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São Francisco do Conde, Bahia, Brazil
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"Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (Art. 205 da Constituição de 1988).

Ø Se eu sou um especialista, então minha especialidade é saber como não ser um especialista ou em saber como acho que especialistas devem ser utilizados. :)



“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

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segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Marilena Chauí: Formação x Preparação.

 

Em um de seus escritos, ao relatar um pouco da sua experiência e trajetória, Marilena Chauí conta como estudou no colegial (hoje o Ensino Médio) e o que ele se transformou com a Ditadura Militar e os anos de chumbo do AI-5.

Tempos formativos de Colegial.

·       Contato com livros em casa, dos pais. Após os 4 anos de ginásio (no qual se aprendia latim, inglês, francês), o colegial (clássico e científico) durava 3 anos e preparava para a universidade. Colegial clássico, 03 anos: aprendia latim, grego, espanhol, inglês e francês. Filosofia como disciplina obrigatória. 05 aulas semanais ou todos os dias. Como era o ensino? Lia Caio Prado Júnior nas aulas de história do Brasil; César, Cícero e Virgílio nas aulas de latim; trechos de Homero, Sófocles e Platão nas aulas de grego. Racine, Corneille e Molière nas aulas de francês; Shakespeare e Milton nas aulas de inglês. Cervantes e Machado nas de espanhol. Todos os poetas e novelistas românticos, simbolistas e modernistas nas de literatura portuguesa e brasileira. Tinha curso de lógica, e as primeiras aulas foram sobre Parmênides, Zenão, Heráclito e Górgias.

·       Professores, todos exigentes quanto à qualidade do ensino e ao desempenho dos estudantes, e boa infraestrutura de trabalho, particularmente a biblioteca. Havia ciclos de debates e palestras sobre assuntos variados da cultura contemporânea com os professores da casa e com convidados especiais. No início de cada semestre, os professores se reuniam por afinidade de suas matérias e propunham trabalhar juntos determinados assuntos; era óbvio para muitos que suas matérias e temas se entrecruzavam e que valia a pena um trabalho conjunto.

·       Seu professor (Villalobos) era pessoa muito culta, irônica e cortante, que não fazia qualquer concessão à nossa ignorância; ele era ao mesmo tempo, a iniciação ao pensamento e o desafio de tomar conhecimento de um universo até então desconhecido e sem fim.

·       Descobriu que era possível o pensamento pensar sobre o pensamento, a linguagem falar sobre a linguagem, e que havia uma grande distância entre perceber e conhecer.

·       Na escola pública, havia uma atmosfera de camaradagem e cooperação tanto entre os alunos como entre os professores.

·       Os alunos eram tratados como capazes de entender as aulas, pesquisar na Biblioteca Municipal, escrever razoavelmente.

·       As aulas eram preparadas com o material pesquisado na Biblioteca Municipal. Os livros eram poucos para os alunos na versão português, então se consultava livros em inglês, francês e espanhol (pois estudava essas línguas no colegial).

·       Não tinha livros com ilustrações, pouco texto ou quase nenhuma formação. Não tinha provas na forma de testes de múltipla escolha. Um professor se sentiria ofendido se recebesse um livro denominado “livro ou exemplar do professor”, ensinando-o a dar aulas, fazer provas e corrigir trabalhos.

CONCLUSÃO: Reparem aqui que, antes, no ensino fundamental, primeiro e segundo graus, havia uma formação muito esmerada. A escola pública era esmerada cultural e pedagogicamente. 


Tempos preparatórios de Ditadura.

·       No tempo da ditadura, tudo mudou! A princípio, as perseguições haviam se limitado às universidades e, nestas, a professores individualmente por suas ligações ao Partido Comunista.

·       Na ditadura, as reformas do ensino médio deram ênfase nos conhecimentos técnico-científicos e desinteresse pelas humanidades. Puramente instrumental. Não mais como período formador. Era etapa preparatória para a Universidade. E esta como garantia de ascensão social para uma classe média que, desprovida de poder econômico e político, dava sustentação ideológica à ditadura e precisava ser recompensada. Provas, testes de múltipla escolha, surgimento da indústria do vestibular. Tem início o ensino de massa.

·       As disciplinas de humanidades foram submetidas à ideia de educação moral e cívica. Saiu filosofia e entrou estudos sociais. Cortaram as línguas (latim, grego, francês e espanhol) e entrou a disciplina comunicação e expressão.

·       Logo a classe média seria empurrada para a indústria do vestibular, da competição desvairada e do sucesso a qualquer preço.

·       O ginásio e o colegial (clássico e científico), com humanidades e direito (tinha alunos cultos, cultivados e interessados), foram corroídos pelas sucessivas reformas da educação iniciadas com a ditadura. Excluíram o ensino de filosofia do ciclo colegial, alegando ser uma disciplina que instigava à subversão. Naquela época começava com introdução à lógica e à psicanálise. Filosofia das ciências. História da filosofia para suscitar dúvidas, perguntas e debates.

·       Não havia vestibular unificado (e muito menos feito por uma empresa) nem o teste de múltipla escolha. Os exames eram dissertativos e orais, com a entrega de dissertações semestrais e seminários semanais. As aulas duravam 2 horas, cada disciplina com 4 horas semanais. Eram cursadas 02 disciplinas por ano, pois os cursos exigiam grande quantidade de leituras, preparação de seminários e dissertações semestrais. A vida universitária era imersa na vida da cidade e não isolada num campus e separada em institutos e faculdades.

·       Como eu descrevia a Faculdade? Laica, livre-pensadora, progressista, racista, machista, mesquinha e fecunda, ciosa de sua autonomia e liberdade, internamente conflituosa, distribuidora de privilégios contestáveis e, no entanto, malgrado injustiças, também capaz de reconhecimento pelas obras que fazia nascer.

ENFIM, a ditadura não foi só um Projeto de repressão. Ela reforçou o capitalismo e o neoliberalismo na sociedade brasileira e nas mentes das pessoas, sobretudo da classe média via educação (escolarização e massificação). Substituiu a formação pela preparação. O pensamento pelo pragmatismo. O ser pelo ter. 

“A maioria dos estudantes e dos jovens professores de hoje não têm como avaliar o que foi viver sob o AI-5, isto é, sob o terror como prática do Estado no Brasil. Foram anos de medo. Você saia para a universidade, mas não sabia se iria voltar para casa ou ser presa e morta. Você nunca sabia se iria encontrar os colegas e os estudantes com quem estivera na véspera ou se alguns teriam desaparecido (presos, torturados, mortos ou exilados). A universidade era dirigida, aparentemente, por professores, mas, de fato era dirigida por militares. Na sala dos professores, dos conselhos e das congregações havia escuta eletrônica; nas aulas havia policiais disfarçados de estudantes. [...]” (p. 53). 

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