Privatizar benefícios e socializar custos ou Socializar benefícios e privatizar custos?
O agronegócio é responsável por aproximadamente 65% das emissões de GEE no Brasil,
contra 23% da geração de Energia!
Há dois projetos de lei em tramitação no Congresso que ampliam ou instituem subsídios tributários ao setor de energia. Se aprovados, eles vão onerar a tarifa de luz dos brasileiros em R$ 28,9 bilhões por ano, pelos próximos 20 anos. E os riscos vão além. Há o temor de que os investimentos em segurança e adaptação do sistema interligado não acompanhem o aumento da oferta de energia renovável.
As propostas são destinadas a estimular a geração de energia por matrizes renováveis, como a eólica e a solar. Uma delas, porém, mantém a operação de térmicas a carvão. Vejamos os dois projetos:
O impacto do PL das eólicas offshore (PL 11.247) é de 11% nas tarifas (o texto prevê um conjunto de contratações compulsórias de fontes, como térmicas e gás e pequenas centrais hidrelétricas – PCHs, além da manutenção da operação de usinas a carvão e a construção de plantas de hidrogênio e usinas eólicas na Região Sul). Por exemplo, dar incentivos para estimular a geração de uma usina no mar é 3 vezes mais cara que aquela em terra. Enfim, este Projeto tramita na Comissão de Infraestrutura do Senado, sob relatoria de Weverton Rocha (PDT-MA), com palavra final dos senadores.
Já o PL 624 provoca aumento de 2,01% na conta. Ambos os PLs levarão a uma alta estrutural nas tarifas, cujo impacto na conta de energia vai perdurar até 2050. Este projeto prevê o incentivo da microgeração distribuída, com placas solares, para a população de menor poder aquisitivo, além de criar o Programa Renda Básica Energética (Rebe), em substituição à Tarifa Social. Na microgeração distribuída a população de baixa renda não pagaria pela energia durante o dia. Já o consumo à noite seria pago. Enfim, este Projeto tramita na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e já tem parecer favorável do relator, o senador Sérgio Petecão (PSD-AC). Caso seja alterado no Senado, voltará para apreciação dos deputados (na Câmara).
Enfim, todos querem estar conectados ao
sistema a um custo menor, mas isso onera o sistema. Com mais opções renováveis
crescendo, há necessidade de investimento em infraestrutura.
A transição energética tem que ser mais ampla, para além do setor
elétrico, de novos combustíveis e da captura de carbono. A transição energética
é uma mudança de paradigma que abarca não apenas a oferta de energia, mas
pressupõe alterar o sistema produtivo e de consumo. Os recursos são limitados e
deveriam ser alocados para o bem coletivo e não apenas para uma parcela.
A transição energética é parte da questão ambiental que hoje se
apresenta como uma problemática. A alta emissão de GEE não é apenas resultado
da preponderância do uso de combustíveis fósseis na nossa atual matriz
energética, mas sim da forma predominante de organizar a vida. Portanto, não
será uma resposta pontual que resolverá um problema complexo. A transição
energética é uma condição necessária para seguir em frente, mas a lógica
capitalista e seus padrões de produção e consumo impedem o progresso.
Matriz Energética Brasileira – consumo.
·
Transporte
e indústria representaram 64,8% do consumo de energia do país em 2023. É o que
mostra o Balanço Energético Nacional (BEN 2024);
·
O setor de transportes apresentou a maior participação dentre
os setores e se tornou, novamente, o líder no país em termos de consumo de
energia, com 33% do total. O maior desafio é descarbonizar esses dois setores
de difícil descarbonização (com políticas públicas na área de eficiência
energética, produção de biocombustíveis entre outras ações, aumentando ainda
mais a renovabilidade da nossas matrizes). Os grandes destaques foram no
consumo de biodiesel (+19,2%), de gasolina (+6,9%) e de etanol (+6,3%). O óleo diesel ainda é o mais utilizado na
geração de energia no setor de transportes, representando 43,4%, seguida da
gasolina (27,8%), etanol (17,3%) e biodiesel (5,2%).
·
O setor industrial vem em segundo lugar. A maior variação no consumo de
energia ficou com o segmento de Alimentos e Bebidas, que aumentou 19,7%.
Enquanto o segmento químico, diminuiu o consumo em 7,8%. Ainda na indústria,
além de apresentar 2,9% de crescimento do consumo de energia em relação a 2022,
houve um registro de 64,7% de renovabilidade na matriz energética. A maior
participação das fontes energéticas na indústria é o bagaço da cana com 22,4%.
O crescimento no uso desta fonte foi de 26,1%, provocado pelo aumento da
produção de açúcar associado ao setor de alimentos e bebidas. Entre as outras
fontes que foram mais utilizadas pelo setor, segundo o documento, foram
eletricidade, óleo diesel, GLP.
·
No
levantamento de consumo de energia dos outros setores da economia brasileira, o
agropecuário foi o que teve maior aumento entre 2022-2023, foi de 7,3%, segundo
o BEN 2024, seguido de serviços (6,4%), setor energético (6,1%), transportes
(4,4%), residências (4,1%), e indústrias e PIB (2,9%). A única redução foi no
setor de uso não energético, que diminuiu 1%.
·
É
fundamental alterar o modelo de produção agrícola baseado na monocultura de commodities
e pecuária extensiva voltada à exportação. A escolha por ser uma economia
agroexportadora nos coloca em uma posição de dependência na divisão social do
trabalho, além de ser nosso maior problema quando falamos em emissão de GEE.
Também é preciso repensar a mobilidade como um todo. Dado que somos um país
urbano, torna-se cada vez mais evidente o papel crucial das cidades nesse
processo, seja pela questão do transporte ou pela habitação, já que as ondas de
calor, cada vez mais frequentes, elevam a demanda por energia elétrica. Além
disso, prospectando o futuro, em uma
economia digitalizada, como iremos suprir uma demanda de energia cada vez maior
se pretendemos ter nosso Data Centers como prospectada na Nova Indústria
Brasil, sabendo que essas infraestruturas demandam uma grande capacidade de
refrigeração?
·
A
legislação sobre tarifa social deve ser aperfeiçoada para ampliar a abrangência
e a ajuda a cada família de baixa renda. Além de prover eletricidade para
populações carentes sem acesso a ela, é também dar as condições ou autonomia
para que consigam pagar a conta de luz. Só faz sentido aumentar a oferta de
energia se barateá-la para os consumidores, e só depois conceder benefícios e
subsídios (que já somam R$ 17 bilhões) a setores comprometidos com o social –
priorizar planejamento para melhorar a eficiência. Um olhar sistêmico sobre o
setor elétrico, que considere as necessidades de inclusão social e equidade
econômica (sem onerar o consumidor pobre ou empurrar muitos clientes para o “gato”).
Afinal, o volume de energia furtada no Brasil não pode continuar superando toda
a geração de Belo Monte.
· O Brasil tem cumprido papel de destaque no setor de energia limpa, o que é reconhecido internacionalmente. Em 2023, 93% da eletricidade gerada em solo nacional vieram de fontes renováveis, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), contra uma média global abaixo de 30%.
· O Brasil também desponta entre os principais produtores mundiais de biocombustíveis, sendo o segundo maior produtor de etanol e o quarto em biodiesel. Os biocombustíveis produzidos no país representam uma alternativa sustentável à dependência energética de combustíveis de origem fóssil, com significativo potencial de crescimento da demanda em razão das metas de redução de emissão estabelecidas por outros países, abrindo mercado para produtos brasileiros. Além de sua utilização no setor automotivo, os biocombustíveis correspondem a alternativa de baixa emissão nos setores de aviação (SAF) e de transporte marítimo (biobunker).
· Além dos biocombustíveis, a expansão do mercado mundial de hidrogênio de baixo carbono ‒ decorrente de sua utilização para cumprimento das metas climáticas ‒ amplia a possibilidade de o Brasil vir a exportar seu excedente de energia renovável para países que têm déficit de energia de baixo carbono, em especial países europeus.
· A agenda de transição energética também representa oportunidades de desenvolvimento econômico para o Brasil na área de produção mineral. O Brasil está entre os países que detêm as maiores reservas minerais no mundo, com capacidade para atender à crescente demanda gerada pela transição energética, tendo em vista que as tecnologias de energia limpa são bem mais intensivas na utilização de minerais.
·
“Matriz energética” ≠ “Matriz elétrica”. Enquanto a matriz energética engloba todas as fontes de energia usadas para
diversos fins, como transporte, preparação de alimentos e geração de
eletricidade, a matriz elétrica se
refere especificamente às fontes utilizadas para
produzir energia elétrica. Ou seja, a matriz elétrica faz parte da
matriz energética.
·
A Transição Energética para além do debate combustíveis fósseis e
fontes renováveis: há
crescente intensidade dos eventos climáticos extremos e a necessidade de um
debate franco sobre a transição energética. Em um mundo sob mudanças climáticas, a transição
energética se torna cada vez mais urgente. Já é sabido que os atuais níveis de
emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) são uma ameaça para continuação da
existência humana. Além disso, as condições climáticas adversas estão agravando
problemas globais, como fome, desenvolvimento reduzido e ameaça à paz.
·
A atual
matriz energética baseada na queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e
o carvão, é a principal causadora das altas emissões de GEE em nível global e
que tem levado a catástrofes climáticas cada vez mais cotidianas, como as ondas
de calor ou as enchentes que assistimos. Além disso, as fontes dessa matriz não
são renováveis, ou seja, mais cedo ou mais tarde esses recursos irão acabar.
Mas há distinções significativas entre as causas das emissões de GEE no mundo e
no Brasil.
·
Mundialmente,
cerca de ¾ das emissões vem do sistema elétrico (Gráfico 1), enquanto no
Brasil, graças às hidrelétricas, o sistema elétrico é majoritariamente de
fontes mais sustentáveis (62%). No caso brasileiro, o agronegócio é o maior
responsável pelas emissões de GEE, devido ao desmatamento para o avanço da
fronteira agrícola e do modelo agropecuário baseado na monocultura de
commodities e na criação extensiva de gado.
·
O relatório Plano para a Transformação Ecológicado,
do Ministério da Fazenda, aponta que este setor (agronegócio) representa 29% das emissões de GEE no país.
O problema se agrava ainda mais quando analisamos o nível de emissão de GEE relacionado ao
desmatamento, na casa dos 38%. Ao considerarmos que a agropecuária responde por cerca de
96% da área desmatada no Brasil, segundo o Relatório Anual do Desmatamento 2022, podemos afirmar que o agronegócio é responsável por
aproximadamente 65% das emissões de GEE no Brasil, contra 23% da geração de
Energia (Gráfico 1). Em suma, não
podemos replicar planos de transição como a da Europa, já que nossa causa é
distinta.
·
A
produção de animais, especialmente ruminantes, contribui de forma significativa
para as emissões de GEE, já que o sistema digestivo dos ruminantes produz e libera metano e
outros. O manejo dos dejetos animais também gera metano e óxido nitroso durante a decomposição. Outras
fontes de emissão indiretas incluem a volatilização de amônia e óxidos de nitrogênio, bem como perdas de nitrogênio por
lixiviação e escoamento no manejo de esterco e solos. O metano é o segundo gás mais relevante para o
aquecimento global, após o dióxido de carbono. Devemos considerar as
emissões geradas pela atividade pecuária não associando-as aos animais
individualmente, mas sim entendendo o sistema como um conjunto. No Brasil, 93% do rebanho
nacional é manejado em pastagens, segundo dados da Anualpec de 2022, a
chamada criação extensiva, levando o setor agropecuário brasileiro a ser responsável por 76,1% das emissões
de metano. Além da pecuária, o setor agrícola também contribui para as emissões de GEE, representando
cerca de 8% das emissões totais no Brasil, segundo dados do Sistema de
Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (SEEG) de 2020. Isso se deve
principalmente à aplicação
de agrotóxicos nitrogenados, decomposição de resíduos agrícolas e dejetos
animais, cultivo de arroz e aplicação de calcário.
·
O
Brasil aspira liderar a transição energética e a partir disso se reposicionar
geopoliticamente. É fato que o país tem um grande potencial para conduzir esse
processo: além de 48% das
fontes de energia serem renováveis – participação três vezes maior que a média
mundial de 15% -, há ainda um grande potencial de recursos hídrico,
solar, eólico e de biocombustíveis disponíveis. Cabe ressaltar que a produção
de energia em grande escala a partir de recursos renováveis não quer dizer que
tenham impacto zero, basta lembrar das comunidades que são deslocadas para
formação de barragens.
·
A fim
de atingir justiça social, sustentabilidade ambiental e ganhos de produtividade
como geração de emprego.
·
Até
agora todas as iniciativas privilegiam a óptica de mercado com um grande número
de incentivos financeiros: emissão de títulos, disponibilidade de linhas de
créditos e criação de fundos. E a história do capitalismo mostra que o mercado
busca o lucro de forma contínua e acelerada, muitas vezes até que ocorra um
colapso que paralise o sistema.
·
A
transição energética nada mais é do
que a alteração da principal fonte de energia de uma sociedade por outra, no
nosso caso por uma fonte renovável e mais sustentável. Como isso será feito?
· Vale destacar que a necessidade energética é ontológica do ser humano e que a matriz energética já passou por algumas transições ao longo da história. O domínio/geração e consumo de energia tem relação com a complexificação da produção e reprodução social.
·
O
mundo teve em Junho o 13º mês consecutivo de recorde de calor no mundo
(temperatura média de 16,66º). EUA enfrenta
(costa Oeste) temperaturas extremas com termômetros superando 43º (36 milhões
em alerta). Faz 15 meses que a temperatura dos oceanos também vem batendo
recorde, o que favorece a formação de furacões. Aqui no Brasil cresce o consumo
de energia (ar condicionado, ventilador, abre e fecha de geladeira).
·
O
Brasil vem marcando uma alta no consumo de eletricidade. Nos 5 primeiros meses
desse ano, o consumo foi maior do que no mesmo período de 2023. Essa alta do
consumo reflete a atividade econômica do país, a alta do calor (inverno com 29º
em SP)...
BOAS FONTES DE CONSULTA:
https://www.epe.gov.br/pt/abcdenergia/matriz-energetica-e-eletrica
Pobreza energética.
A complexidade da “pobreza energética” não se limita apenas aos 745 milhões de pessoas que ainda vivem sem eletricidade. Vai além – inclui a falta de serviços essenciais, como aquecimento, refrigeração, iluminação e condições para cozinhar.
A pobreza energética é um problema multifacetado, vinculado a questões como infraestrutura deficiente, baixa renda e altos custos de energia. Tem reflexos em saúde, educação, qualidade de vida e na perpetuação de desigualdades estruturais. Enfrentá-la exige políticas eficazes, para melhorar a infraestrutura, assegurar a eficiência das fontes disponíveis e a acessibilidade econômica. Também requer agências reguladoras fortes, que atuem com independência e autonomia.
Algumas medidas para mitigar essa situação:
1.
Subsídios tarifários, usados para aliviar o custo da energia para
consumidores de baixa renda e incentivar o desenvolvimento;
2.
A conta da economia de baixo carbono não pode recair sobre os mais
pobres. Logo, é preciso taxar e tarifar quem consome e produz mais;
3.
É essencial que as políticas públicas integrem eficiência
energética, justiça social e desenvolvimento sustentável, garantindo subsídios
aos mais pobres e uma gestão energética eficiente, rumo a um futuro justo e
sustentável.
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