“Nós somos livres quando o que nós pensamos, o que nós fazemos, o que nós dizemos, as nossas atitudes, nossos comportamentos têm como causa necessária nós mesmos. Quando nós somos a causa interna necessária das nossas ações, do nosso comportamento, das nossas ideias, nós somos livres. Não ser livre é ser determinado a pensar, sentir, agir pela força exercida por causas externas. Ser livre é ser determinado pela força interna do nosso próprio ser” (Baruch Spinoza).
Na nossa cultura ocidental, tradicionalmente uma cultura cristã, a ideia de liberdade é inseparável da ideia de livre arbítrio da vontade, estabelecendo uma oposição entre liberdade e necessidade. Espinosa faz a crítica dessa concepção.
Espinosa critica essa ideia de que é a nossa vontade que é livre, e sabemos que é livre pela liberdade de escolher entre alternativas contrárias que são igualmente possíveis. Então, o fato de você ser dotado de uma vontade capaz de escolher sem ser constrangido por nada ou por ninguém indica que nós somos livres por vontade. Ou seja, há uma identificação entre liberdade, escolha e vontade. Ele considera que isso é uma imagem, ilusória, da liberdade.
Essa maneira ocidental de pensar, colocou em polos opostos a liberdade e a necessidade. De um lado, é por liberdade o que é por vontade e o que é por escolha. Do outro lado, é por necessidade o que é determinado por uma causa sem escolha. Então, você teria ou liberdade ou necessidade.
Como Espinosa desconstrói isso?
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Em primeiro lugar, nós não temos uma vontade livre, nossa
vontade é determinada pelas condições nas quais vivemos e, portanto, nós não
escolhemos;
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A nossa vontade pura e simplesmente quer aquilo que as condições
determinam que ela queira;
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Para Espinosa, a necessidade não elimina a liberdade, mas a
reforça;
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Logo, liberdade é a ausência de constrangimento externo para
realizar alguma coisa;
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Tudo depende, portanto, não da ausência de causas para a ação,
mas do tipo de causa que determina a ação: se a causa é externa, você não é
livre; se a causa é interna, você é livre;
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Você não é livre quando o que você pensa, o que você faz, o que
você quer, etc. é determinado pelos outros. Ou seja, quando determinado por
causas externas, você não é livre;
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A ética de Espinosa é uma ética que não lida com aquela noção
central do judaísmo/cristianismo que é a noção de culpa. E que não é uma culpa
qualquer, mas uma originária que define a natureza decaída e pervertida do ser
humano, aquela culpa que é consequência do fato de o primeiro homem, Adão, ter
desobedecido a lei de Deus, transmitindo essa culpa para todos os outros
homens. E é uma culpa tão monumental, que nenhum homem pode salvar o gênero
humano, só o próprio Deus. Na ética de Espinosa não há essa noção de culpa!
· Enfim, repare como o pensamento de Espinosa dialoga bastante com a noção de democracia. Espinosa vai dizer que a democracia é o mais natural dos regimes políticos, porque nós, como expressões da potência de agir da substância, da potência de Deus, somos dotados de uma potência natural ou de um direito natural que nos faz desejar governar e não ser governados. Esse desejo, que constitui o núcleo de nossos direitos, só pode realizar-se plenamente na democracia, na qual todos governam (por meio das leis) e ninguém é governado por um outro, pois o governante é o representante dos governados.
Essa concepção de liberdade espinosana só é possível porque Espinosa considera que nós somos expressão finita de uma potência infinita, que ele chama de substância, que ele chama de Deus. É uma força imanente da qual somos efeitos internos de tal maneira que nossa potência de existir e de agir exprime, de maneira finita, uma potência infinita. E essa força não tem uma consciência. Ela tem propriedades. Características fundamentais para eliminar a noção de culpa cristã.
A “força”, a “substância”, Deus é uma força pensante (não é a consciência), Ele é uma força material (não é matéria). Nós sim, os corpos materiais, é que somos as expressões finitas da materialidade infinita. Eu não sou Deus, mas posso ser sua expressão. As nossas almas são expressões finitas do pensamento infinito. E como Deus é essa força produtora e imanente, não existe um deus pessoal, transcendente, que nos dá leis, que nos pune, etc.
Enfim, você é livre quando a necessidade que se exprime no que você é é você mesmo! Liberdade não é escolher e deliberar, mas agir ou fazer alguma coisa em conformidade com a natureza do agente que, no caso, é o todo. É o poder do todo para AGIR em conformidade consigo mesmo, sendo necessariamente o que é e fazendo necessariamente o que faz.
É como se fechasse um círculo.
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