Os
pais de Marx eram judeus – Heinrich Marx e Henriette Pressburg. Casaram-se em
1814 (em Trier, na Renânia). Tiveram 9 filhos (4 homens e 5 mulheres). Das 5
mulheres só três passaram dos 25 anos (Sophia, Louise e Emilie). Dos 4 homens,
somente 1 sobreviveu – Karl Marx. O pai e os irmãos de Marx faleceram vítimas
de tuberculose. Por ser protestante, o pai de Marx tinha características de
racionalista, afinal, era leitor atento dos iluministas franceses (como
Voltaire e Rousseau). Seu progenitor estudou Direito e construiu uma carreira
profissional sólida na advocacia (que permitiu assegurar à família uma vida
material minimamente confortável, segundo os padrões à época vigentes entre as
camadas urbanas médias e acomodadas). Ele sonhava ver o filho Marx também
advogado, e não dissimulava seu discreto e moderado liberalismo.
Marx
nasceu em 5 de maio de 1818. O pai convertido ao Protestantismo, o batizou aos 6 anos de idade
(em 26 de agosto de 1824). Karl passou a infância, a adolescência e chegou à
vida adulta na Alemanha. Partiu aos 25 anos. Nesse período, a Alemanha estava
muito atrasada em relação ao desenvolvimento econômico-social e político da
Inglaterra, da França e dos Países Baixos, mas apresentava uma complexa e rica dinâmica
filosófico-cultural de altíssimo nível (Kant,
Fichte, Hegel, Goethe, Schiller,
György Lukács). Por isso Marx veio afirmar mais tarde que, “os alemães pensaram o que as outras nações
fizeram”.
Como
era a relação de Marx com os pais dele? Bem, com a mãe, zelosa guardiã de
valores familiares e domésticos (os financeiros também), um trato distanciado e
difícil (a mãe de Marx parecia não ter qualquer intenção de expandir seu mundo
para além das necessidades imediatas de sua família). Já com o pai, que sempre
estimulou seus interesses intelectuais, sem prejuízo de duras admoestações
recebidas, um diálogo amistoso e fecundo, marcado por mútuo respeito e
admiração. A figura paterna foi muito forte para Marx (quando Marx morreu,
encontraram no bolso de seu paletó uma fotografia do pai, que foi posta em seu
caixão e enterrada com ele). O pai de Karl era um intelectual meticuloso e
passava grande parte de seu tempo lendo. Enfim, seus pais aram amorosos, mas
não exatamente alegres, moderadamente prósperos, mas sem fartura.
O
adolescente Karl era muito curioso e inteligente. E o pai era quem mais o
estimulava intelectualmente (em Homero, Dante, Shakespeare, Schiller e Goethe).
Além do pai, o barão von Westphalen foi uma significativa influência que despertou
seu interesse pelo socialismo utópico defendido por autores franceses como
Fourier e Saint-Simon, discutindo as atualidades do pensamento. Enfim, Marx
lembraria essa época como uma das mais felizes de sua vida. Ele foi tratado
como um homem adulto e como um intelectual por um aristocrata experiente e
distinto. Tanto que, a dissertação com a qual Marx recebeu o título de doutor
em filosofia, em 1841, foi precisamente dedicada ao Westphalen, a quem se
referiu como “caro e paternal amigo”, “como sinal de amor filial”. Marx
reconheceu que ele “sempre foi para mim um vívido argumento óbvio de que o
idealismo não é coisa da imaginação, mas a pura verdade”.
Além
deles, o que mais influenciou a formação inicial de Marx? Seus estudos formais
realizados de 1830 a 1835 na escola pública de nível secundário exclusiva para
alunos do sexo masculino, a Friedrich Wilhelm Gymnasium, que preparava jovens
para o ingresso na universidade. A escola privilegiava a formação clássica, com
ênfase no grego e no latim (e seu diretor, Johann Hugo Wyttenbach, costumava
iniciar seus estudantes na leitura de Goethe). Enfim, tudo indica que Marx não
frequentou escolas primárias, mas teria recebido aulas particulares iniciais em
casa (redação, sobretudo).
No
começo de agosto de 1835, Marx apresentou suas três dissertações necessárias à
época para a sua graduação, com objetos propostos pelos examinadores e
atendendo às disciplinas de latim, religião e alemão. Foram elas:
1.
“Foi
o governo de Augusto um dos mais felizes da história romana?” (que
exigia demonstrar conhecimento regular de história antiga).
2.
“A
união dos fiéis com Cristo” (desenvolvida na concepção do
cristianismo protestante iluminista).
3.
“Reflexão
de um jovem em face da escolha de uma profissão” (em
que demonstrou os traços de um adolescente que pensa o futuro com preocupações
sociocêntricas e, ao mesmo tempo, vislumbra os condicionalismos sociais daquela
escolha). Nesta, escreveu Marx:
“Nem sempre podemos atingir a
posição para a qual acreditamos que estamos vocacionados; nossas relações na
sociedade estão, de certa forma, estabelecidas antes que tenhamos condições de
fazê-lo”.
Ou
seja, repare que, aqui, já há um ponto de vista materialista, quer dizer, o
homem não escolhe as condições de existência, mas é constrangido por elas.
O
jovem Marx, com pouco mais de 17 anos, ingressa na Universidade de Bonn. Assume
a condição de universitário de forma séria, e se inscreve em 9 cursos, mas
frequenta 6 por cautela do pai, entre eles, Direito, Literatura e Estética. Ao
fim de 2 semestres, se transferiu para outro ambiente acadêmico: a Universidade
de Berlim.
A
experiência na primeira universidade foi “tabernosa”. Marx fez parte de grupos
de estudos que, nas tabernas noturnas, “participava ativa e assiduamente das suas noitadas boêmias, nas
quais corriam à solta bebidas alcoólicas e excessivo tabaco, com o ar um pouco
sinistro de um gênio romântico”.
Destacam-se duas
experiências típicas de um fim de adolescência sem controle direto da família:
1) a
prisão por uma noite, devida a arruaças em meio a uma bebedeira coletiva;
2) um
duelo ou disputa em que saiu por cima com apenas um pequeno ferimento acima do
olho esquerdo. Há também uma acusação improvada de que Marx portava armas
proibidas. Apesar da sua dedicação, Marx viveu um período de dispersão
intelectual, teve problemas de saúde não revelados e despesas descontroladas. O
pai cuidou para que ele não se desviasse e, dedicasse mais aos anfiteatros
universitários a que às tabernas.
Nessa
fase, Marx deixou crescer uma barba rala e um cabelo preto e encaracolado, até
ficar comprido e desgrenhado, e sua pele escura, que fizeram receber de seus
colegas o apelido de “o Mouro”, pelo qual seria conhecido
entre os amigos e familiares pelo resto de sua vida (Mohr, o Mouro, também era
uma referência ao criminoso, porém
carismático, herói robinhoodiano de Schiller, Karl von Moor, da peça “Os
bandoleiros”, que liderava um bando que combatia a aristocracia corrupta). Pelo
resto da vida, todas as pessoas mais íntimas de Marx se dirigiriam a ele com
esse apelido.
E Karl Marx
deixou a adolescência tabernosa para trás e aos 18 anos passou a demonstrar
traços da vida adulta amadurecida. No verão de 1836, com sua inteligência brilhante,
humor cáustico e personalidade voluntariosa,
encantou a belíssima e livre-pensadora, Jenny (com 22 anos). Foi então que uma
tórrida paixão (incomum) explodiu entre Jenny e Karl Marx. E havia uma
singularidade nessa relação, pois na Renânia da época, raro era uma filha da
nobreza aproximar-se do filho de um advogado judeu convertido, bem como rara
era uma mulher (ainda que pouco) mais idade (diferença de 4 anos) ligar-se a um
homem mais jovem, sobretudo se este não passava de um estudante universitário
que tinha pela frente um futuro nebuloso. Enfim, enamorados e noivos por 7 anos
(com poucos encontros a sós entre os dois)! Só resultou em casamento quando
Marx acreditou reunir as condições financeiras mínimas para tanto.
É próprio de
biógrafos detalhistas perscrutar a vida privada dos seus biografados.
Acredita-se que no verão de julho de 1841 (em Bonn), os noivos Jenny e Karl
Marx tiveram a sua primeira relação sexual (mas, é uma especulação, pois ambos
tiveram poucos momentos a sós e Jenny não engravidou). A “paixão tórrida” por
Jenny foi documentada em 3 “cadernos de poesia” (Livros dos cantos e Livro do
Amor I e II) que Marx escreveu e endereçou à amada quando estava em Berlim. A
poesia é desajeitada e de pouco valor literário que mais expressa um espírito
trivial de romantismo do jovem Marx, mas que mais tarde veio a se tornar um
autêntico e duradouro amor – Marx sabia-a a mulher de sua vida.
Enfim, foram
quase 4 décadas de vida conjugal, em que compartilharam alegrias e misérias de
todo gênero (uma de natureza moral). Jenny era uma aristocrata que renunciou a
tudo de sua classe para construir com Marx um projeto de vida (eles viveram
tempos de extrema pobreza material e isolamento político). Ela foi companheira
em pé de igualdade, dividiu com ele ideias e lutas e o auxiliou na preparação
de seus textos.
“Eis que
assomas diante de mim, grande como a vida, e eu te ergo nos braços e te beijo
dos pés à cabeça e me ponho de joelhos diante de ti e exclamo: Senhora, EU TE AMO!”
(Karl Marx em carta a Jenny, 21 de junho de 1856).
CONTINUA...