países pobres e a prosperidade dos ricos se
manteve com o controle da natalidade. Num cenário de poucos recursos e mais
restrições de filhos, os robôs ganharam mais importância (brinquedo sensorial: com circuitos comportamentais
inteligentes, usando uma tecnologia de seqüenciamento neuronal, Um ser
artificial: membros articulados, fala articulada, reações humanas, reação à
dor). A forma que encontramos para vencer o tempo e
permanecer existindo, a resposta está nos filhos. Um robô (criança-robô) que
consiga AMAR (um amor sem fim)? Que substitua os filhos. Um Meca racional com
uma resposta neuronal. “Sugiro que o amor seja a chave com a qual ele irá
adquirir uma subconsciência jamais alcançada”. Um mundo interior de metáfora,
intuição, raciocínio próprio de sonho. Um robô que sonhe? David encontrou um conto de fadas, “Pinóquio” e, inspirado
pelo amor, e repleto de vontade, saiu numa jornada para torná-lo real e, o mais
impressionante, ninguém o ensinou. Aonde o raciocínio próprio de David o
levaria? À conclusão lógica. A fada representa a falha humana de procurar o que
não existe, ou o maior dom humano: A
habilidade de buscar os nossos sonhos. À
conclusão lógica: vamos descobrir que: O dia mais feliz é o
Hoje. O que não deveria existir na nossa mente: Problemas.
Nessa
busca insistente e incansável, muitas descobertas das mais variadas sensações:
erros, amor, emoções, morte, rejeição e
abandono, o medo de ficar sozinho, o desejo de ser amado, a manipulação, o
ciúmes, a competição, a má fé, a mentira, provocações, concorrência, disputa,
Felicidade, ressentimento, remorso, culpa, dor, as “marcas da paixão”,
crueldade, violência, maldades... E uma das palavras mais fortes da bagagem
humana: o ABANDONO (no filme, e por que não na vida real? USAR e DESCARTAR). Frustração
e suicídio. Desilusão. Encarar a realidade. ESPERANÇA, súplica, choro, morte,
“espírito”... Sonhar e desejar por conta própria, ter raiva e fúria. “Talvez um
único dia dure para sempre”.
O ser
humano nada mais é do que o próprio sonho que ele busca. O sonho e ele são um
só. O objeto de desejo do sonho é o motor que impulsiona sua vida. No mundo
sensível, esse objeto é uma coisa concreta, real. No mundo supra-sensível, é
“Deus”. A pior frustração é perceber que tal sonho é uma simples ilusão. A
maior realização é conseguir ser feliz com esse sonho. Eis o mistério, o
propósito e o risco de viver e sonhar.
Hoje em
dia, nada custa mais que a informação. Mas existe uma que não tem preço: o
Sobrenatural é a teia oculta que une o Universo. É mágico. Não pode ser visto
ou medido. E é justamente essa extravagância que separaria um robô dum ser
humano: um robô acreditaria em “Deus”? No filme, David tem um propósito: se
transformar num menino de verdade para ser aceito e amado por sua mãe (Mônica).
Inspirado no conto de fadas “Pinóquio”, o boneco de madeira que queria ser um
menino real, ele se lança em busca da fada-azul. O azul é a cor da melancolia.
Parece que não é difícil acreditar em alguma coisa quando se tem um propósito. O
de David já sabemos, e qual é o nosso? Diante da certeza da morte, temos a
curiosidade de saber se existe algo além dela e o quê? Isso justifica a crença
de uma grande parte das pessoas do mundo, e a curiosidade do restante,
inclusive EU.
“Os
humanos criaram milhões de explicações pro sentido da vida na arte, na poesia,
em fórmulas matemáticas. Certamente os humanos são a chave para o sentido da
existência. Pode ser possível um projeto de recriação do corpo vivo de uma
pessoa, por meio de um fragmento de DNA. Mas se pergunta: Será possível
restaurar a memória juntamente com o corpo ressuscitado? A própria estrutura de
tempo e espaço armazenam informações sobre cada evento ocorrido no passado.
Fracasso: As equações mostram que uma vez que a trilha tempo-espaço de um
indivíduo tenha sido usada ela não pode ser reutilizada.
A
desvantagem de um Meca, um “ser humano” mecânico, é que ele não terá malícias de
autodefesa, manipulação de pessoas e situações para satisfazer seus caprichos e
interesses, capacidade de montar situações a seu favor e outras situações
contra seus adversários, mentir para tirar vantagens ou proveito próprio.
Enfim, ser dissimulado e hipócrita. Ora, isso o ser humano sabe fazer muito
bem. E não creio que isso seja vantagem para a nossa espécie ou vantagem sobre
um robô. Mas, drasticamente, é uma característica muito nossa.
“Um
AMOR só seu”. A característica do amor é a sua imprevisibilidade, seu (des)encadeamento
lógico. E, como se não bastasse, ele pulsa num ser que é limitado, ambíguo,
complexo, cheio de vontade e desejo, condicionado por vários instintos. David
foi programado para amar sem fim e sem limites, mas não foi programado para
deixar de amar, se ofender com esse amor, negá-lo, abandoná-lo. Eis o grande
dilema do filme, um Meca (mecânico) programado para amar se “relacionando” com
um Orga (orgânico), uma pessoa de amor ambivalente.
Não
importa quanta ou qual inteligência seja (artificial, extraterrestre...). Não
importa se o sonho do ser humano seja algo possível, provável ou não. O que
existe em nós que é fabuloso e fantástico é essa coisa chamada de “espírito” e essa tal habilidade de buscar sonhos.
Então fica uma pergunta avassaladora: o que será da nossa espécie daqui 2 mil
anos?
Aquele Abraço!