“A
missão da Arte é fazer com que as pessoas apreciem estar vivas pelo menos um
pouco”
(Kurt Vonnegut).
Devemos condenar o trabalho de um artista porque ele não é uma pessoa moralmente exemplar?
Uma resposta menos autoritária e mais sensata é NÃO! Não é a vida do artista que está (ou não deveria estar) em foco, mas sua arte. Arte que tem passagem tanto para nos acalmar com beleza ou incomodar com emoções e ideias.
Só falsos moralistas e adeptos a movimentos de “caça às bruxas”, hoje atualizados para o termo ‘cancelamento’, que muito esconde os preconceitos coletivos dissimulados, condenam o artista pela peça ou o autor pela obra. Com a polarização da sociedade e o aumento das forças conservadoras, a tendência tem sido censurar, condenar e voltar as armas da Justiça contra o criador. Aliás, não é o que fazem com Deus por ter criado criaturas imperfeitas que não se enxergam como tal?
Logo, a condenação é muito mais um linchamento coletivo do que um veredicto individual racional. Grupos organizados por paixões apressadas que pregam o boicote a artistas e ainda atacam a parte do público que não segue a diretriz. Já vimos muito isso na história, como os movimentos higienistas. Assim, quando a questão da separação entre artista e obra escapa do âmbito da decisão individual e é manipulada para fins ideológicos, o que se tem é a paranoia autoritária. Sobretudo quando essa obra é politicamente crítica.
Está inscrito na história da humanidade: a obra artística transcende seu ator. E qualquer forma de censura e perseguição só serve aos porões medievais do fanatismo. O que vem de lá é que insiste em misturar a vida privada com a pública, o pessoal com o profissional. Difícil! Por que razão a vida e a obra têm que se misturar? Há um elemento dogmático ou religiosa nessa questão? Imagine só se as empresas passassem a exigir, além do currículo profissional, um “antecedente de vida exemplar”, atestado por pelo menos duas testemunhas, também moralmente impecáveis? Quem serão essas testemunhas imaculadas e de vidas perfeitas? Pastores? Padres?
Ultimamente cresceu uma mania nefasta de encontrar algum jeito de esculhambar os “movimentos identitários”. O exagero do tema sobre o mérito da reflexão vem construindo uma nova inquisição. E o problema deixa de ser o objeto analisado e passa a virar um julgamento parcial. Afinal, é isso que é o cancelamento – a sobreposição do interesse político de um grupo. É por isso que precisamos desconfiar de quem é intolerante à divergência. E a Lei está aí para respaldar.
A caminhar nessa direção, a humanidade
estará condenando sua própria evolução e possibilidade de crescimento e
civilidade. Um colapso da vida e do pensamento. Quando a criação é colocada em
cheque por causa do criador, e vice-versa, é a morte da inteligência e do
direito humano que está em cheque.
Fiquemos de pé! Obras que tratam de
questões existenciais, como o amor e a morte, ou que tenham tempero político,
como crítica e participação, não devem ser censuradas só porque nos ajudam a
enfrentar essas aflições milenares de humanidade. Seu autores, com humor e
beleza, devem ser aplaudidos de pé.
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