“1964 foi tramado nas nossas elites econômica, intelectual e militar, com amparo republicano de forças conservadoras e financeiras do imperialismo norte-americano. Contou com apoio significativo das classes médias urbanas e dos principais veículos de comunicação. O regime que dele resultou foi uma peruca transplantada por malvados estrangeiros e consentido por falsos patriotas com as cores do Brasil. Infelizmente, o bolsonarismo tem raízes sociais e históricas”.
Lula não quer perder tempo alimentando crises existenciais. Seu foco é governar – combater a fome, criar empregos e cuidar do povo e do meio ambiente. Está correto!
Não houve nem haverá um pedido estatal de desculpas pelas violações de direitos humanos da ditadura militar. “Não posso ficar remoendo o passado sempre” (Lula).
O governo não participou de atos de memória sobre os 60 anos do golpe de 1964. A motivação: não melindrar o que já está melindrado e escancarado – os quartéis. Aliás, não há um consenso nacional mínimo sobre essa parte sombria de nosso passado recente. Nosso próprio sistema de Justiça não produziu conclusões incontestáveis sobre isso, com os crimes e os nomes dos torturadores e assassinos inscritos em documentos judiciais. Bem que Dilma tentou, mas foi justamente isso o estopim do seu Impeachment.
O problema é que ficamos com o fantasma da impunidade nos rondando, navegando por águas turvas. As Forças Armadas continuam a batizar o golpe de Estado como revolução. Nas escolas militares, justifica-se o regime ditatorial. Nos dias 31 de março, ordens do dia quase celebram a ruptura da ordem democrática. Uma facção minoritária de generais e coronéis embarcou na trama golpista de Bolsonaro. Os quartéis, melindrados.
Tanto do lado da direita quanto na esquerda, houve engajamento na luta armada e muitas traições. Que reparação houve? A simbólica, apenas? Oposições aventureiras e inconsequentes tombam pessoas, algumas viram heróis da resistência e outras simplesmente tombam. E não se pode adentrar a fundo nesse ponto, pois pode parecer tendencioso. Censura? Evita-se a revisão crítica das estratégias das ações violentas “exemplares”. Será por que poucos se atrevem à defesa explícita em público das estratégias da luta armada? Convicção e subjetividade bastam? Ou o valor das liberdades políticas e do sistema democrático circunscreve-se à retórica oportunista para consumo interno?
Mas, em vez de ficar brigando e se gladiando internamente, é certo lembrar que a Casa Branca e a CIA ofereceram amparo ao golpe. Um golpe norte-americanizado e imperialista dos EUA com as cores do Brasil. Aliás, os republicanos conservadores estavam de conluio com Moro, a Lava-Jato e Bolsonaro. Dilma espionada. Portanto, existem interesses mais amplos do Capitalismo financeiro global por trás desses dilemas domésticos.
O problema é que revirar o passado pode avivá-lo. A memória nacional não é boa, e lembranças ruins causam mágoas, desgostos, desafetos e mais desentendimentos numa nação já altamente polarizada. Não que devamos negar a história, omitir ou fugir dela. Político e estrategicamente, cabe questionar se é o momento mais oportuno de levar o Brasil outra vez ao divã, como fez Bolsonaro. Consensos nacionais básicos já foram feitos sobre isso: as urnas aprovaram Lula.3, o país não quer armas, mas comida, trabalho e educação. Não desejamos escavar memoriais e viver olhando para o passado, desejamos construir coisas boas e olhar para o futuro. Não se trata de vício de conciliação por cima ou ofuscamento da história, mas de não alimentar estéreis guerras de narrativas que nos fazem perder a oportunidade de viver e ser feliz.
Logo, o mais sensato mesmo é investir em processos eleitorais não viciados nem viciosos, melhorar a educação e aprender a votar bem. Necessário para que não precisemos de dilemas como a luta armada, pois ações com gatilhos sob o pretexto da uma vanguarda em armas como faísca da revolta das massas podem acabar em emboscadas, como assaltos a bancos, sequestros de diplomatas e entrega de companheiros de luta. Na direita, genocídios; na esquerda, ensaios de guerrilha na selva como pretextos para o endurecimento da repressão estatal.
Enfim, o que fazer com as memórias? Ora, usá-las como aprendizado para governar o presente,
conter o passado ruim e melhorar o futuro.
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