O intelecto está ligado ao córtex cerebral, cuja estrutura é
resultante de uma evolução moderna do cérebro. Já as emoções e os sentimentos
advêm do tronco do cerebelo, da espiral da medula, dos nervos periféricos,
enfim, de uma mecânica cuja origem se confunde com o princípio da evolução dos
seres vivos. Logo, estamos falando do funcionamento e da ação de uma estrutura
com história formativa longa e difícil. Assim, as emoções vêm de um processo
biológico que se mescla ao sistema formado por corpo e mente.
Geralmente as pessoas
valorizam a razão e menosprezam o afeto. Há quem defenda um comportamento
extremamente técnico, com o mínimo de emoções/sentimentos ou suas
manifestações. Para muitos, isso seria sinal de menos fraqueza. Porém, é bem
mais complicado explicar nossos afetos do que nossa razão justamente porque
eles escancaram o que é ser humano. A ideia de que as emoções e o sentir nos
guiam não nos diminui. A razão não é o único elemento que nos separa dos outros
seres vivos. Apresentamos sentimentos de complexidade e dimensão incomparáveis
aos de não humanos. É o que nos torna o animal mais especial deste planeta.
Os sentimentos têm papel
essencial no nosso progresso ou no nosso atraso enquanto pessoas. Somados ao
conjunto “mente e corpo”, nos define. A raiva, a alegria, a tristeza e outras expressões
humanas são motores do processo civilizatório porque delinearam a cultura, as
artes, as guerras, a ciência, a tecnologia, tudo o que nos define. Entretanto,
por vezes, emoções coletivas podem atrapalhar a tudo isso e nos levar a
retrocessos. O descontrole dos sentimentos podem causar muitas mazelas, como o
suicídio, o surgimento de governos autoritários, aumento do terrorismo,
manifestações culturais negativas e as formas extremadas ou deturpadas de caráter
coletivo nas redes sociais, que arrastam multidões a polos sentimentais ou
adoção do sentimento alheio. Quem cede a sentimentos coletivos sem autocrítica
corre o risco de ser levado a extremismos. O descontrole dos sentimentos
coletivos na internet pode levar a autocracias. Logo, um aspecto essencial da
vida é a manifestação das emoções e do sentir de forma saudável.
Existem dois aspectos do
viver. 1) o orgânico, relacionado ao
corpo.
Daí vêm as emoções. Se o organismo não está saudável, ele manifesta isso
externamente. Nota-se quando alguém se mostra feliz ou tomado pela amargura.
Por exemplo, se um indivíduo sente uma dor enorme no coração, devido a uma
doença cardíaca, seu sofrimento é evidente, de forma objetiva (outro exemplo
vem da depressão, uma doença causada por falhas no cérebro ou alteração química
na mente, que nos leva a decisões nada condizentes com o processo evolutivo,
como a de se matar. É claro que fatores externos pesam também, por isso que,
hoje, com tantas perturbações sociais, o índice de suicídio está aumentando).
Do mesmo modo que, organismos em estado regular de saúde buscam a felicidade,
por meio de exibições sentimentais. Supondo assim, as emoções estão presentes
há bilhões de anos nos seres vivos, mesmo em bactérias. Estas já manifestam
fisicamente estados que indicam se estão bem ou mal – sem, no entanto, dominar
capacidades mentais. 2) o subjetivo,
relacionado a aspectos internos que estão associados à mente ou à alma.
Daí vêm os sentimentos. Consequentemente, não se exibem em público.
Podemos esconder sentimentos, mas não emoções. As raízes de nossos sentimentos
são fruto de milênios de evolução, que nos levaram de manifestações emotivas
primárias a processos elaborados.
Como é possível passar da emoção para o sentimento? Graças ao processamento do sistema nervoso, o cérebro,
em intrincados organismos multicelulares. Foi quando os humanos progrediram,
usando esse avanço como propulsor. Cães, gatos, chimpanzés têm tanto emoções
quanto a capacidade do sentir, mas o que acontece conosco é que ligamos isso ao
conhecimento acumulado, criando-se assim a humanidade. Foi momento em que
passamos a nos reunir em torno de fogueiras que nos tornamos seres sentimentalmente
evoluídos. Foi (e é) aí que compreendemos as vantagens sociais dos sentimentos,
como a forma como eles nos ligam (conectividade) em laços familiares.
O leque de emoções com que
trabalhamos é o mesmo desde os primórdios. Já com os sentimentos, avançamos em
como lidar com eles. Aprendemos a ser menos violentos do que há 1000 anos.
Também evoluímos em nossa bondade, o que deu origem a movimentos que pregam a
paz. Se por um lado progredimos cultural e cientificamente, por outro
precisamos evoluir também em nossos sentimentos. Afinal, estamos desenvolvendo
inteligências artificiais capazes de simular emoções, mas não de sentir de
verdade, justamente por não terem vida. Isso pode acabar na fabricação de
monstros que nos veem como ameaças.
Funciona assim: meu corpo
pode se revelar feliz; mas, internamente, talvez eu me sinta deprimido. Ao
mesmo tempo, há momentos em que emoções e sentimentos estão em sincronia. Tudo
o que um ser humano faz, individual ou coletivamente, é reflexo de
demonstrações emotivas e sentimentais.
Se a forma saudável e evoluída
da emoção é conquistada com conhecimento, é necessário fazer um esforço para
ensinar as pessoas, desde a infância, a lidar com os próprios sentimentos.
Precisamos identificar as expressões ou as situações ruins, causadores de efeitos
negativos, e combatê-las avidamente. É a forma de cortar na raiz o mal de
radicalismos e ditaduras, por exemplo. Para isso, é preciso vontade social e
política. Se, por nossa biologia, é natural manifestar sentimentos como o ódio,
que levam a conflitos danosos, devemos implementar nas escolas a educação
ligada à inteligência emocional. É preciso mostrar as vantagens consequentes
dos bons sentimentos e da contenção dos ruins. A esperança é, com isso, criar
condições para uma vida melhor, em busca do progresso civilizatório. Pelo ponto
de vista da ciência, um começo poderia ser a instituição de aulas ligadas a
sentimentos, como as de técnicas de meditação.
Nosso corpo e nossa mente
estão programados para a reprodução do que sempre fizemos. Temos de ser
racionais em relação a isso. Hoje, a falta, para uma maioria, de conhecimento
histórico, sentimental e do estado atual do mundo pode conduzir, mais uma vez,
ao surgimento de governos autoritários, ao aumento do terrorismo, ou seja, às
manifestações culturais provenientes dos sentimentos negativos. Como vivemos na
era das redes sociais que criam sentimentos coletivos rapidamente, precisamos
atentar para as radicalizações. Os sentimentos nos levam em direção a situações
que achamos que serão mais favoráveis a nós, com menor sofrimento. Trata-se, porém,
de uma situação enganosa. É preciso racionalizar. Olhar para os fatos, não para
o discurso, e ter perspectiva histórica para avaliar.
Todos os seres vivos
possuem emoções, mas somente os humanos têm sentimentos elaborados. Os sentimentos
é um fator evolutivo, que nos ajuda a sobreviver no mundo. Somos seres
sentimentais e racionais em equivalência. Nosso grande desafio é dominar os
sentimentos em busca de tirar o melhor deles a favor do nosso processo
civilizatório.