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São Francisco do Conde, Bahia, Brazil
Professor, (psico)pedagogo, coordenador pedagógico escolar e Especialista em Educação.
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"Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (Art. 205 da Constituição de 1988).

Ø Se eu sou um especialista, então minha especialidade é saber como não ser um especialista ou em saber como acho que especialistas devem ser utilizados. :)



“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

sábado, 14 de julho de 2018

Sentir...

Primeiro nos emocionamos, depois aprendemos a sentir graças ao pensar. Funciona assim com as crianças; é assim com a história da humanidade.

O intelecto está ligado ao córtex cerebral, cuja estrutura é resultante de uma evolução moderna do cérebro. Já as emoções e os sentimentos advêm do tronco do cerebelo, da espiral da medula, dos nervos periféricos, enfim, de uma mecânica cuja origem se confunde com o princípio da evolução dos seres vivos. Logo, estamos falando do funcionamento e da ação de uma estrutura com história formativa longa e difícil. Assim, as emoções vêm de um processo biológico que se mescla ao sistema formado por corpo e mente.

Geralmente as pessoas valorizam a razão e menosprezam o afeto. Há quem defenda um comportamento extremamente técnico, com o mínimo de emoções/sentimentos ou suas manifestações. Para muitos, isso seria sinal de menos fraqueza. Porém, é bem mais complicado explicar nossos afetos do que nossa razão justamente porque eles escancaram o que é ser humano. A ideia de que as emoções e o sentir nos guiam não nos diminui. A razão não é o único elemento que nos separa dos outros seres vivos. Apresentamos sentimentos de complexidade e dimensão incomparáveis aos de não humanos. É o que nos torna o animal mais especial deste planeta.

Os sentimentos têm papel essencial no nosso progresso ou no nosso atraso enquanto pessoas. Somados ao conjunto “mente e corpo”, nos define. A raiva, a alegria, a tristeza e outras expressões humanas são motores do processo civilizatório porque delinearam a cultura, as artes, as guerras, a ciência, a tecnologia, tudo o que nos define. Entretanto, por vezes, emoções coletivas podem atrapalhar a tudo isso e nos levar a retrocessos. O descontrole dos sentimentos podem causar muitas mazelas, como o suicídio, o surgimento de governos autoritários, aumento do terrorismo, manifestações culturais negativas e as formas extremadas ou deturpadas de caráter coletivo nas redes sociais, que arrastam multidões a polos sentimentais ou adoção do sentimento alheio. Quem cede a sentimentos coletivos sem autocrítica corre o risco de ser levado a extremismos. O descontrole dos sentimentos coletivos na internet pode levar a autocracias. Logo, um aspecto essencial da vida é a manifestação das emoções e do sentir de forma saudável.

Existem dois aspectos do viver. 1) o orgânico, relacionado ao corpo. Daí vêm as emoções. Se o organismo não está saudável, ele manifesta isso externamente. Nota-se quando alguém se mostra feliz ou tomado pela amargura. Por exemplo, se um indivíduo sente uma dor enorme no coração, devido a uma doença cardíaca, seu sofrimento é evidente, de forma objetiva (outro exemplo vem da depressão, uma doença causada por falhas no cérebro ou alteração química na mente, que nos leva a decisões nada condizentes com o processo evolutivo, como a de se matar. É claro que fatores externos pesam também, por isso que, hoje, com tantas perturbações sociais, o índice de suicídio está aumentando). Do mesmo modo que, organismos em estado regular de saúde buscam a felicidade, por meio de exibições sentimentais. Supondo assim, as emoções estão presentes há bilhões de anos nos seres vivos, mesmo em bactérias. Estas já manifestam fisicamente estados que indicam se estão bem ou mal – sem, no entanto, dominar capacidades mentais. 2) o subjetivo, relacionado a aspectos internos que estão associados à mente ou à alma. Daí vêm os sentimentos. Consequentemente, não se exibem em público. Podemos esconder sentimentos, mas não emoções. As raízes de nossos sentimentos são fruto de milênios de evolução, que nos levaram de manifestações emotivas primárias a processos elaborados.

Como é possível passar da emoção para o sentimento? Graças ao processamento do sistema nervoso, o cérebro, em intrincados organismos multicelulares. Foi quando os humanos progrediram, usando esse avanço como propulsor. Cães, gatos, chimpanzés têm tanto emoções quanto a capacidade do sentir, mas o que acontece conosco é que ligamos isso ao conhecimento acumulado, criando-se assim a humanidade. Foi momento em que passamos a nos reunir em torno de fogueiras que nos tornamos seres sentimentalmente evoluídos. Foi (e é) aí que compreendemos as vantagens sociais dos sentimentos, como a forma como eles nos ligam (conectividade) em laços familiares.  

O leque de emoções com que trabalhamos é o mesmo desde os primórdios. Já com os sentimentos, avançamos em como lidar com eles. Aprendemos a ser menos violentos do que há 1000 anos. Também evoluímos em nossa bondade, o que deu origem a movimentos que pregam a paz. Se por um lado progredimos cultural e cientificamente, por outro precisamos evoluir também em nossos sentimentos. Afinal, estamos desenvolvendo inteligências artificiais capazes de simular emoções, mas não de sentir de verdade, justamente por não terem vida. Isso pode acabar na fabricação de monstros que nos veem como ameaças.

Funciona assim: meu corpo pode se revelar feliz; mas, internamente, talvez eu me sinta deprimido. Ao mesmo tempo, há momentos em que emoções e sentimentos estão em sincronia. Tudo o que um ser humano faz, individual ou coletivamente, é reflexo de demonstrações emotivas e sentimentais.

Se a forma saudável e evoluída da emoção é conquistada com conhecimento, é necessário fazer um esforço para ensinar as pessoas, desde a infância, a lidar com os próprios sentimentos. Precisamos identificar as expressões ou as situações ruins, causadores de efeitos negativos, e combatê-las avidamente. É a forma de cortar na raiz o mal de radicalismos e ditaduras, por exemplo. Para isso, é preciso vontade social e política. Se, por nossa biologia, é natural manifestar sentimentos como o ódio, que levam a conflitos danosos, devemos implementar nas escolas a educação ligada à inteligência emocional. É preciso mostrar as vantagens consequentes dos bons sentimentos e da contenção dos ruins. A esperança é, com isso, criar condições para uma vida melhor, em busca do progresso civilizatório. Pelo ponto de vista da ciência, um começo poderia ser a instituição de aulas ligadas a sentimentos, como as de técnicas de meditação.

Nosso corpo e nossa mente estão programados para a reprodução do que sempre fizemos. Temos de ser racionais em relação a isso. Hoje, a falta, para uma maioria, de conhecimento histórico, sentimental e do estado atual do mundo pode conduzir, mais uma vez, ao surgimento de governos autoritários, ao aumento do terrorismo, ou seja, às manifestações culturais provenientes dos sentimentos negativos. Como vivemos na era das redes sociais que criam sentimentos coletivos rapidamente, precisamos atentar para as radicalizações. Os sentimentos nos levam em direção a situações que achamos que serão mais favoráveis a nós, com menor sofrimento. Trata-se, porém, de uma situação enganosa. É preciso racionalizar. Olhar para os fatos, não para o discurso, e ter perspectiva histórica para avaliar.

Todos os seres vivos possuem emoções, mas somente os humanos têm sentimentos elaborados. Os sentimentos é um fator evolutivo, que nos ajuda a sobreviver no mundo. Somos seres sentimentais e racionais em equivalência. Nosso grande desafio é dominar os sentimentos em busca de tirar o melhor deles a favor do nosso processo civilizatório.