“A nova cepa da direita”: bandeiras, símbolos, valores...
A continuidade da nossa Democracia depende da superação desse movimento de extrema direita que polariza e alimenta ódios no país. Para além das eleições municipais, esse movimento em curso certamente terá repercussão importante na disputa à Presidência em 2026.
Embora inelegível, Bolsonaro tenta reverter sua situação. Ele insiste em ser líder incontestável da direita no país, mas o tamanho político dele no futuro e o peso das maiores forças só ficarão mais claros após o saldo eleitoral deste ano. É o eleitor que está esperando se entregar para alguém!
Entender como o conservadorismo vai se comportar no pleito de 2024 vai dar pistas para a direita daqui a dois anos. Então...
Raio X:
·
Ameaça
se desgarrar da liderança de JB, com dúvidas no horizonte sobre sua capacidade
de comando absoluto da turma à direita – o ex-capitão tem se deparado com
desempenhos pífios de seus escolhidos em pesquisas de intenção de voto em
cidades importantes onde o mito decidiu lançar ou apoiar candidatos às
prefeituras;
·
Em
caso de confirmação de sua inelegibilidade, os nomes cotados/ventilados para “herdar”
o espólio político de Bolsonaro (ocupar essa faixa política) são: Ronaldo
Caiado (Governador do Goiás, União Brasil); Tarcísio de Freitas (Governador de
SP); Ratinho Jr. (Governador do Paraná, PSD); Romeu Zema (Novo, Governador de
MG). Se o escolhido for um dos membros dessa nova cepa de direita, em vez de
propostas novas, há um risco claro de termos de forma amplificada as velhas
queixas contra o “sistema”.
·
Assim,
eles têm o bônus do bolsonarismo, sem o ônus do Bolsonaro. A visão é estreita,
existe para oprimir adversários e trabalhar de forma perpétua para a manutenção
do status quo.
·
O
bolo do eleitorado da direita no país é composto por: evangélicos, liberais e
militares;
·
Abraça
cada vez mais o discurso antissistema
(antipolítica) e agora ainda mais: é
um niilista convicto;
·
Ou
seja, os ingredientes dos discursos, das ações e dos símbolos são: elementos do
protestantismo clássico, teologia da prosperidade, excentricidade e narcisismo,
·
São
radicais livres;
·
O
discurso rebelde e antissistema ressoa de forma mais efetiva entre os jovens
porque: têm menos a perder e aderem com mais facilidade a extremismos e
propostas irresponsáveis, além de um aspecto fundamental: a familiaridade com o
ambiente tecnológico. O letramento digital dessa juventude reforça a lógica de rede em que se criam
comunidades com um propósito – cada usuário se vê engajado no objetivo de
espalhar uma mensagem com um potencial ilusório de “hackear” o sistema. Ainda, esse eleitorado é mais identificado
entre os que ganham mais de 05 salários mínimos e na classe C, que se vê
pressionada pela dificuldade de atingir metas materiais, como ter a casa
própria. Por fim, esse público também é majoritariamente masculino, composto
por homens que sentem ter perdido o poder de decisão num mundo no qual o
patriarcado é cada vez mais questionado e relativizado.
·
Entoa
os velhos gritos de guerra dos mais conservadores: discurso antipetista, mas
acrescentou pautas da atualidade: desejo de empreender e de obter uma rápida
ascensão social;
·
Um
dos modelos mais admirados são os influenciadores digitais, a turma que muitas
vezes consegue fortuna com um celular na mão;
·
A
ojeriza ao establishment (ordem ideológica,
econômica, política, cultural e legal que constitui o Estado/Sociedade) ganhou
contornos ainda mais raivosos em meio ao movimento. A origem esteve nas
manifestações de 2013: as sementes da revolta contra o “sistema”.
·
O
maior exemplo de sucesso de um candidato/personagem
ator outsider na política era justamente Bolsonaro (indivíduo que não
pertence a um grupo determinado). Ator porque ele se vende como indeterminado
(antissistema/antipolítica), mas na verdade é mais partidário do que ninguém.
Trata-se de uma tática política sobre a psicologia. Na psicologia, o termo
outsider pode ser usado para descrever alguém que se sente excluído ou
marginalizado em um determinado grupo social. Essas pessoas muitas vezes
enfrentam desafios emocionais e psicológicos por não se encaixarem nos padrões
estabelecidos.
·
Porém,
o candidato/personagem outsider da direita mostra seu partido (ator) depois da
vitória numa eleição, pois não consegue manter essa imagem de forasteiro quando
candidato, uma vez que, empossados, precisam investir em composições. Por
exemplo: o que Bolsonaro fez no Palácio do Planalto e segue fazendo nas atuais
eleições, como mostra a aliança em SP com Ricardo Nunes, um político muito mais
próximo do Centrão do que do bolsonarismo raiz. Enfim, é por isso que dentro
dessa engrenagem, o voto do outsider demanda uma novidade a cada pleito.
·
Facada
e tiro. Lembra da suposta facada sofrida em Juiz de Fora (MG) pelo inelegível?
Ou o suposto tiro na orelha de Trump? Pois é, o palhaço macabro (It) veste bem
essa extrema direita, pois reforça ao eleitorado a figura de alguém que
incomoda tanto o establishment a ponto de ser vítima de uma tentativa de
assassinato (embora, pouco importa a verdade dos fatos, claro).
·
Reforça
de forma estridente o combate às pautas progressistas;
·
Incorpora
entre suas bandeiras temas como o empreendedorismo;
·
Aposta
em Marçal (PRTB-SP), atual representante mais barulhento dessa onda: ele faz
motociata como Bolsonaro, mas agora está em pé de guerra com a família. Fez
fama como coach, usa o tom de discurso motivacional, prometendo progresso e
riqueza aos seus eleitores. Ele mostra uma vida de luxo, mas não se porta como
uma pessoa da elite.
·
Usa
a força das redes sociais como meio de propagação de discursos, passando pela
estratégia de campanha, até a forma de “fisgar o eleitor” com um tom agressivo
e direto.
·
Veste
a roupa da esquerda para vender o conteúdo da direita (enquanto a esquerda se
descaracterizou imitando a direita em muitos aspectos, reforçando-a).
·
O
clássico e tradicional corpo a corpo com os eleitores virou peça secundária na
campanha. Até porque, certas caminhadas por uma Avenida Paulista não têm durado
metade de um quarteirão e aglutinado uma cinco ou seis dezenas de pessoas na
rua. Já um vídeo feito para as redes sociais chegar ter 1,6 milhão de
visualizações em menos de 24 horas. A forte presença na internet chega nem ser
abalada por uma decisão da Justiça que às vezes derruba canais, seja por
suspeita de abuso de poder econômico ou fake news, mas logo em seguida são
abertos outros perfis que amealham de forma rápida milhões de seguidores.
·
O
público disposto a apoiar esse tipo de político não cresceu no país ao longo da
história, mas de uns tempos para cá deixou de votar por exclusão, passando a
votar por convicção.
·
Durante
muito tempo, grande parte desse público fechou com o PSDB, sendo que o partido
jamais se assumiu coo uma sigla de direita. Com o surgimento de forças mais
radicais na política, dispostas a empunhar de forma explícita bandeiras
conservadoras, o mesmo grupo de eleitores saiu do armário.
·
Bolsonaro
é um projeto criado pela direita para representar e identificar esse sentimento
abafado por parte da população conservadora, muitas vezes por falta de
capacidade de vocalizar. Esse resgate veio com ele. Depois de rasgar a fantasia
e passar por um momento de autoafirmação em 2018, esses eleitores ganharam uma
motivação extra na batalha contra propostas típicas do progressismo: a
descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal, a legalização do
aborto, a liberdade da população LGBTQIA+. Ao mesmo tempo que essas questões
importantes entraram no debate público, houve efeito colateral na forma de uma forte
e agressiva reação conservadora a elas. Há poucos anos, essas discussões sequer
existiam, porque havia consensos generalizados que foram quebrados.
·
Qual
será o grau de vitórias nas eleições de 2024 dos candidatos emergentes da
direita do país?
·
Para
essa turma nenhum partido presta, o Congresso não presta, o Supremo também não,
numa toada de teses incompatíveis com a democracia. Querer falar que vai
governar sem isso é uma bobagem, não existe governar sozinho. A menos que você implante uma ditadura.
·
É
histórica a investida do conservadorismo nas urnas ou eleições. Até chegar na atual
edição do bolsonarismo, estreou e perdeu na eleição de 1945, com o brigadeiro
Eduardo Gomes na UDN (União Democrática Nacional), defendendo a moralidade e o
liberalismo clássico (e se opondo ao populismo de Getúlio Vargas). Porém,
deixou um saldo/legado: 35% dos votos. Em 1960, chegou ao poder apoiando Jânio
Quadros. No pós-ditadura, a direita (representada pelo PFL, herdeiro do Arena e
antecessor do DEM) se dividiu entre Paulo Maluf, Aurelino Chaves e Ronaldo
Caiado para depois se unir em torno de Fernando Collor para derrotar Lula. Motivada
pelo antipetismo, a direita caminharia com o PSDB nas eleições presidenciais
seguintes. Em 2018, despontou na figura de um candidato antissistema (PSL
nanico), o Jair Bolsonaro, apoiado em temas como família, Deus, pátria e
liberdade. Arrastou o eleitorado de direita e triunfou sobre Fernando Haddad (PT).
Em 2022, candidato à reeleição após uma gestão tumultuado, marcada pela
pandemia, pela tensão política e pelas crises institucionais, Bolsonaro
arrancou na reta final da campanha, foi ao segundo turno e acabou derrotado por
Lula, por apenas 1,8 ponto percentual. Atualmente, em quase metade do seu
terceiro mandato, Lula.3 tenta unir e reconstruir o país sob uma forte pressão
do Mercado, da mídia e dessas forças conservadoras.
· O conservadorismo brasileiro atual tem como pensadores Roberto Campos e Mario Henrique Simonsen, e representantes mais destacados, com um debate de melhor nível: revista Veja, edições Globo, Brasil Paralelo e a galera dos cultos do Antigo Testamento. Ou seja, o PSDB disfarçados de bolsonarismo, por hora fracassado, mas concentrando suas forças num novo senhor dos anéis.
Enfim, a Democracia tem a capacidade de transformar tiroteios reais em debates entre adversários. Para fortalecê-la, precisamos evitar um debate eleitoral empobrecido pelos discursos dos outsiders, vazios de promessas e cheios de perigosos ataques à política.
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