O narcisismo é um traço de personalidade que envolve a autoestima. Todos nós, em algum grau, somos narcisistas. Ele tem seu lado bom – nos ajuda a enfrentar desafios, confiar em nossas habilidades e buscar reconhecimento por nossas conquistas. Assim, a personalidade narcisista, por si só, não causa transtornos para a vida do indivíduo. Logo, não há cura para o que não é doença.
A denominação é proveniente de Narciso, personagem da mitologia. Ele era um caçador belo e carismático que tinha a reputação de partir corações por rejeitar o amor dos outros. Reza a lenda greco-romana que, como punição, a deusa Nêmesis lançou um feitiço sobre Narciso: se apaixonar pela primeira pessoa que visse. Num dia quente, exausto após a caçada, ele decide descansar à beira de um lago. É quando, ao beber um pouco de água, se vê refletido na superfície e cai de amores por si mesmo. Apaixonado pelo próprio reflexo, termina morrendo afogado. Enfim, o amor por si mesmo acaba por matá-lo. Embora precisemos de um pouco de amor-próprio, o amor não basta a si. Ele foi feito para o outro e sobrevive dessa relação ou entrega recíproca. Mas, em uma medida equilibrada.
O narcisismo só se torna problemático quando é extremo e inflexível. Ou, ainda, quando traz prejuízos e provoca danos na vida afetiva, familiar, social, acadêmica ou profissional do narcisista. Quando isso acontece, o que era somente traço de personalidade vira transtorno psiquiátrico. Assim, o Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) é o tipo clínico ou psiquiátrico do narcisismo. “É uma condição de saúde mental caracterizada por dificuldades persistente tanto na regulação da autoestima quanto no relacionamento com os outros” (DSM, 1982).
Assim, a pergunta é: como reconhecer um narcisista e quando isso se torna transtorno? Essa condição é rara e pode causar sofrimento tanto ao paciente quanto às pessoas ao seu redor. Narcisistas existem muitos. Pessoas com TPN (Transtorno de Personalidade Narcisista), nem tanto (mas há tratamento e é difícil). Não passa de 1% da população mundial. No Brasil, algo em torno de 2,1 milhões de pessoas. Há lugar para todos no espectro do narcisismo, de namorados tóxicos a líderes megalomaníacos, inclusive mães.
Seu surgimento é uma combinação de fatores genéticos, biológicos e ambientais. Tais como: experiências traumáticas na infância, relações de apego na infância, estilo de criação e educação e necessidades de autoestima elevada. Um misto. Um exemplo: se a criança percebe que só é valorizada quando conquista algo e não pode demonstrar fraqueza, começa a acreditar que ter sucesso na vida é tudo o que importa.
Há três tipos de narcisistas:
1) o grandioso: ambicioso,
extrovertido e carismático. Tem autoestima elevada, quer ser o centro das
atenções e não demonstra empatia. Também é manipulador, direto e arrogante. É o
tipo que você mais verá na vida: vai trabalhar para ele, sair com ele e se
divertir com ele.
2) o vulnerável: é
mais sutil, inseguro, introvertido e deprimido. Diz que tem baixa autoestima,
mas prensa que merece tratamento especial. É carente, dissimulado e tímido.
Serão mais difíceis de aparecer. São narcisistas enrustidos. Enquanto
grandiosos são ofensivos, vulneráveis são defensivos.
3) um misto dos dois: é, por um lado, ambicioso e extrovertido e, por outro, defensivo e introvertido. Vive uma zona intermediária, sendo ao mesmo tempo grandioso (vai falar o que sua vítima quiser ouvir até ele próprio conseguir o que quer, depois, sobre o tom) e vulnerável (vai se fazer de vítima e dizer que a culpa não é dele, num arroubo de coitadismo).
Essa situação não tem cura, mas há tratamento. Vejamos mais. No geral...
·
Sintomas do
transtorno:
- mania de
grandeza;
- necessidade de
atenção;
- falta de
empatia;
- experimenta
flutuações significativas na autoestima: ora são extremamente superiores,
ora são profundamente inseguras. Isso pode levar a comportamentos
aparentemente arrogantes e insensíveis, mas que, na verdade, são tentativas de
lidar com dor emocional e medo de rejeição.
- a
personalidade narcisista é caracterizada por uma admiração excessiva por si
mesmo;
- Preocupam-se
apenas com os seus interesses e as suas necessidades;
- No ambiente de
trabalho, tem dificuldade para trabalhar em equipe, obedecer ordens ou receber
críticas;
- Acham que suas
ideias e opiniões são melhores que as dos outros;
- É mais comum
em homens do que em mulheres – e em jovens do que em adultos;
- É
multifatorial, ou seja, não há uma única causa;
- Dificilmente
um narcisista procura atendimento. Quando o convívio é prejudicial à saúde
mental ou provoca impacto negativo na qualidade de vida, o contato zero
torna-se uma opção;
- É um
transtorno de difícil identificação;
- Atribuem a si
mesmos uma importância além do normal;
- Não basta
supervalorizar a si mesmo, é preciso desvalorizar os outros;
- Tem mania de grandeza, não demonstram empatia, são o centro das atenções, não assumem seus erros e valorizam a aparência.
Como diagnosticar e tratar TPN? A nível de relacionamento amoroso, o relacionamento com um narcisista é como um passeio na montanha-russa: é empolgante e divertido em alguns momentos, e terrível e assustador em outros. E se o passeio durar tempo demais você acaba passando mal. No começo é um “bombardeio de amor” – jogam charme, dão presentes, elogios. Fazem o que podem e o que não podem para conquistar suas vítimas. Mas, passado algum tempo, o romantismo exacerbado cede espaço ao abuso emocional.
Para tratar, as terapias mais indicadas são: terapia cognitivo comportamental, terapia comportamental dialética, terapia do esquema, psicoterapia focada na transferência e terapia baseada na mentalização. Elas ajudam os pacientes a entender seus pensamentos e comportamentos narcisistas e a modificá-los. Porém, o difícil é convencer o narcisista que ele precisa de tratamento. Em geral, ele pensa que a culpa é dos outros. Ou seja, tratamento há, mas é difícil. Afinal, outra característica que já é parte do narcisista é não demonstrar remorso ou arrependimento. Na cabeça dele, não há por que ou do que se tratar. E tão comum quanto resistir ao tratamento é abandoná-lo antes do previsto.
Enfim, não há remédio para o TPN. Apenas em casos de comorbidade, é prescrito medicamento. É importante tratar do assunto com empatia e compreensão. Só assim vamos reduzir o estigma e encorajar aqueles que sofrem a procurar tratamento.
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