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“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

sexta-feira, 16 de março de 2012

As Virtudes...


Por Neilton Lima.
Professor, pedagogo e especialista em psicopedagogia.
Os atos determinam a natureza das disposições morais, então, como devemos praticá-los? Essa investigação não visa tão somente ao conhecimento teórico (o que é a virtude?), mas nos estimular a uma vida virtuosa. Um tratamento sobre a conduta não deve ser encarado de maneira precisa, mas em linhas gerais.
O presente texto pretende acompanhar o raciocínio do filósofo Aristóteles, a partir do Livro II de sua obra “Ética a Nicômaco”. 
É um trabalho de síntese conclusiva.

As virtudes ou disposições louváveis de espírito não são geradas por natureza nem contrariamente a ela. O que a natureza faz é dá a capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa com a prática ou exercício, por isso e para isso existem os mestres. Essas virtudes se dividem em intelectuais e morais. As virtudes intelectuais devem sua geração e crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e tempo, como a disposição de espírito para a sabedoria filosófica e prática e a compreensão; já as virtudes morais são construídas pelo hábito, como o caráter amável, calmo e temperante de uma pessoa.

“(...) de todas as coisas que nos vêm por natureza, primeiro recebemos a potência e só depois exteriorizamos a atividade. (...) Efetivamente, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo (...), tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente [se os homens praticam atos justos e temperantes, é que já têm essas virtudes], e igualmente com a coragem, etc. (...) pelos atos que praticamos em nossas relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; pelo que fazemos em situações perigosas e pelo hábito de sentir medo ou de sentir confiança, tornamo-nos corajosos ou covardes. O mesmo vale para os desejos e a ira (...)” (ARISTÓTELES, pp. 40-41).

Logo, desde a infância é preciso educar pelo exemplo. O modelo é importante ou será decisivo para as disposições morais ou caráter, pois nascem de atividades semelhantes a elas, ou seja, sua prática coerente. É por esta razão que se deve atentar para a qualidade dos atos praticados, pois além da formação moral do sujeito ator há a formação do sujeito espectador.

Para que as ações virtuosas sejam originais é necessário que o agente dos atos se encontre em certas condições ao praticá-los: em primeiro lugar deve ter conhecimento do que faz; em segundo lugar, deve escolher os atos, e escolhê-los em função dos próprios atos; e em terceiro lugar, sua ação deve proceder de uma disposição moral firme e imutável.

Está na natureza das virtudes serem destruídas pela deficiência e pelo excesso. Logo, devemos agir buscando o uso nas devidas proporções ou mediania para que as virtudes sejam produzidas e preservadas e, junto com elas, os bons resultados.

“(...) O homem que tem medo de tudo e de tudo foge, não enfrentando nada, torna-se um covarde; e de outro lado, o homem que não teme absolutamente nada e enfrenta todos os perigos, torna-se temerário [arriscado, aventureiro]. De modo análogo, o homem que se entrega a todos os prazeres e não se abstém de nenhum torna-se intemperante, ao passo que o homem que evita todos os prazeres, como fazem os rústicos, torna-se de certo modo insensível” (ARISTÓTELES, pp. 42-43).

As virtudes (excelência moral) são criadas e destruídas pelas ações. As pessoas que praticam o bem se tornam pessoas bondosas; o mal, pessoas maldosas. Ou controlamos nossos sentimentos ou eles nos controlarão. “É habituando-nos a desprezar e enfrentar coisas temíveis que nos tornamos corajosos, e é quando nos tornamos corajosos que somos mais capazes de fazer frente a elas”, de forma espontânea. Pois o homem que sofre quando enfrenta coisas temíveis ainda é covarde.

A dor e o sofrimento interferem nas virtudes. É por causa do prazer que muitas más ações são praticadas, e por causa do sofrimento que deixamos de praticar várias ações nobres. Talvez a educação, para ser correta, deveria instruir desde a infância, de maneira a nos deleitarmos e de sofrermos com as coisas certas (com certa lógica para o castigo). Pois tudo que é certo nem sempre causa só prazer, mas também dor e sofrimento. É preciso está preparado para suportá-los a fim de manter nossas ações corretas. Assim como é preciso evitar o prazer para não alimentar certos males.

Nossas ações são medidas pelo critério do prazer e do sofrimento. Desde a infância se aprende o que é agradável e doloroso. Tanto a virtude como a arte se preocupam sempre com o mais difícil, pois as coisas boas se tornam até melhores quando difíceis. Assim, as virtudes giram em torno de prazeres e sofrimentos, de tal modo que, o homem que os usa bem é bom, e o que os usa mal é mau.

Existem três objetos de escolha e três de rejeição: o nobre, o vantajoso, o agradável; e seus contrários, o vil, o prejudicial e o doloroso. Em razão dos prazeres e sofrimentos os homens se tornam maus, buscando-os ou deles se desvencilhando. É também em relação a todos eles que o homem bom tende a agir certo e o homem mau a agir errado, sobretudo no que diz respeito ao prazer, sobre o qual é mais difícil lutar do que contra o sofrimento. Isso porque tendemos mais naturalmente para os prazeres, e por isso somos levados mais facilmente à intemperança do que à moderação.  

Na alma se encontra três espécies de coisas: paixões, faculdades e disposições. Se a virtude é uma atividade da alma, qual delas é a virtude? As paixões significam os apetites, a cólera, o medo, a audácia, a inveja, a alegria, a amizade, o ódio, o desejo, a emulação, a compaixão e de um modo geral os sentimentos que são acompanhados de prazer e sofrimento. As faculdades significam aquelas coisas em razão das quais dizemos que somos capazes de sentir as paixões, como a faculdade de nos encolerizarmos, magoar-nos ou compadecer-nos. As disposições significam as coisas em razão das quais nossa posição em relação às paixões é boa ou má, como por exemplo, em relação à cólera, nossa posição é má se a sentimos de modo violento ou de modo fraco, e boa se a sentimos moderadamente. Isso vale para todas as outras paixões. Paixões e faculdades são naturais, disposições para elas são escolhas.  

As virtudes são disposições. Ou seja, nossa posição em relação às paixões ou o modo pelo qual as tomamos. Esse modo precisa ser moderado para se tornar uma virtude, pois outro modo que seja excessivo ou insuficiente será o seu oposto, isto é, um vício ou deficiência moral. Logo, nos tornamos bons ou maus, louvados ou censurados, por causa das nossas virtudes ou vícios e não por causa das paixões, mas certa maneira ou medida de intensidade em que são experimentadas e sentidas.

As paixões são espontâneas e a elas somos movidos, mas a virtude e o vício são certos modos de escolhas ou envolvem escolha. Logo, ser bom ou mau não é uma faculdade natural, mas sim uma disposição que diz respeito à nossa responsabilidade. “(...) temos as faculdades por natureza, mas não é por natureza que nos tornamos bons ou maus (...) toda virtude não apenas põe em boa condição a coisa a que dá excelência, como também faz com que a função dessa coisa seja bem desempenhada” (ARISTÓTELES, p.47). De modo que poderíamos concluir que o objetivo da educação é levar o sujeito ao ponto de equilíbrio das suas paixões e faculdades. E nesse equilíbrio agir e pensar com excelência de virtudes.

“(...) Em tudo que é contínuo e divisível pode-se tirar uma parte maior, menor ou igual (...) e o igual é um meio-termo entre o excesso e a falta (...). Desse modo, um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando e preferindo o meio-termo (...)”. Ora, com isso Aristóteles não quer condenar as paixões e ações, mas chamar a atenção do homem ao seu bom uso, abrindo até exceções para certas extrapolações desde que em momentos oportunos para se alcançar o meio-termo:

“(...) pode-se sentir tanto o medo, a confiança, o apetite, a cólera, a compaixão, e de uma forma geral o prazer e o sofrimento, em excesso ou em grau insuficiente; e em ambos os casos, isso é um mal. Mas senti-los no momento certo, em relação aos objetos e às pessoas certas, e pelo motivo e da maneira certa, nisso consistem o meio-termo e a excelência característicos da virtude” (ARISTÓTELES, p. 48).

Porém, algumas exceções são feitas. Segundo ele, nem toda ação ou paixão admite um meio-termo, pois algumas entre elas têm nomes que já em si mesmos implicam maldade independente da falta ou excesso, como, por exemplo, o despeito, o despudor, a inveja, e, no âmbito das ações, o adultério, o roubo, o assassinato e outras semelhantes que seja ações injustas, covardes ou libidinosas. Nelas nunca será possível haver retidão, mas tão-somente o erro independentemente da intensidade.

A realidade é que não é nada fácil ser bom, pois em todas as coisas é difícil encontrar o meio. Fácil mesmo é ceder e praticar os prazeres. Qualquer um pode encolerizar-se, embriagar-se, dar ou gastar dinheiro, mas proceder na justa-medida, ou seja, ter discernimento sobre: a) a pessoa que convém; b) na medida certa; c) a ocasião oportuna; d) o motivo e a maneira que convém; isso sim não é fácil nem é para qualquer um. Por isso, agir bem tanto é raro como nobre e louvável.

Visto que alcançar o meio-termo é extremamente difícil, devemos afastar-nos primeiro do que lhe é mais contrário, contentar-nos com o menor dos males e atentar aos erros para os quais nós somos mais facilmente arrastados. Após isso, devemos nos forçar a ir à direção do extremo contrário, pois chegaremos ao estado intermediário afastando-nos o mais possível do erro. E como podemos reconhecer os erros da vida? A vida mostra nossos erros através da dor e do sofrimento que experimentamos, assim como os acertos são sentidos por certa medida de prazer comedido. Entretanto, o prazer e o que é agradável são, entre todas as coisas, contra o que mais devemos nos precaver. Primeiro porque os erros têm uma relação muito próxima dos prazeres e depois porque quem experimenta o prazer tem dificuldade em julgá-lo com imparcialidade, pois se acha seduzido pela situação que lhe convém. E nem sempre o que lhe convém é certo. [“tudo que é percebido pelos sentidos é difícil de definir; tais coisas dependem de circunstâncias particulares, e a decisão depende da percepção em quem nem sempre devemos confiar”].

Enfim, a virtude é uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consiste numa mediania, determinada por um princípio racional próprio do homem. É um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta. Em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, todavia às vezes devemos inclinar-nos no sentido do excesso e outras vezes no sentido da falta, pois assim chegaremos mais facilmente ao meio-termo e ao que é certo e excelente. 

Um forte abraço!

Neilton Lima.


Um comentário:

  1. Eu cuja única virtude é escrever, fiquei fascinado pelo texto. Queria poder ler Ética a Nicômaco.

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