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São Francisco do Conde, Bahia, Brazil
Professor, (psico)pedagogo, coordenador pedagógico escolar e Especialista em Educação.
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"Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (Art. 205 da Constituição de 1988).

Ø Se eu sou um especialista, então minha especialidade é saber como não ser um especialista ou em saber como acho que especialistas devem ser utilizados. :)



“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

sexta-feira, 30 de março de 2012

É POSSÍVEL SER LIVRE?


A liberdade implica coragem. A coragem de viver, porque existir dói. Ser livre é valorizar a experiência como sabedoria e gostar do novo. 
Por Neilton Lima
Professor, pedagogo e psicopedagogo.
Liberdade, fevereiro 6, 2009 por Daniel Lafayette. Disponível em http://ultralafa.wordpress.com/2009/02/06/liberdade/

O que está e o que não está em nosso poder? Até onde vai a nossa liberdade? Ela só depende de nós mesmos ou está completamente fora de nós? Nesse texto, vamos encará-la como uma responsabilidade nossa. A liberdade é uma força interior do sujeito que o impulsiona a viver nas várias adversidades do caminho. Parece ser algo pendular entre os fracassos e as vitórias, ou seja, a própria dinâmica de lutar que se realiza como um meio, meio esse sujeito a dores e delícias! A liberdade é a condição da nossa humanidade e tudo o quanto a implica.
Vamos tomar o problema da liberdade analisando essa tirinha encontrada na internet. Na primeira cena, estamos diante do acaso, contrário à liberdade. O novo indivíduo, antes de vir ao mundo, não escolheu que ele tivesse aquele corpo e que fosse parar ali na contingência daquela rua suja e entregue à própria sorte. Não escolhemos onde, como, quando e na companhia de quem nascemos. E é por isso que não há espaço para a liberdade na dimensão da necessidade, pois é negada a condição de escolha do sujeito.
Com base ainda na primeira cena, e tomando toda a tirinha, poderíamos supor que uma vontade sobrenatural tivesse selado o destino dessa criaturinha. Sem que saibamos como e nem por que, mas apenas acreditando e tendo fé, alguma força divinizada a fez parar ali. Assim, também não encontramos espaço para a liberdade no campo da fatalidade. Novamente, é privada ao indivíduo a capacidade de escolher e definir o seu próprio destino, pois uma força misteriosa já o teria selado.
Poderíamos supor que o ovo foi parar ali por forças da natureza. Esta tem leis próprias e necessárias que, por motivação própria, exigiu vida e, portanto nascimento, a esse ser. Ora, se a natureza é o todo da realidade, existente em si e por si, que age sem nós e nos insere em sua rede de causas e efeitos, condições e conseqüências, então nada poderemos fazer senão obedecer as leis naturais a partir das quais poderíamos ser dissecados? Então estariam determinados nossos pensamentos, sentimentos, ações e toda a vida, tornando a liberdade ilusória. Logo, não haveria liberdade no campo do determinismo.
Observemos ainda no todo da tirinha que o ovo com seu novo indivíduo vai parar numa rua escura e poluída. Existem construções, lixo e esgoto lançados ali provavelmente por outros indivíduos que chegaram antes dele. Quando chegou nesse mundo, esse indivíduo já o encontrou assim, definido com regras e normas, problemas e conflitos que não foram escolhidos por ele. Portanto, em que medida há liberdade no campo da cultura?
Vamos olhar agora na terceira e última cenas. O novo ser, ao se espantar diante do mundo que encontrou ao nascer, decide retornar ao ovo. Há covardia em sua atitude, pois decide não encarar a realidade externa que encontrou com seus problemas, limitações e desafios. Parece mais seguro o lugar de onde nasceu, que agora não é simplesmente mais a casca de um ovo, mas sua própria prisão, aparentemente segura, escura e isolada. Não há liberdade quando se tem medo dela. Parece que o verdadeiro campo medíocre em que sua ausência é mais sentida e notada é no comodismo, na inércia resignada do próprio sujeito frouxo diante da vida.
A liberdade é uma luta constante. Mas uma luta contra quem? A resposta depende de onde partiram as “correntes” ou as amarras. Se, por exemplo, elas vierem de terceiros, então temos que lutar contra o próximo, nosso dominador. Mas se elas são o nosso medo de um passo além, então temos que lutar contra nós mesmos! Se for dada pelo mundo, então lute contra esse mundo.
O nosso personagem tomou consciência do mundo e de si. Mas a surpresa maior – e o que parece ter sido mais arrebatador – foi a consciência de si nesse mundo e a descoberta de que ele mesmo é senhor da sua direção. E agora? Ir adiante ou preferir voltar para o lugar de onde nunca deveria ter saído? Na situação do nosso amiguinho, que também é a nossa situação, não basta saber nem só querer ir adiante, mas de ter o poder de fazer, de saber a direção, de sustentar a escolha para que ela se torne algo concreto. É a liberdade como possibilidade objetiva!
A respeito da tirinha e do debate sobre a liberdade do seu personagem, ainda resta uma observação. Não é na solidão de uma vontade individual que podemos ser livres, mas sim na companhia dos outros que podemos enfrentar o mundo. Logo, somos livres não contra o mundo, mas no mundo. Isto é, não somos livres apesar do mundo, mas graças a ele. Somente tendo contato com o mundo, conhecendo seus limites e suas aberturas para os possíveis é que poderemos exercer nossa liberdade na criação de um mundo novo. E isso é feito na companhia dos outros.
Então, a liberdade existe! E está nas nossas liberações, nas intervenções diárias que fazemos no curso da vida, nas decisões racionais e nos resultados obtidos. A segunda cena da tirinha isoladamente é a mais interessante para mim, pois parece ser o momento em que o sujeito se afirma. A casca do ovo com a qual rompe não é sinônimo apenas de uma jaula, mas também uma ruptura com o preconceito, o conformismo e a inércia. É uma consciência e uma vontade de viver. Ou seja:
ü      O que mais importa não é saber o que fizeram de nós e sim o que fazemos com que quiseram fazer conosco (Sartre). Assim, a liberdade é um ato ou vários atos de decisões e escolhas entre vários possíveis. Não podemos nada nem podemos tudo, impotentes ou feito um poderio incondicional, mas podemos algo: agir. Nossas escolhas estão condicionadas pelas circunstâncias naturais, psíquicas, culturais e históricas em que vivemos, chamadas de totalidade natural e cultural em que estamos situados e sobre as quais devemos lidar;
ü      Liberdade é ação. É a consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais circunstâncias, nos permitem ultrapassá-las, dando-lhe outro rumo e um novo sentido, que não teriam sem a nossa ação. É abrir um futuro para muitos outros, mudando o curso do presente, que parecia ser inevitável.
A liberdade precisa ser ética. Não basta apenas saber o caminho a seguir, é preciso segui-lo com responsabilidade. Quantas vezes nossa razão e nossa inteligência não nos dizem para onde ir, mas preferimos ouvir nossa vontade e seguir a direção contrária? Uma liberdade ética implica a harmonia entre a direção apontada por nossa consciência e o exercício da nossa vontade. Daqui nascem as leis. Elas servem para lembrar à nossa vontade que nem tudo podemos para o nosso próprio bem. Portanto, não é uma mera coação vinda de fora, mas a própria liberdade se auto-afirmando de forma sistemática. Ser livre também é seguir e alterar as leis que nós mesmos nos instituímos. E a lei maior é eliminar a violência na relação com o outro, mantendo a fidelidade a nós mesmos, a coerência de nossa vida e a inteireza de nosso caráter. Avante criaturinha, saia desse ovo que “ele não mais te pertence”!


quinta-feira, 29 de março de 2012

Agir com Pensar

Por Neilton Lima*
Professor, pedagogo e especialista em psicopedagogia*

Na sociedade contemporânea, uma sociedade do controle, o urgente não vem deixando tempo para o importante. A correria cotidiana imposta pelo relógio e as metas da vida prática nos rouba nossa liberdade consciente mais elementar: a capacidade de reflexão e consciência, continuada e deliberada. "Sem tempo para pensar”, nos tornamos vulneráveis aos imperativos do mundo dos negócios e da comunicação, verdadeiras presas do mercado. E nos tornamos meros consumidores vorazes e insanos, autômatos.

Tudo isso não só ameaça a nossa liberdade de decidir, escolher, optar e aderir, como também nos cansa, tirando o sono, o lazer e o sossego necessários a uma vida saudável. A conseqüência é a ameaça de um abismo do vazio. Muitas pessoas com aversões à civilidade, “deixando a vida nos levar” incertos, repousando na irracionalidade e vivendo dilemas da inconseqüência.

Sem liberdade, individualidade e privacidade. Sem o exercício do pensar e a atividade da reflexão. Vivemos numa verdadeira ditadura implícita, disfarçada, cujas amarras estão numa “mercadolatria” que seqüestrou nossa subjetividade. As forças de mercado criam necessidades artificiais o tempo todo e nos faz viver em função delas. E todo o desenvolvimento tecnocientífico vem sendo usado ao seu favor, fazendo-nos viver numa verdadeira Matrix.
Não devemos aceitar esse presente e esse futuro de carência, de falta, de ansiedade e de antecipação. E o ponto de partida parece ser a retomada da nossa capacidade de pensar e, junto com ela, de aprender a dizer “não”. 
Um forte abraço!
Neilton Lima.

terça-feira, 20 de março de 2012

A Felicidade...


Por Neilton Lima
Professor, pedagogo e especialista em psicopedagogia.

O presente texto pretende acompanhar o raciocínio do filósofo Aristóteles, a partir do Livro I de sua obra “Ética a Nicômaco”. É um trabalho de síntese conclusiva, ilustrado com vídeos complementares.

Em linhas gerais, todas as ações e escolhas humanas possuem finalidades. Entre os fins um é o Bem maior, ou seja, é desejado e bom por si mesmo como causa da bondade de todas as coisas. Auto-suficiente. Esse bem absoluto e incondicional é a felicidade. Ela existe como o propósito de tudo e pode ser conquistada.

A felicidade é objeto da ciência política, pois esta é quem subordina as demais ciências, determina o que se deve fazer e abster-se na coletividade e, assim, direciona os rumos de uma cidade. Desse modo, o maior objetivo da política é atingir e preservar a bondade e a felicidade dos cidadãos, “já que o homem é um animal político”. Por isso ela deve cultivar as ações mais belas, nobres e justas possíveis, acabando por ser o seu objetivo a honra ou o reconhecimento de seu valor.

FELICIDADE (ÓLEO SOBRE TELA) 80 X 80 — Rio de Janeiro, do artista Adilson Dias.

As discussões políticas giram em torno dos fatos da vida, onde mora a felicidade. Exige-se que seus interlocutores sejam experientes e predispostos a agir de acordo com a razão. Pois o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz.

O que é a felicidade e com o que ela se identifica? Seria preciso que a resposta viesse de “alguém” que realmente foi feliz e a identificou com a coisa certa. Também dependeria da condição e das circunstâncias desse “alguém”, pois uma pessoa doente diria ser a saúde ou uma pessoa pobre, a riqueza. As pessoas simples acreditam que ela se identifica com algo óbvio, tal como o prazer ou as honras etc. Porém, assim como podem ser dadas, todas essas coisas também podem ser tiradas. A felicidade não poderia ser identificada com nenhuma delas porque como sumo bem é algo próprio de uma pessoa e dificilmente lhe poderia ser tirado, como a sabedoria. E mesmo o homem que deseja ser sábio é porque antes quer ser feliz.

Ora, parece que a felicidade, acima de qualquer outra coisa, é considerada como esse sumo bem. Ela é buscada sempre por si mesma e nunca no interesse de uma outra coisa; enquanto a honra, o prazer, a razão, e todas as demais virtudes, ainda que as escolhamos por si mesmas (visto que as escolheríamos mesmo que nada delas resultasse), fazemos isso no interesse da felicidade, pensando que por meio dela seremos felizes. Mas a felicidade ninguém a escolhe tendo em vista alguma outra virtude, nem, de uma forma geral, qualquer coisa além dela própria (ARISTÓTELES, p.26).

Existem três tipos principais de vida: a política, a contemplativa e a que é fundamentada no prazer. A vida que visa tão somente o prazer é comparável à dos animais; a vida política almeja honras e reconhecimento. Poderia ainda apontar a vida dedicada a ganhar dinheiro, o que seria uma vida forçada, visando uma coisa útil, desejada no interesse de outra coisa, nada mais (é um bem em função de outro, algo útil e subordinado).

Filósofo Paulo Ghiraldelli Jr fala sobre "paixões humanas". Este vídeo é o da Felicidade.

A felicidade está associada com a vida contemplativa. [E parece ser possível aproveitar todas as outras formas de vida através desta]. Pois a função ou peculiaridade do homem que o torna tal é a capacidade que tem de pensar ou o seu elemento racional ativo (descartados aqui os animais, as crianças e os jovens movidos apenas por prazeres e paixões). É a parte racional da alma, visto que ela é constituída por um lado privado de razão. Portanto, um fragmento de vida não é suficiente para tal, mas uma vida inteira para fazer uma pessoa feliz e venturosa, ou não. A felicidade implica virtude completa e uma vida completa, cuja metade não seja igual ou superior de dores, sofrimentos e todo tipo de miséria.


Mônica Waldvogel entrevistou JORGE FORBES, psicanalista e VIVIANE MOSÉ, filósofa, no programa DOIS A UM, do SBT. Veja a entrevista em 03 partes.  


Aristóteles reconhecia que a psique humana é constituída de ego, id e superego. E que o id (pulsões, instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes visando o prazer) era o elemento contrário ao princípio racional, ou seja, a luta contra a racionalidade e lhe oferecendo resistência. E essa luta incessante é complexa porque é invisível [“Mas ao passo que, no corpo, vemos aquilo que se desvia da direção certa, no caso da alma não o podemos ver”]. Como a felicidade foi definida como atividade da alma conforme a virtude perfeita, no homem continente esse elemento irracional deve obedecer ao princípio racional, sendo ainda mais obediente nas pessoas temperantes e valorosas. Acreditando que o elemento irracional pode ser persuadido pela razão, está a indicar o fato de aconselharmos alguém, e de exortarmos e censurarmos de um modo geral.

A felicidade torna a vida desejável por não ser carente de nada. O homem feliz vive bem e age bem, visto que definimos a felicidade como uma espécie de boa vida e boa ação. Assim, há uma estreita relação entre felicidade e virtude, e aqui temos a expressão maior da Ética, pois “é graças a ela que os homens tendem a praticar ações nobres”. 

Os bens são classificados em exteriores e os relativos à alma. A felicidade está ligada à alma, entretanto necessita igualmente dos bens exteriores, pois é impossível, ou pelo menos não é fácil, praticar ações nobres sem os devidos meios. Assim, o homem feliz não deixa de ser dependente de alguns atributos, tais como: descendência, beleza, origem, certa fortuna e até os amigos e o poder político quando usados como instrumentos para realizar certas ações.

A felicidade é construída. Diante da dúvida se ela é adquirida pelo hábito ou se é dada por alguma providência divina ou ainda pelo acaso, parece sensato crer que seja uma conquista da capacidade para a virtude com estudo, exercício, esforço e aprendizagem. Pois o que constitui a felicidade são as atividades virtuosas, e as atividades viciosas conduzem à situação oposta. Por isso pessoas que dedicaram suas vidas ao bem são lembradas pelas gerações posteriores.

Uma grande e frequente quantidade de sucessos tornarão nossa vida mais feliz, pois aumenta a sua beleza. Ao contrário, muitos e constantes revezes poderão aniquilar e mutilar a felicidade. De modo que, a vida feliz não é uma vida privada de obstáculos, mas inteligente para agir e superá-los. Pois se lembre, as atividades é que dão caráter à vida. E o homem verdadeiramente feliz não se tornará desgraçado, pois ele jamais praticará atos odiosos. “Pensamos que o homem verdadeiramente bom e sábio suporta com dignidade todas as contingências da vida e sempre tira o maior proveito das circunstâncias (...)”.

A felicidade é algo louvável, divino e perfeito. Ela é um primeiro princípio e causa dos bens, pois fazemos todas as coisas tendo-a em vista. É uma atividade da alma conforme a virtude perfeita. Esta é o foco do homem verdadeiramente político, pois o seu desejo acima de todas as coisas é tornar os cidadãos homens bons e obedientes às leis. 

Um forte abraço!
Neilton Lima.


sábado, 17 de março de 2012

O problema dos outros pode se tornar o nosso problema.

Por Neilton Lima
Professor, pedagogo e especialista em psicopedagogia.

“Os nossos conhecimentos são os germes das nossas produções”. (Buffon)

A atual geração é pouco dedicada aos estudos. A parte que ainda o faz, talvez não seja movida pelo desejo, mas pela necessidade imposta das exigências sociais. O prejuízo não é apenas para o próprio indivíduo, que ao aumentar sua ignorância, também aumenta sua vulnerabilidade social. O prejuízo é catastrófico para toda uma nação. Com pessoas menos instruídas diminui também o número de cidadãos críticos (que não aceitam ideologias manipuladoras), participativos (que não aceitam idéias autoritárias) e autônomos (que criam projetos de vida com mais dignidade e qualidade, rumo a uma sociedade melhor). A indiferença aos estudos faz toda uma nação se perder, aumentando ainda mais as desigualdades sociais e, conseqüentemente, colocando a todos nós sujeitos aos seus possíveis riscos.

É verdade que a qualidade técnica das nossas escolas públicas não é das melhores. Entretanto, a raiz dos problemas da educação no Brasil é muito mais político-social do que técnico. A sociedade fundada em desigualdades sociais terríveis não dá as mesmas oportunidades para os filhos da classe pobre aproveitar a escola e o que de bom ela possa ferecer (se ela fosse de qualidade), como aproveita os estudantes das classes mais favorecidas. São critérios que precedem o fator técnico de diferenciação baseados nas possibilidades de poucos, e por se fundamentar na exclusão e afastamento dos menos aptos.

Que geração é esta, que não lê e disto nem se envergonha? Ora, é uma geração historicamente relegada e excluída da condição de se educar. Romper com os problemas da educação requer a paralela ruptura com os problemas sociais, e o começo deles é a superação das desigualdades sociais. 
Um forte abraço!
Neilton Lima.

sexta-feira, 16 de março de 2012

As Virtudes...


Por Neilton Lima.
Professor, pedagogo e especialista em psicopedagogia.
Os atos determinam a natureza das disposições morais, então, como devemos praticá-los? Essa investigação não visa tão somente ao conhecimento teórico (o que é a virtude?), mas nos estimular a uma vida virtuosa. Um tratamento sobre a conduta não deve ser encarado de maneira precisa, mas em linhas gerais.
O presente texto pretende acompanhar o raciocínio do filósofo Aristóteles, a partir do Livro II de sua obra “Ética a Nicômaco”. 
É um trabalho de síntese conclusiva.

As virtudes ou disposições louváveis de espírito não são geradas por natureza nem contrariamente a ela. O que a natureza faz é dá a capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa com a prática ou exercício, por isso e para isso existem os mestres. Essas virtudes se dividem em intelectuais e morais. As virtudes intelectuais devem sua geração e crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e tempo, como a disposição de espírito para a sabedoria filosófica e prática e a compreensão; já as virtudes morais são construídas pelo hábito, como o caráter amável, calmo e temperante de uma pessoa.

“(...) de todas as coisas que nos vêm por natureza, primeiro recebemos a potência e só depois exteriorizamos a atividade. (...) Efetivamente, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo (...), tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente [se os homens praticam atos justos e temperantes, é que já têm essas virtudes], e igualmente com a coragem, etc. (...) pelos atos que praticamos em nossas relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; pelo que fazemos em situações perigosas e pelo hábito de sentir medo ou de sentir confiança, tornamo-nos corajosos ou covardes. O mesmo vale para os desejos e a ira (...)” (ARISTÓTELES, pp. 40-41).

Logo, desde a infância é preciso educar pelo exemplo. O modelo é importante ou será decisivo para as disposições morais ou caráter, pois nascem de atividades semelhantes a elas, ou seja, sua prática coerente. É por esta razão que se deve atentar para a qualidade dos atos praticados, pois além da formação moral do sujeito ator há a formação do sujeito espectador.

Para que as ações virtuosas sejam originais é necessário que o agente dos atos se encontre em certas condições ao praticá-los: em primeiro lugar deve ter conhecimento do que faz; em segundo lugar, deve escolher os atos, e escolhê-los em função dos próprios atos; e em terceiro lugar, sua ação deve proceder de uma disposição moral firme e imutável.

Está na natureza das virtudes serem destruídas pela deficiência e pelo excesso. Logo, devemos agir buscando o uso nas devidas proporções ou mediania para que as virtudes sejam produzidas e preservadas e, junto com elas, os bons resultados.

“(...) O homem que tem medo de tudo e de tudo foge, não enfrentando nada, torna-se um covarde; e de outro lado, o homem que não teme absolutamente nada e enfrenta todos os perigos, torna-se temerário [arriscado, aventureiro]. De modo análogo, o homem que se entrega a todos os prazeres e não se abstém de nenhum torna-se intemperante, ao passo que o homem que evita todos os prazeres, como fazem os rústicos, torna-se de certo modo insensível” (ARISTÓTELES, pp. 42-43).

As virtudes (excelência moral) são criadas e destruídas pelas ações. As pessoas que praticam o bem se tornam pessoas bondosas; o mal, pessoas maldosas. Ou controlamos nossos sentimentos ou eles nos controlarão. “É habituando-nos a desprezar e enfrentar coisas temíveis que nos tornamos corajosos, e é quando nos tornamos corajosos que somos mais capazes de fazer frente a elas”, de forma espontânea. Pois o homem que sofre quando enfrenta coisas temíveis ainda é covarde.

A dor e o sofrimento interferem nas virtudes. É por causa do prazer que muitas más ações são praticadas, e por causa do sofrimento que deixamos de praticar várias ações nobres. Talvez a educação, para ser correta, deveria instruir desde a infância, de maneira a nos deleitarmos e de sofrermos com as coisas certas (com certa lógica para o castigo). Pois tudo que é certo nem sempre causa só prazer, mas também dor e sofrimento. É preciso está preparado para suportá-los a fim de manter nossas ações corretas. Assim como é preciso evitar o prazer para não alimentar certos males.

Nossas ações são medidas pelo critério do prazer e do sofrimento. Desde a infância se aprende o que é agradável e doloroso. Tanto a virtude como a arte se preocupam sempre com o mais difícil, pois as coisas boas se tornam até melhores quando difíceis. Assim, as virtudes giram em torno de prazeres e sofrimentos, de tal modo que, o homem que os usa bem é bom, e o que os usa mal é mau.

Existem três objetos de escolha e três de rejeição: o nobre, o vantajoso, o agradável; e seus contrários, o vil, o prejudicial e o doloroso. Em razão dos prazeres e sofrimentos os homens se tornam maus, buscando-os ou deles se desvencilhando. É também em relação a todos eles que o homem bom tende a agir certo e o homem mau a agir errado, sobretudo no que diz respeito ao prazer, sobre o qual é mais difícil lutar do que contra o sofrimento. Isso porque tendemos mais naturalmente para os prazeres, e por isso somos levados mais facilmente à intemperança do que à moderação.  

Na alma se encontra três espécies de coisas: paixões, faculdades e disposições. Se a virtude é uma atividade da alma, qual delas é a virtude? As paixões significam os apetites, a cólera, o medo, a audácia, a inveja, a alegria, a amizade, o ódio, o desejo, a emulação, a compaixão e de um modo geral os sentimentos que são acompanhados de prazer e sofrimento. As faculdades significam aquelas coisas em razão das quais dizemos que somos capazes de sentir as paixões, como a faculdade de nos encolerizarmos, magoar-nos ou compadecer-nos. As disposições significam as coisas em razão das quais nossa posição em relação às paixões é boa ou má, como por exemplo, em relação à cólera, nossa posição é má se a sentimos de modo violento ou de modo fraco, e boa se a sentimos moderadamente. Isso vale para todas as outras paixões. Paixões e faculdades são naturais, disposições para elas são escolhas.  

As virtudes são disposições. Ou seja, nossa posição em relação às paixões ou o modo pelo qual as tomamos. Esse modo precisa ser moderado para se tornar uma virtude, pois outro modo que seja excessivo ou insuficiente será o seu oposto, isto é, um vício ou deficiência moral. Logo, nos tornamos bons ou maus, louvados ou censurados, por causa das nossas virtudes ou vícios e não por causa das paixões, mas certa maneira ou medida de intensidade em que são experimentadas e sentidas.

As paixões são espontâneas e a elas somos movidos, mas a virtude e o vício são certos modos de escolhas ou envolvem escolha. Logo, ser bom ou mau não é uma faculdade natural, mas sim uma disposição que diz respeito à nossa responsabilidade. “(...) temos as faculdades por natureza, mas não é por natureza que nos tornamos bons ou maus (...) toda virtude não apenas põe em boa condição a coisa a que dá excelência, como também faz com que a função dessa coisa seja bem desempenhada” (ARISTÓTELES, p.47). De modo que poderíamos concluir que o objetivo da educação é levar o sujeito ao ponto de equilíbrio das suas paixões e faculdades. E nesse equilíbrio agir e pensar com excelência de virtudes.

“(...) Em tudo que é contínuo e divisível pode-se tirar uma parte maior, menor ou igual (...) e o igual é um meio-termo entre o excesso e a falta (...). Desse modo, um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando e preferindo o meio-termo (...)”. Ora, com isso Aristóteles não quer condenar as paixões e ações, mas chamar a atenção do homem ao seu bom uso, abrindo até exceções para certas extrapolações desde que em momentos oportunos para se alcançar o meio-termo:

“(...) pode-se sentir tanto o medo, a confiança, o apetite, a cólera, a compaixão, e de uma forma geral o prazer e o sofrimento, em excesso ou em grau insuficiente; e em ambos os casos, isso é um mal. Mas senti-los no momento certo, em relação aos objetos e às pessoas certas, e pelo motivo e da maneira certa, nisso consistem o meio-termo e a excelência característicos da virtude” (ARISTÓTELES, p. 48).

Porém, algumas exceções são feitas. Segundo ele, nem toda ação ou paixão admite um meio-termo, pois algumas entre elas têm nomes que já em si mesmos implicam maldade independente da falta ou excesso, como, por exemplo, o despeito, o despudor, a inveja, e, no âmbito das ações, o adultério, o roubo, o assassinato e outras semelhantes que seja ações injustas, covardes ou libidinosas. Nelas nunca será possível haver retidão, mas tão-somente o erro independentemente da intensidade.

A realidade é que não é nada fácil ser bom, pois em todas as coisas é difícil encontrar o meio. Fácil mesmo é ceder e praticar os prazeres. Qualquer um pode encolerizar-se, embriagar-se, dar ou gastar dinheiro, mas proceder na justa-medida, ou seja, ter discernimento sobre: a) a pessoa que convém; b) na medida certa; c) a ocasião oportuna; d) o motivo e a maneira que convém; isso sim não é fácil nem é para qualquer um. Por isso, agir bem tanto é raro como nobre e louvável.

Visto que alcançar o meio-termo é extremamente difícil, devemos afastar-nos primeiro do que lhe é mais contrário, contentar-nos com o menor dos males e atentar aos erros para os quais nós somos mais facilmente arrastados. Após isso, devemos nos forçar a ir à direção do extremo contrário, pois chegaremos ao estado intermediário afastando-nos o mais possível do erro. E como podemos reconhecer os erros da vida? A vida mostra nossos erros através da dor e do sofrimento que experimentamos, assim como os acertos são sentidos por certa medida de prazer comedido. Entretanto, o prazer e o que é agradável são, entre todas as coisas, contra o que mais devemos nos precaver. Primeiro porque os erros têm uma relação muito próxima dos prazeres e depois porque quem experimenta o prazer tem dificuldade em julgá-lo com imparcialidade, pois se acha seduzido pela situação que lhe convém. E nem sempre o que lhe convém é certo. [“tudo que é percebido pelos sentidos é difícil de definir; tais coisas dependem de circunstâncias particulares, e a decisão depende da percepção em quem nem sempre devemos confiar”].

Enfim, a virtude é uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consiste numa mediania, determinada por um princípio racional próprio do homem. É um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta. Em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, todavia às vezes devemos inclinar-nos no sentido do excesso e outras vezes no sentido da falta, pois assim chegaremos mais facilmente ao meio-termo e ao que é certo e excelente. 

Um forte abraço!

Neilton Lima.