A liberdade implica coragem. A coragem de viver, porque existir dói.
Ser livre é valorizar a experiência como sabedoria e gostar do novo.
Por Neilton Lima
Professor, pedagogo e psicopedagogo.
Liberdade, fevereiro
6, 2009 por Daniel Lafayette. Disponível em
http://ultralafa.wordpress.com/2009/02/06/liberdade/
O que está e o
que não está em nosso poder? Até onde vai a nossa liberdade? Ela só depende de
nós mesmos ou está completamente fora de nós? Nesse texto, vamos encará-la como
uma responsabilidade nossa. A liberdade é uma força interior do sujeito que o
impulsiona a viver nas várias adversidades do caminho. Parece ser algo pendular
entre os fracassos e as vitórias, ou seja, a própria dinâmica de lutar que se
realiza como um meio, meio esse
sujeito a dores e delícias! A liberdade é a condição da nossa humanidade e tudo
o quanto a implica.
Vamos tomar o
problema da liberdade analisando essa tirinha encontrada na internet. Na
primeira cena, estamos diante do acaso,
contrário à liberdade. O novo indivíduo, antes de vir ao mundo, não escolheu
que ele tivesse aquele corpo e que fosse parar ali na contingência daquela rua suja e entregue à própria sorte. Não
escolhemos onde, como, quando e na companhia de quem nascemos. E é por isso que
não há espaço para a liberdade na dimensão da necessidade, pois é negada a condição de escolha do sujeito.
Com base ainda
na primeira cena, e tomando toda a tirinha, poderíamos supor que uma vontade
sobrenatural tivesse selado o destino dessa criaturinha. Sem que saibamos como
e nem por que, mas apenas acreditando e tendo fé, alguma força divinizada a fez
parar ali. Assim, também não encontramos espaço para a liberdade no campo da fatalidade. Novamente, é privada ao
indivíduo a capacidade de escolher e definir o seu próprio destino, pois uma
força misteriosa já o teria selado.
Poderíamos
supor que o ovo foi parar ali por forças da natureza. Esta tem leis próprias e necessárias que, por motivação própria,
exigiu vida e, portanto nascimento, a esse ser. Ora, se a natureza é o todo da
realidade, existente em si e por si, que age sem nós e nos insere em sua rede
de causas e efeitos, condições e conseqüências, então nada poderemos fazer
senão obedecer as leis naturais a partir das quais poderíamos ser dissecados?
Então estariam determinados nossos pensamentos, sentimentos, ações e toda a
vida, tornando a liberdade ilusória. Logo, não haveria liberdade no campo do determinismo.
Observemos
ainda no todo da tirinha que o ovo com seu novo indivíduo vai parar numa rua
escura e poluída. Existem construções, lixo e esgoto lançados ali provavelmente
por outros indivíduos que chegaram antes dele. Quando chegou nesse mundo, esse
indivíduo já o encontrou assim, definido com regras e normas, problemas e
conflitos que não foram escolhidos por ele. Portanto, em que medida há
liberdade no campo da cultura?
Vamos olhar agora
na terceira e última cenas. O novo ser, ao se espantar diante do mundo que
encontrou ao nascer, decide retornar ao ovo. Há covardia em sua atitude, pois decide não encarar a realidade
externa que encontrou com seus problemas, limitações e desafios. Parece mais
seguro o lugar de onde nasceu, que agora não é simplesmente mais a casca de um
ovo, mas sua própria prisão, aparentemente segura, escura e isolada. Não há
liberdade quando se tem medo dela.
Parece que o verdadeiro campo medíocre em que sua ausência é mais sentida e
notada é no comodismo, na inércia resignada do próprio sujeito frouxo diante da
vida.
A liberdade é
uma luta constante. Mas uma luta contra quem? A resposta depende de onde
partiram as “correntes” ou as amarras. Se, por exemplo, elas vierem de
terceiros, então temos que lutar contra o próximo, nosso dominador. Mas se elas
são o nosso medo de um passo além, então temos que lutar contra nós mesmos! Se
for dada pelo mundo, então lute contra esse mundo.
O nosso
personagem tomou consciência do mundo e de si. Mas a surpresa maior – e o que
parece ter sido mais arrebatador – foi a
consciência de si nesse mundo e a descoberta de que ele mesmo é senhor da
sua direção. E agora? Ir adiante ou preferir voltar para o lugar de onde nunca
deveria ter saído? Na situação do nosso amiguinho, que também é a nossa
situação, não basta saber nem só querer ir adiante, mas de ter o poder de
fazer, de saber a direção, de sustentar a escolha para que ela se torne algo
concreto. É a liberdade como possibilidade objetiva!
A respeito da
tirinha e do debate sobre a liberdade do seu personagem, ainda resta uma
observação. Não é na solidão de uma vontade individual que podemos ser livres,
mas sim na companhia dos outros que podemos enfrentar o mundo. Logo, somos
livres não contra o mundo, mas no mundo. Isto é, não somos livres apesar do
mundo, mas graças a ele. Somente tendo contato com o mundo, conhecendo seus
limites e suas aberturas para os possíveis é que poderemos exercer nossa
liberdade na criação de um mundo novo. E isso é feito na companhia dos outros.
Então, a
liberdade existe! E está nas nossas liberações, nas intervenções diárias que
fazemos no curso da vida, nas decisões racionais e nos resultados obtidos. A
segunda cena da tirinha isoladamente é a mais interessante para mim, pois
parece ser o momento em que o sujeito se afirma. A casca do ovo com a qual
rompe não é sinônimo apenas de uma jaula, mas também uma ruptura com o
preconceito, o conformismo e a inércia. É uma consciência e uma vontade de
viver. Ou seja:
ü
O que mais importa não é saber o que fizeram de
nós e sim o que fazemos com que quiseram fazer conosco (Sartre). Assim, a
liberdade é um ato ou vários atos de decisões e escolhas entre vários
possíveis. Não podemos nada nem podemos tudo, impotentes ou feito um poderio
incondicional, mas podemos algo: agir. Nossas escolhas estão condicionadas
pelas circunstâncias naturais, psíquicas, culturais e históricas em que
vivemos, chamadas de totalidade natural e cultural em que estamos situados e
sobre as quais devemos lidar;
ü
Liberdade é ação. É a consciência simultânea das
circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais circunstâncias,
nos permitem ultrapassá-las, dando-lhe outro rumo e um novo sentido, que não
teriam sem a nossa ação. É abrir um futuro para muitos outros, mudando o curso
do presente, que parecia ser inevitável.
A liberdade
precisa ser ética. Não basta apenas saber o caminho a seguir, é preciso
segui-lo com responsabilidade. Quantas vezes nossa razão e nossa inteligência
não nos dizem para onde ir, mas preferimos ouvir nossa vontade e seguir a
direção contrária? Uma liberdade ética implica a harmonia entre a direção
apontada por nossa consciência e o exercício da nossa vontade. Daqui nascem as
leis. Elas servem para lembrar à nossa vontade que nem tudo podemos para o
nosso próprio bem. Portanto, não é uma mera coação vinda de fora, mas a própria
liberdade se auto-afirmando de forma sistemática. Ser livre também é seguir e
alterar as leis que nós mesmos nos instituímos. E a lei maior é eliminar a
violência na relação com o outro, mantendo a fidelidade a nós mesmos, a
coerência de nossa vida e a inteireza de nosso caráter. Avante criaturinha,
saia desse ovo que “ele não mais te pertence”!