Quem sou eu

Minha foto
São Francisco do Conde, Bahia, Brazil
Professor, (psico)pedagogo, coordenador pedagógico escolar e Especialista em Educação.
Obrigado pela visita!
Deixe seus comentários, e volte sempre!

"Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (Art. 205 da Constituição de 1988).

Ø Se eu sou um especialista, então minha especialidade é saber como não ser um especialista ou em saber como acho que especialistas devem ser utilizados. :)



“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

sábado, 29 de junho de 2019

O relógio da aprendizagem.


Não existe apenas um, mas vários tempos. Existe o tempo natural, o tempo geológico, o tempo histórico, político e social; há o tempo de Deus, o tempo técnico-científico e informacional (que é um clique só). E existe o tempo de aprender, que é o tempo pedagógico. Se não há uma, mas várias temporalidades, logo, Albert Einstein está correto: o tempo é relativo. Para cada tipo de tempo, há um relógio. Existe o relógio biológico, a ampulheta (que é o relógio de areia), o relógio atômico, o relógio de Sol, o relógio de pulso, de bolso, digital. Existe o meu, o seu e o nosso relógio: “o relógio da aprendizagem”.

O “relógio da aprendizagem” tem um tempo pedagógico próprio. Seus ponteiros são subjetivos, e a passagem é marcada pela vivência marcante – só fica aquilo que realmente toca, o tic-tac sensível. Enquanto o tempo passa lá fora, o “relógio da aprendizagem” marca o tempo daqui de dentro (não é só o tempo que passa, nós que passamos – uma consciência do devir). Todo aprendizado é bom quando parece que o tempo passa rápido demais (aprende que nem se nota). Por isso que o “relógio da aprendizagem” é dinâmico, mas nunca automático. É dinâmico porque é bom, não porque é controlador. Por isso que, também, a demora na Educação não é um bom sinal. Esse tipo de demora é atraso mesmo, excesso de paciência, sinal de que está enrolando, enganando, não cumprindo com as promessas em hora marcada, fazendo esperar demais. Irresponsabilidade que causa impacto, gera angústia e inquietude nos professores, coordenadores e alunos. Em toda a comunidade escolar! Esse é o tempo político-cultural...

Segundo Roberto Sidnei Macedo:

“Partimos da premissa de que o tempo que, predominantemente, organiza a formação na escola é um *tempo de significado autoritário* e reduzido a uma certa reprodução cronológica. É um tempo que joga contra a singularidade, a itinerância-errância do aprender e a inventividade, por consequência. Não é um tempo que possibilita o processo de autonomização de quem aprende e se forma. É um tempo-controle que intensifica a burocratização do aprendizado e facilita a alienação no desejo do outro instituído, ou melhor, do Estado-controlador. Essa temporalidade dificulta a emergência dos tempos heterogêneos, vividos, negociados, portanto, do trabalho democrático e responsabilizado com os tempos humanos e institucionais. Nega-se de forma policialesca o direito ao tempo para o devaneio [...] Trivializa-se e rotinariza-se o tempo, fabrica-se o tédio da repetição e planta-se o beijo da morte no tempo que se necessita para nutrir/oxigenar a aprendizagem do exercício da construção de espíritos improgramáveis” (MACEDO, pp. 119-120).

O tempo tem que está a serviço do nosso aprendizado, e não o nosso aprendizado a serviço do tempo institucional. Nosso? Sim! Meu, seu, do aluno, do professor e do coordenador em formação. Sendo assim, não adiantaria “um modelo de rotina”, único e padronizado, para a educação infantil, mesmo que repleto de “boas” intenções e coisas que não deem tempo de garantir o tempo vivo, isto é, momentos fecundos de experiência, aprendizado e construção de conhecimentos. Ou seja, o professor e o aluno não se apressam para fazer tudo dentro de um tempo oficial, mas se acalma em fazer o suficiente que garanta o aprender. Mais do que bater todas as metas (a quantidade), é realizar com sentido e significado as poucas que derem tempo para viver (a qualidade). Logo, o relógio da aprendizagem soma e divide as quantidades, mas se compromete mais com a qualidade do ensinar.

Em outras palavras, os tempos subjetivos das pessoas (onde mora a historicidade de cada um) costumam estar inscritos de forma rígida no tempo das instituições (onde mora o poder como controle). Precisamos lutar para reverter isso, pois cada um tem o seu tempo de ensinar/aprender. O tempo institucional deveria estar sempre a serviço de um clima institucional que estimulasse a sincronização entre tempos cronológicos e tempos vivenciados, evitando automatismos, linearizações e a rigidez. “A dimensão temporal do processo de aprendizagem não se refere apenas ao tempo cronológico, mas a uma pluralidade de tempos que, literalmente, estão em jogo no cotidiano da vivência curricular” (Macedo citando Assmann, p. 120).

Por isso que Roberto Sidnei Macedo é de procedimento multirreferencial – ele sai “citando todo mundo” e tirando de cada um o que há de melhor. Um trabalho de garimpagem e lapidação preciosa. Compreendendo que o tempo sempre sofre esse empuxo imaginário, ele extrai uma crítica de Borba, 2004, ao relacionar tempo e obsessão na sala de aula e nas formações:

“[...] A primeira e principal coisa que faz um professor obsessivo é estabelecer a regra da intolerância temporal. O tempo para ele é parametrado, tudo se passa como no sistema de microensino de algumas décadas atrás em que se tinha cada momento de cada aula definido com antecedência, definido em minutos. O tempo controlado, medido, minutado, enquadrado resolve, é a chave da eficiência, ‘programática’, digo pedagógica, didática. É assim que para o obsessivo o maior pecado é deixar surgir alguma coisa não prevista” (Macedo citando Borba, p. 122).
Cronos Devorando um de seus Filhos, 1820-23, Francisco de Goya, Museu do Prado, Madri.

Mas, será por que o professor faz isso ou está habituado a isso? Culpa de Cronos? Sim! De Cronos como calendário mesmo! Oush, como assim? “Tomando o currículo instituído, este, predominantemente, é concebido de forma cronológica, levando em conta os dias do ano. Há uma quantidade de dias a ser cumprida e nesta quantidade enquadra-se uma quantidade de conteúdos. É o calendário que organiza temporalmente o currículo” (Macedo, p. 123). Assim, só uma formação consistente em ciclos poderia recuperar as características biológicas e culturais dos seres humanos, devoradas como filhos de Cronos-Calendário. As formações dignamente organizadas no calendário letivo devolveriam esses tempos/períodos tomados, tão variáveis e heterogêneos dos humanos (alunos, professores e coordenadores) aprenderem. Viveremos para ver Roberto Sidnei Macedo implantar esse ciclo de formações aqui?

Enfim, toda vez que escrevo me altero. E toda vez que você lê, você também muda. A finalidade de toda educação é justamente essa: a alteração e a mudança, sem tanta pressa de acontecer. Primeiro ela ocorre devagarzinho dentro de cada um de nós, ou seja, leva um certo tempo para isso. Depois ela quer transbordar. E esse “pra fora” também tem uma duração. A formação é isso: agir e pensar; ler e escrever sobre o que se vive, o porquê se vive e para quem se vive e, de algum modo, compartilhar tudo isso com o outro porque implica troca. Seja real ou virtual, algum tipo de encontro é indispensável. Está acontecendo, por exemplo, aqui e agora. Roberto Sidnei Macedo a chama de "com-versações curriculares", com três tipos de processos possíveis: 1) heteroformação: formação com o outro; 2) autoformação: reflexão sobre a experiência formativa; 3) metaformação: o próprio processo de formação proposto. 

A vida está agarrada ao tempo (é maravilhosa enquanto dura, um devir), assim como o tempo é o sentido da vida: efêmera. Viver é tempo de aprender com o outro sob múltiplas formas. Ambos passam nem rápidos nem vagarosamente demais, mas o suficiente para durar, pois, “educação por ciclos de formação é uma organização do tempo escolar de forma a se adequar às características biológicas e culturais do desenvolvimento de todos os alunos. Não significa, portanto, ‘dar mais tempo aos fracos’, mas, antes disso, é dar o tempo adequado a todos” (Macedo citando Lima, p. 123).  Ou ainda, não é um tempo cronológico instituído que deve nortear um currículo e uma formação, mas a cultura e a história biológica e cultural onde o desenvolvimento psicossocial do ser em aprendizagem se realiza (Macedo citando Wallon, p. 123-124).

E por falar nisso, que horas são agora? Ora, se o tempo é vida e depende do ponto de vista do observador, não acredito que alguém aprenda com fome. Assim, confesso que não há tempo melhor do mundo do que a hora de comer (livros e comida).

FOTOS: peça teatral “A Lenda do Gurugé”, apresentada na Creche Escola Rural do Gurugé (Voarte, 2018). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário