Por Neilton Lima.
Professor, pedagogo e especialista em psicopedagogia.
Os atos determinam a natureza das disposições morais, então,
como devemos praticá-los? Essa investigação não visa tão somente ao
conhecimento teórico (o que é a virtude?), mas nos estimular a uma vida virtuosa. Um tratamento sobre a conduta não deve ser encarado
de maneira precisa, mas em linhas gerais.
O presente texto pretende
acompanhar o raciocínio do filósofo Aristóteles,
a partir do Livro II de sua obra “Ética a
Nicômaco”.
É um trabalho de síntese conclusiva.
É um trabalho de síntese conclusiva.
As
virtudes ou disposições louváveis de espírito não são geradas por natureza nem
contrariamente a ela. O que a natureza faz é dá a capacidade de recebê-las, e
tal capacidade se aperfeiçoa com a prática ou exercício, por isso e para isso
existem os mestres. Essas virtudes se dividem em intelectuais e morais. As
virtudes intelectuais devem sua
geração e crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e tempo, como a
disposição de espírito para a sabedoria
filosófica e prática e a compreensão; já as virtudes morais são construídas pelo hábito, como o caráter amável, calmo e temperante de uma pessoa.
“(...)
de todas as coisas que nos vêm por natureza, primeiro recebemos a potência e só
depois exteriorizamos a atividade. (...) Efetivamente, as coisas que temos de
aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo (...), tornamo-nos
justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente [se os homens
praticam atos justos e temperantes, é que já têm essas virtudes], e igualmente
com a coragem, etc. (...) pelos atos que praticamos em nossas relações com
outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; pelo que fazemos em situações
perigosas e pelo hábito de sentir medo ou de sentir confiança, tornamo-nos
corajosos ou covardes. O mesmo vale para os desejos e a ira (...)” (ARISTÓTELES,
pp. 40-41).
Logo,
desde a infância é preciso educar pelo exemplo. O modelo é importante ou será
decisivo para as disposições morais ou caráter, pois nascem de atividades
semelhantes a elas, ou seja, sua prática coerente. É por esta razão que se deve
atentar para a qualidade dos atos praticados, pois além da formação moral do
sujeito ator há a formação do sujeito espectador.
Para
que as ações virtuosas sejam originais é necessário que o agente dos atos se
encontre em certas condições ao praticá-los: em primeiro lugar deve ter conhecimento do que faz; em segundo
lugar, deve escolher os atos, e
escolhê-los em função dos próprios atos; e em terceiro lugar, sua ação deve
proceder de uma disposição moral
firme e imutável.
Está na
natureza das virtudes serem destruídas pela deficiência e pelo excesso. Logo,
devemos agir buscando o uso nas devidas proporções ou mediania para que as
virtudes sejam produzidas e preservadas e, junto com elas, os bons resultados.
“(...)
O homem que tem medo de tudo e de tudo foge, não enfrentando nada, torna-se um
covarde; e de outro lado, o homem que não teme absolutamente nada e enfrenta
todos os perigos, torna-se temerário [arriscado, aventureiro]. De modo análogo,
o homem que se entrega a todos os prazeres e não se abstém de nenhum torna-se
intemperante, ao passo que o homem que evita todos os prazeres, como fazem os
rústicos, torna-se de certo modo insensível” (ARISTÓTELES, pp. 42-43).
As
virtudes (excelência moral) são criadas e destruídas pelas ações. As pessoas
que praticam o bem se tornam pessoas bondosas; o mal, pessoas maldosas. Ou
controlamos nossos sentimentos ou eles nos controlarão. “É habituando-nos a
desprezar e enfrentar coisas temíveis que nos tornamos corajosos, e é quando
nos tornamos corajosos que somos mais capazes de fazer frente a elas”, de forma
espontânea. Pois o homem que sofre quando enfrenta coisas temíveis ainda é
covarde.
A dor e o sofrimento interferem nas virtudes. É por causa do prazer que
muitas más ações são praticadas, e por causa do sofrimento que deixamos de
praticar várias ações nobres. Talvez a educação, para ser correta, deveria
instruir desde a infância, de maneira a nos deleitarmos e de sofrermos com as
coisas certas (com certa lógica para o castigo). Pois tudo que é certo nem
sempre causa só prazer, mas também dor e sofrimento. É preciso está preparado
para suportá-los a fim de manter nossas ações corretas. Assim como é preciso
evitar o prazer para não alimentar certos males.
Nossas
ações são medidas pelo critério do prazer e do sofrimento. Desde a infância se
aprende o que é agradável e doloroso. Tanto a virtude como a arte se preocupam
sempre com o mais difícil, pois as coisas boas se tornam até melhores quando
difíceis. Assim, as virtudes giram em torno de prazeres e sofrimentos, de tal
modo que, o homem que os usa bem é bom, e o que os usa mal é mau.
Existem três objetos de escolha
e três de rejeição: o nobre, o vantajoso, o agradável; e seus contrários, o vil,
o prejudicial e o doloroso. Em razão dos prazeres e
sofrimentos os homens se tornam maus, buscando-os ou deles se desvencilhando. É
também em relação a todos eles que o homem bom tende a agir certo e o homem mau
a agir errado, sobretudo no que diz respeito ao prazer, sobre o qual é mais
difícil lutar do que contra o sofrimento. Isso porque tendemos mais
naturalmente para os prazeres, e por isso somos levados mais facilmente à
intemperança do que à moderação.
Na alma
se encontra três espécies de coisas: paixões,
faculdades e disposições. Se a virtude é uma atividade da alma, qual delas é a
virtude? As paixões significam os
apetites, a cólera, o medo, a audácia, a inveja, a alegria, a amizade, o ódio,
o desejo, a emulação, a compaixão e de um modo geral os sentimentos que são
acompanhados de prazer e sofrimento. As faculdades
significam aquelas coisas em razão das quais dizemos que somos capazes de
sentir as paixões, como a faculdade de nos encolerizarmos, magoar-nos ou
compadecer-nos. As disposições
significam as coisas em razão das quais nossa posição em relação às paixões é
boa ou má, como por exemplo, em relação à cólera, nossa posição é má se a
sentimos de modo violento ou de modo fraco, e boa se a sentimos moderadamente.
Isso vale para todas as outras paixões. Paixões
e faculdades são naturais, disposições para elas são escolhas.
As
virtudes são disposições. Ou seja, nossa posição em relação às paixões ou o
modo pelo qual as tomamos. Esse modo precisa ser moderado para se tornar uma
virtude, pois outro modo que seja excessivo ou insuficiente será o seu oposto,
isto é, um vício ou deficiência moral. Logo, nos tornamos bons ou maus,
louvados ou censurados, por causa das nossas virtudes ou vícios e não por causa
das paixões, mas certa maneira ou medida de intensidade em que são
experimentadas e sentidas.
As
paixões são espontâneas e a elas somos movidos, mas a virtude e o vício são
certos modos de escolhas ou envolvem escolha. Logo, ser bom ou mau não é uma
faculdade natural, mas sim uma disposição que diz respeito à nossa
responsabilidade. “(...) temos as faculdades por natureza, mas não é por
natureza que nos tornamos bons ou maus (...) toda virtude não apenas põe em boa
condição a coisa a que dá excelência, como também faz com que a função dessa
coisa seja bem desempenhada” (ARISTÓTELES, p.47). De modo que poderíamos
concluir que o objetivo da educação é levar o sujeito ao ponto de equilíbrio
das suas paixões e faculdades. E nesse equilíbrio agir e pensar com excelência
de virtudes.
“(...)
Em tudo que é contínuo e divisível pode-se tirar uma parte maior, menor ou
igual (...) e o igual é um meio-termo entre o excesso e a falta (...). Desse
modo, um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando e
preferindo o meio-termo (...)”. Ora, com isso Aristóteles não quer condenar as
paixões e ações, mas chamar a atenção do homem ao seu bom uso, abrindo até
exceções para certas extrapolações desde que em momentos oportunos para se
alcançar o meio-termo:
“(...)
pode-se sentir tanto o medo, a confiança, o apetite, a cólera, a compaixão, e
de uma forma geral o prazer e o sofrimento, em excesso ou em grau insuficiente;
e em ambos os casos, isso é um mal. Mas senti-los no momento certo, em relação
aos objetos e às pessoas certas, e pelo motivo e da maneira certa, nisso
consistem o meio-termo e a excelência característicos da virtude” (ARISTÓTELES,
p. 48).
Porém,
algumas exceções são feitas. Segundo ele, nem toda ação ou paixão admite um
meio-termo, pois algumas entre elas têm nomes que já em si mesmos implicam
maldade independente da falta ou excesso, como, por exemplo, o despeito, o
despudor, a inveja, e, no âmbito das ações, o adultério, o roubo, o assassinato
e outras semelhantes que seja ações injustas, covardes ou libidinosas. Nelas
nunca será possível haver retidão, mas tão-somente o erro independentemente da
intensidade.
A
realidade é que não é nada fácil ser bom, pois em todas as coisas é difícil
encontrar o meio. Fácil mesmo é ceder e praticar os prazeres. Qualquer um pode
encolerizar-se, embriagar-se, dar ou gastar dinheiro, mas proceder na
justa-medida, ou seja, ter discernimento sobre: a) a pessoa que convém; b) na
medida certa; c) a ocasião oportuna; d) o motivo e a maneira que convém; isso
sim não é fácil nem é para qualquer um. Por isso, agir bem tanto é raro como
nobre e louvável.
Visto
que alcançar o meio-termo é extremamente difícil, devemos afastar-nos primeiro
do que lhe é mais contrário, contentar-nos com o menor dos males e atentar aos
erros para os quais nós somos mais facilmente arrastados. Após isso, devemos
nos forçar a ir à direção do extremo contrário, pois chegaremos ao estado
intermediário afastando-nos o mais possível do erro. E como podemos reconhecer
os erros da vida? A vida mostra nossos erros através da dor e do sofrimento que
experimentamos, assim como os acertos são sentidos por certa medida de prazer
comedido. Entretanto, o prazer e o que é agradável são, entre todas as coisas,
contra o que mais devemos nos precaver. Primeiro porque os erros têm uma
relação muito próxima dos prazeres e depois porque quem experimenta o prazer
tem dificuldade em julgá-lo com imparcialidade, pois se acha seduzido pela
situação que lhe convém. E nem sempre o que lhe convém é certo. [“tudo que é
percebido pelos sentidos é difícil de definir; tais coisas dependem de
circunstâncias particulares, e a decisão depende da percepção em quem nem
sempre devemos confiar”].
Enfim,
a virtude é uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e
paixões, e consiste numa mediania, determinada por um princípio racional
próprio do homem. É um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por
falta. Em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, todavia às vezes
devemos inclinar-nos no sentido do excesso e outras vezes no sentido da falta,
pois assim chegaremos mais facilmente ao meio-termo e ao que é certo e
excelente.
Um forte abraço!
Neilton Lima.
Eu cuja única virtude é escrever, fiquei fascinado pelo texto. Queria poder ler Ética a Nicômaco.
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