“Veja o presidente americano Donald Trump, o mais controverso líder da atualidade. Ele é um caso exemplar de como a combinação de genética e ambiente produz um humano capaz de ações pouco empáticas. O pai era um vigarista imobiliário e a mãe, um freezer no campo do carinho e do cuidado. Ele passou toda a vida sem saber se pessoas ao seu redor o amavam ou se só estavam ali por dinheiro. Não dá para esperar algo muito diferente do que estamos assistindo”.
Porém, o DNA diz respeito a potenciais, não a inevitabilidades. Não existe algo como um “gene do mal” que predestine alguém a cometer genocídios, por exemplo.
Já foi descoberta, por exemplo, uma variante genética relacionada à serotonina, o chamado hormônio da felicidade, que supostamente prevê níveis de agressividade. Curioso é que ela só é ativada em um único cenário – aquele em que o indivíduo foi criado em um contexto abusivo. Genética e ambiente caminham sempre juntos, delineando quem somos e como agimos.
A partir do momento em que entendemos as escolhas de cada um como uma expressão de sua natureza, há mais empatia e menos julgamento. O ódio é uma face sombria da espécie e deveria ser expurgado. Quem sabe a compreensão de que os indivíduos são diversos por definição, desde o princípio da vida, não contribui para um ambiente de maior tolerância, algo de que tanto necessitamos nos dias de hoje?
Temos que aprender a tirar o melhor proveito das circunstâncias.
As escolhas que fazemos no dia a dia são determinadas por fatores genéticos e ambientais. De tal modo que, o livre-arbítrio realmente existe?
Quais são as engrenagens por trás da tomada de decisões? A escolha dos indivíduos está quase que inteiramente dada por fatores genéticos e ambientais.
Existem momentos históricos em que a irracionalidade, uma marca humana, se pronuncia em graus especialmente elevados. É o que estamos observando agora. Em tempos de maior complexidade e turbulências, como o que estamos vivendo, é mais difícil para os indivíduos tomar decisões. Isso tem a ver com a presença de guerras, com as incertezas acirradas e com as rachaduras de sociedades polarizadas. Um ambiente inflamado pelo ódio, circunscrito a uma lógica do “nós contra eles”, gera medo e desencadeia um ciclo vicioso que atrapalha a tomada de decisões – uma ebulição que tem o cérebro como cenário.
A irracionalidade pode ser explicada pela neurociência. As pessoas ficam mais estressadas em eras tomadas por agitação, o que, do ponto de vista individual, libera hormônios que ativam estruturas no cérebro relacionadas às emoções, perturbando a função reflexiva do córtex frontal, que nos faz pensar antes de agir. Daí a propensão a comportamentos mais impulsivos, com tendência, inclusive, à radicalização e ao extremismo.
Durante décadas, à luz da ciência, constatei que as pessoas alimentam a ilusão do poder de escolha, quando, na verdade, o livre-arbítrio é um mito. Isso quer dizer que os indivíduos estão quase 100% programados a optar por esse ou aquele caminho nos vários escaninhos da vida. As decisões das pessoas são definidas por uma soma da genética com o ambiente que as cerca e as experiências que têm – estas, também, modeladoras do DNA. Logo, o processo humano de tomada de decisões pautado na objetividade, na imparcialidade e na racionalidade fica bastante comprometido. Ou seja, tudo está praticamente escrito em nós, uma ideia que colide com várias correntes de pensamento, como aquela que diz que “estamos condenados a ser livres”. Nossa suposta liberdade é bastante determinada.
Em outros termos, temos pouco controle sobre nossas escolhas. Embora uma porção importante do cérebro ajuda a pensarmos antes de tomar uma decisão, mas ela só se desenvolve por completo na idade adulta. Assim, os adolescentes são, em geral, mais impulsivos. Só que mesmo essa área ligada à razão é afetada por um conjunto de eventos tatuado no cérebro, o que torna a maior parte das escolhas que fazemos quase inescapável.
Esquecer é uma ferramenta de sobrevivência. Os humanos possuem uma série de mecanismos que os permitem negar a realidade, a fim de viver melhor. Todo mundo sabe que a morte é inexorável, por exemplo, mas seria doloroso demais passar 24 horas às voltas com essa ideia. O que fazer? Esquecer! Ligar o automático. A crença da espécie humana de que tem elevado comando sobre os rumos de sua existência – e de suas decisões – é uma ferramenta evolutiva.
Até que ponto a razão influencia o comportamento das pessoas? Ora, a ideia de racionalidade da espécie é outro mito. Os indivíduos têm a impressão de que é a mente que os move para certa direção, mas as emoções têm peso equivalente. Na arena da política, por exemplo, sobre eleições, comprova, a partir da neurociência, que o voto não se define pelas ideias de um candidato. Decisivo mesmo são os sentimentos que provoca e quanto eles têm eco nos medos e ansiedades de cada um.
Decisões de cunho político são também predeterminadas, estão mais sujeitas às circunstâncias. Elas entram no rol das outras, sob a mesma lógica. Veja o presidente americano Donald Trump, o mais controverso líder da atualidade. Ele é um caso exemplar de como a combinação de genética e ambiente produz um humano capaz de ações pouco empáticas. O pai era um vigarista imobiliário e a mãe, um freezer no campo do carinho e do cuidado. Ele passou toda a vida sem saber se pessoas ao seu redor o amavam ou se só estavam ali por dinheiro. Não dá para esperar algo muito diferente do que estamos assistindo.
Essa visão determinista aflige e atormenta bastante. Entender cientificamente as raízes dos equívocos humanos não significa que eles não causem repulsa. Porém, não dá para afirmar que o mal é predeterminado pela biologia (o que justificaria casos extremos, como o de Adolf Hitler, que exterminou milhões de pessoas na II Guerra). Não existe algo como um “gene do mal” que o predestinasse a cometer genocídios. Há o peso do ambiente em que Hitler estava imerso, que teve papel crucial em sua sombria trajetória, o que inclui uma infância complicada, o trauma da I Guerra, a crise econômica, a ascensão do nacionalismo – tudo isso alterou seu funcionamento, exacerbando o que pode ser lido como uma propensão à maldade.
Não há exatamente como saber, sob o ângulo da biologia, como o ambiente impacta as escolhas que fazemos. Já foi descoberta, por exemplo, uma variante genética relacionada à serotonina, o chamado hormônio da felicidade, que supostamente prevê níveis de agressividade. Curioso é que ela só é ativada em um único cenário – aquele em que o indivíduo foi criado em um contexto abusivo. Genética e ambiente caminham sempre juntos, delineando quem somos e como agimos.
Somos máquinas biológicas, sim! Essa ideia de que as pessoas são tão programadas faz o humano se assemelhar demais a uma máquina, porém, a diferença para a inteligência artificial é que humanos se revelam mais multifacetados, tendo a consciência de quais são nossos botões e onde estão. É um sistema sofisticado, mas não chega a dar para se gabar, não. Afinal, as mesmas enzimas cinases que acendem receptores quando aprendemos algo estão presentes nos cérebros de lesmas-marinhas.
Porém, não existem 100% de determinação em naturezas humanas, que são complexas e multifacetadas. Até sistemas caóticos são determinísticos, pois seguem regras fixas, mas mesmo eles exibem uma sensível dependência das condições iniciais. E é exatamente nesse ponto que uma minúscula variação pode ter vasto impacto com o passar do tempo, conduzindo a resultados imprevisíveis, drasticamente diferentes do esperado. Vejam os gêmeos univitelinos, por exemplo, nunca se tornarão pessoas idênticas nem parecidas no modo de ser, agir e decidir. É por isso que, embora haja a impressão de que praticamente tudo está escrito, ainda é muito difícil prever o amanhã.
Nesse caso dos gêmeos, desde o nível celular mais primitivo, notam-se distinções entre eles que só se aprofundam ao longo do tempo. Cada um terá sua trajetória e sofrerá influências de suas próprias experiências – algo que os marcará de modo decisivo. A questão é que nada disso é visível, daí ser impossível traçar cenários com precisão matemática. O que dá para depreender são tendências.
Compreender a tomada de decisões do ser humano nesse nível traz, sim, alguns benefícios. A partir do momento em que entendemos as escolhas de cada um como uma expressão de sua natureza, há mais empatia e menos julgamento. O ódio é uma face sombria da espécie e deveria ser expurgado. Quem sabe a compreensão de que os indivíduos são diversos por definição, desde o princípio da vida, não contribui para um ambiente de maior tolerância, algo de que tanto necessitamos nos dias de hoje.
Como lidar com criminosos dentro dessa lógica determinista, segundo a qual eles estariam “programados” para infringir a lei? Claro que precisa haver punição, mas o modelo em vigor em países como os Estados Unidos, deveria ser repensado à luz desses estudos. Não é para atenuar a transgressão praticada pelo bandido, mas entender que ele só vai evoluir quando exposto a um ambiente de convívio com os outros, capaz de estimular mudanças construtivas. Na Noruega, por exemplo, as prisões são guiadas pelo foco na reabilitação, à base de muita atividade e educação. É verdade que o investimento nessa direção é alto, mas há registros de queda nas taxas de homicídio e na reincidência de crimes variados. Tudo indica que vale a pena.
O determinismo também se aplica ao amor. Existe toda uma estrutura regida pela biologia que faz com que um indivíduo se apaixone pelo outro. A escolha por um parceiro também tem a ver com genética – até o cheiro de cada um influencia no acasalamento – e com o ambiente. Viver em um contexto parecido funciona como potente fator de aproximação.
Mesmo com tudo isso, não acredito em destino. O determinismo científico é diferente de predeterminismo protestante do século XVII. Este é fatalista e diz respeito à ideia de previsão do que vai acontecer, portanto ao destino. Mesmo com as limitações humanas, nós, cientistas, não achamos que o futuro seja imutável. Temos que aprender a tirar o melhor proveito das circunstâncias.
Enfim, precisamos buscar algum espaço
para aprimorar e arbitrar de forma mais sábia. As pessoas podem amadurecer,
recorrer à psicanálise de Freud e evoluir em áreas diversas. O cérebro é
maleável e se transforma em resposta às experiências. Agora, há limites aí. A
psicanálise fornece novas perspectivas que fazem sacudir padrões de pensamento
e comportamento. Mas a maneira como circunstâncias alheias à nossa vontade nos
marcam, do ponto de vista biológico, seguirá determinante para as decisões que
tomamos. Mesmo assim, podemos mudar o suficiente para que a vida seja mais bem
vivida.
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