“Há uma tendência mundial de reduzir a dependência do dólar. A compra de ouro pelos bancos centrais no mundo cresceu 14% no ano passado. Pronto, está lançada a corrido do ouro e seus impactos diversos”.
O Brasil tem cerca de 12% das reservas de ouro do mundo (mas essa porcentagem pode ser apenas a ponta citada de um grande iceberg). Depende da qualidade e quantidade de estudos e pesquisas (e da divulgação deles). Há hoje 4.597 autorizações de pesquisa de ouro no país.
O país vive um novo ciclo do ouro, atraindo empresas estrangeiras (britânica, canadense, que vão investir entre 2024-2027, uns R$ 7,6 bilhões (US$ 1,4 bilhão) em dez empreendimentos em 09 estados (MG, Bahia, Pará, Goiás, MA, MT, RN, TO e AP). O valor é 75% maior que o aplicado nos últimos 10 anos.
Os Estados são os responsáveis pelo licenciamento de minas de ouro no Brasil, altamente pressionados pelas empresas e o que se chama de “segurança jurídica”, isto é, a manipulação do Legislativo a favor do Mercado Financeiro. Com as novas regras adotadas supostamente para coibir o outro ilegal no país (afugentando os mineradores pobres), houve um favorecimento e atração de grandes mineradoras, que usam novas tecnologias na exploração e produção. Ou seja, foi-se buscar, principalmente no exterior, investimentos no setor.
O ouro está altamente valorizado. A onça troy = medida que equivale a 31,1 gramas de ouro. Bateu de US$ 2,3 mil pela primeira vez e deve chegar a US$ 2, mil no fim do ano. Quanto mais alto o preço do ouro, mais viável se torna a prospecção de depósitos com menor teor, que antes não eram considerados viáveis.
Aqui na Bahia, por exemplo, uma nova área de produção de outro é ofertada à iniciativa privada pela CBPM (Companhia Baiana de Pesquisa Mineral) nos município de Brumado e Aracatu. A canadense Pan American Silver, dona de um complexo de 7 minas de outro subterrâneas na cidade baiana de jacobina, está investindo entre USS 20 milhões e US$ 30 milhões para aumentar a produção que foi de 195 mil onças de outro em 2022. Uma nova fase pode alcançar 350 mil onças anuais em 2027. Nossa Bahia também abriga as minas Fazenda Brasileiro e Santa Luz, nos municípios de Barrocas e Santaluz, ambas da Equinox Gold, autodeclarada maior produtora de ouro das Américas, que também atua em Minas e no maranhão. Nosso estado está entre os três maiores produtores do Brasil, atrás de Minas Gerais e Pará.
Mas, quem terá pensamento crítico para denunciar essa questão e conscientizar a sociedade baiana? Estão todos distraídos com as guerras culturais e seus assuntos pautados em costumes, quando não tomados pelo carnaval e outros festejos. Não que divertir seja ruim, mas quando ofusca a mente do povo se torna um verdadeiro pão e circo.
A mineração gosta de se instalar em regiões pobres, fixando uma população que vive do plantio de subsistência. Os salários das mineradoras ofuscam a renda local, causando desequilíbrios sociais nas comunidades, gerando violência, alta de preços no comércio e refinada especulação imobiliária. Isso sem falar dos impactos ambientais, basta pesquisar os danos causados nos últimos anos por mineradoras e suas barragens de rejeitos no Brasil.
Enquanto isso, o ouro é considerado um porto seguro por países e investidores. Agora, mais do que nunca! Desde o fim de 2022, a China vem comprando ouro num ritmo nunca visto para engordar suas reservas internacionais e ter uma alternativa ao dólar dos EUA. As tensões entre os dois países somadas às guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, mudanças climáticas e o temor de novas pandemias contribuem para a maior demanda global de países, bancos e investidores pelo metal precioso, sinônimo de reserva e segurança há séculos.
Sempre que há conflitos geopolíticos e guerras pelo mundo, e o risco aumenta, o ouro desponta como porto seguro. É também uma forma de bancos centrais acumularem reservas internacionais. Portanto, temos um ciclo de novos projetos de mineração de ouro que é global.
Assim, o ouro teve valorização de 54% em 03 anos. Essa alta internacional do metal aquece a mineração e trás mais desafios – manter o controle sobre a extração, em meio ao garimpo ilegal e a danos ambientais, pressionando as autoridades.
Uma balela o mapeamento e as licitações de áreas de áreas de mineração, com míseros royalties de 2% a 6% perto do lucro que produzem e dos estragos que geram. A título de exemplo, só houve legalidade de 34% do ouro produzido no país entre 2019 e 2020 (governo Bolsonaro), com prejuízos socioambientais de R$ 31,4 bilhões provocado pelo garimpo ilegal no período, bem mais que os R$ 640 milhões arrecadados em impostos com o tal ouro legal. Isso sem falar que nem há estimativa sobre o metal que escapou e escapa da Amazônia pelas fronteiras terrestres com Venezuela, Guiana e Bolívia, em rotas do crime organizado.
Veja só, a maior mina a céu aberto do país é a Morro do Ouro, em Paracatu. Explorada pela canadense Kinross, a empresa vai investir neste ano mais US$ 145 milhões (R$ 792 milhões) para ampliar sua produção. A iludida prefeitura da cidade de 100 mil habitantes estima que serão gerados 1,8 mil empregos diretos e mais 4 mil indiretos. Atraída momentaneamente pela arrecadação municipal de R$ 170 milhões em 2023 (só com a mineração), não percebe que esse negócio tem data de validade: as empresas vão embora quando a mina estiver exaurida. Quem está na liderança política da cidade também vai, geralmente leva o dinheiro arrecadado também. As empresas levam os lucros grandes; a má política local os lucros arrecadados. O que sobra para a população local?
A movimentação do comércio irregular de ouro em 2021 chegou a R$ 2,5 bilhões. Era um prato feito para a fraude. O Brasil tem hoje 811 concessões de lavra e lavra garimpeira de ouro. No ano passado (2023, governo Lula), foram reformuladas regras de comércio e transporte de ouro, tornando obrigatória a emissão de nota fiscal eletrônica nas operações de compra e venda. Isso provocou um choque no comércio de ouro, levando a uma queda de 29% nas exportações – menos de R$ 1,4 bilhão em relação a 2022 –, num sinal de freio na legalização de ouro irregular. Antes, valia a manifestação da boa-fé do comprador, que podia se fiar na declaração de procedência do vendedor, para legalizar o metal junto ao Banco Central e chegar a joalherias e instituições financeiras em barras. Consequências? Muitas fraudes.
Enfim, é preciso acontecer uma mudança
comportamental profunda do setor e da sociedade em relação à mineração. Com
rastreabilidade, é possível saber a origem do ouro. As cadeias de produção
precisam ser melhor auditadas, melhorar o fluxo de controle e atentar para a
posição jurídica sobre o assunto. Ainda há o gigantesco desafio de implementar
práticas sustentáveis que não agridam o meio ambiente. Deve haver articulação
entre os órgãos fiscalizadores de diferentes instâncias sobre o licenciamento
ambiental das permissões de lavra. Por fim, deve haver regras claras e
rigorosas de como o ouro deve ser garimpado. A extração nas lavras a céu aberto
deixa extensas e profundas cavas no solo. A movimentação de terra e rochas
descaracteriza o ecossistema e colocam vidas animal, humana e vegetal em
potencial risco. Um preço que só os mais vulneráveis e lesados pagam.
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