Não existe apenas um, mas vários tempos. Existe o tempo natural,
o tempo geológico, o tempo histórico, político e social; há o tempo de Deus, o
tempo técnico-científico e informacional (que é um clique só). E existe o tempo de aprender, que é o tempo pedagógico. Se não há uma, mas várias temporalidades, logo, Albert Einstein
está correto: o tempo é relativo.
Para cada tipo de tempo, há um relógio. Existe o relógio biológico, a ampulheta
(que é o relógio de areia), o relógio atômico, o relógio de Sol, o relógio de
pulso, de bolso, digital. Existe o meu, o seu e o nosso relógio: “o
relógio da aprendizagem”.
O “relógio
da aprendizagem” tem um tempo pedagógico próprio. Seus ponteiros são
subjetivos, e a passagem é marcada pela vivência marcante – só fica aquilo que
realmente toca, o tic-tac sensível. Enquanto o tempo passa lá fora, o “relógio da aprendizagem” marca o tempo daqui
de dentro (não é só o tempo que passa, nós que passamos – uma consciência do devir). Todo aprendizado é bom quando parece que
o tempo passa rápido demais (aprende que nem se nota). Por isso que o “relógio
da aprendizagem” é dinâmico, mas nunca automático. É dinâmico porque é bom, não
porque é controlador. Por isso que, também, a demora na Educação não é um bom sinal. Esse tipo de demora é
atraso mesmo, excesso de paciência, sinal de que está enrolando, enganando, não
cumprindo com as promessas em hora marcada, fazendo esperar demais.
Irresponsabilidade que causa impacto, gera angústia e inquietude nos
professores, coordenadores e alunos. Em toda a comunidade escolar! Esse é o tempo político-cultural...
Segundo
Roberto Sidnei Macedo:
“Partimos da premissa de que
o tempo que, predominantemente, organiza a formação na escola é um *tempo de significado autoritário* e
reduzido a uma certa reprodução
cronológica. É um tempo que joga contra a singularidade, a itinerância-errância
do aprender e a inventividade, por
consequência. Não é um tempo que possibilita o processo de autonomização de quem aprende e se forma. É um tempo-controle que intensifica a burocratização do aprendizado e facilita a alienação no desejo do outro instituído,
ou melhor, do Estado-controlador. Essa temporalidade dificulta a emergência dos
tempos heterogêneos, vividos, negociados, portanto, do trabalho
democrático e responsabilizado com os tempos humanos e institucionais. Nega-se
de forma policialesca o direito ao tempo
para o devaneio [...] Trivializa-se e rotinariza-se o tempo, fabrica-se o tédio da repetição e
planta-se o beijo da morte no tempo que
se necessita para nutrir/oxigenar a aprendizagem do exercício da construção de
espíritos improgramáveis” (MACEDO, pp. 119-120).
O
tempo tem que está a serviço do nosso aprendizado, e não o nosso aprendizado a
serviço do tempo institucional. Nosso? Sim! Meu, seu, do aluno, do
professor e do coordenador em formação. Sendo assim, não adiantaria “um modelo de rotina”, único e
padronizado, para a educação infantil, mesmo que repleto de “boas” intenções e
coisas que não deem tempo de garantir o tempo
vivo, isto é, momentos fecundos de experiência, aprendizado e construção de
conhecimentos. Ou seja, o professor e o aluno não se apressam para fazer tudo
dentro de um tempo oficial, mas se
acalma em fazer o suficiente que garanta o aprender. Mais do que bater
todas as metas (a quantidade), é realizar com sentido e significado as poucas
que derem tempo para viver (a qualidade). Logo, o relógio da aprendizagem soma e divide as quantidades, mas se
compromete mais com a qualidade do ensinar.
Em outras palavras, os tempos subjetivos das pessoas (onde
mora a historicidade de cada um) costumam
estar inscritos de forma rígida no tempo
das instituições (onde mora o poder como
controle). Precisamos lutar para reverter isso, pois cada um tem o seu tempo de ensinar/aprender. O tempo institucional deveria estar sempre a serviço de um clima institucional
que estimulasse a sincronização entre tempos cronológicos e tempos vivenciados,
evitando automatismos, linearizações e a rigidez. “A dimensão temporal do processo de aprendizagem não se
refere apenas ao tempo cronológico, mas a uma pluralidade de tempos que,
literalmente, estão em jogo no cotidiano da vivência curricular” (Macedo
citando Assmann, p. 120).
Por isso que Roberto Sidnei Macedo é de procedimento multirreferencial – ele sai
“citando todo mundo” e tirando de cada um o que há de melhor. Um trabalho de
garimpagem e lapidação preciosa. Compreendendo que o tempo sempre sofre esse
empuxo imaginário, ele extrai uma crítica de Borba, 2004, ao relacionar tempo e
obsessão na sala de aula e nas formações:
“[...] A primeira e principal
coisa que faz um professor obsessivo é estabelecer a regra da intolerância
temporal. O tempo para ele é parametrado, tudo se passa como no sistema de
microensino de algumas décadas atrás em que se tinha cada momento de cada aula
definido com antecedência, definido em minutos. O tempo controlado, medido,
minutado, enquadrado resolve, é a chave da eficiência, ‘programática’, digo
pedagógica, didática. É assim que para o obsessivo o maior pecado é deixar surgir
alguma coisa não prevista” (Macedo citando Borba, p. 122).
Cronos Devorando um de seus Filhos,
1820-23, Francisco de Goya, Museu do Prado, Madri.
Mas, será por que o professor faz isso
ou está habituado a isso? Culpa de Cronos? Sim! De
Cronos como calendário mesmo! Oush,
como assim? “Tomando o currículo instituído, este,
predominantemente, é concebido de forma cronológica, levando em conta os dias do
ano. Há uma quantidade de dias a ser cumprida e nesta quantidade enquadra-se
uma quantidade de conteúdos. É o calendário que organiza temporalmente o
currículo” (Macedo, p. 123). Assim, só uma formação consistente em
ciclos poderia recuperar as características biológicas e culturais dos seres
humanos, devoradas como filhos de Cronos-Calendário. As formações dignamente
organizadas no calendário letivo devolveriam esses tempos/períodos tomados, tão
variáveis e heterogêneos dos humanos (alunos, professores e coordenadores)
aprenderem. Viveremos para ver Roberto
Sidnei Macedo implantar esse ciclo de formações aqui?
Enfim,
toda vez que escrevo me altero. E toda vez que você lê, você também muda. A finalidade de toda educação é justamente essa:
a alteração e a mudança, sem tanta pressa de acontecer. Primeiro ela ocorre
devagarzinho dentro de cada um de nós, ou seja, leva um certo tempo para isso.
Depois ela quer transbordar. E esse “pra fora” também tem uma duração. A formação é isso: agir e pensar; ler e
escrever sobre o que se vive, o porquê se vive e para quem se vive e, de
algum modo, compartilhar tudo isso com o outro porque implica troca. Seja real
ou virtual, algum tipo de encontro é indispensável. Está acontecendo, por
exemplo, aqui e agora. Roberto Sidnei Macedo a chama de "com-versações curriculares", com três tipos de processos possíveis: 1) heteroformação: formação com o outro; 2) autoformação: reflexão
sobre a experiência formativa; 3) metaformação: o
próprio processo de formação proposto.
A vida está agarrada ao tempo (é maravilhosa enquanto dura, um devir), assim como o tempo é o sentido da vida: efêmera. Viver é tempo de aprender com o outro sob múltiplas formas. Ambos passam nem rápidos nem vagarosamente demais, mas o suficiente para durar, pois, “educação por ciclos de formação é uma organização do tempo escolar de forma a se adequar às características biológicas e culturais do desenvolvimento de todos os alunos. Não significa, portanto, ‘dar mais tempo aos fracos’, mas, antes disso, é dar o tempo adequado a todos” (Macedo citando Lima, p. 123). Ou ainda, não é um tempo cronológico instituído que deve nortear um currículo e uma formação, mas a cultura e a história biológica e cultural onde o desenvolvimento psicossocial do ser em aprendizagem se realiza (Macedo citando Wallon, p. 123-124).
A vida está agarrada ao tempo (é maravilhosa enquanto dura, um devir), assim como o tempo é o sentido da vida: efêmera. Viver é tempo de aprender com o outro sob múltiplas formas. Ambos passam nem rápidos nem vagarosamente demais, mas o suficiente para durar, pois, “educação por ciclos de formação é uma organização do tempo escolar de forma a se adequar às características biológicas e culturais do desenvolvimento de todos os alunos. Não significa, portanto, ‘dar mais tempo aos fracos’, mas, antes disso, é dar o tempo adequado a todos” (Macedo citando Lima, p. 123). Ou ainda, não é um tempo cronológico instituído que deve nortear um currículo e uma formação, mas a cultura e a história biológica e cultural onde o desenvolvimento psicossocial do ser em aprendizagem se realiza (Macedo citando Wallon, p. 123-124).
E por falar nisso, que horas são agora?
Ora, se o tempo é vida e depende do ponto de vista do observador, não acredito
que alguém aprenda com fome. Assim, confesso que não há tempo melhor do mundo
do que a hora de comer (livros e
comida).
FOTOS: peça teatral “A Lenda do Gurugé”, apresentada na
Creche Escola Rural do Gurugé (Voarte, 2018).