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Ø Se eu sou um especialista, então minha especialidade é saber como não ser um especialista ou em saber como acho que especialistas devem ser utilizados. :)



“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

domingo, 31 de março de 2024

Desvios da racionalidade.

 Foda-se! Primeiro eu ganho, depois eu penso?

Somos naturalmente conservadores porque tendemos a ganhar de forma imediata, sem muita disposição para medir as consequências. É por isso que nossa política é tão apressada, corrupta e desastrosa. 

A nossa racionalidade é preciosa e frágil, facilmente desviada pelas emoções, percepções, pressões do meio, tentações e instintos. Não nascemos racionais, tornamo-nos. E nem sempre morremos lúcidos. Logo, a racionalidade não prescinde de contextos e pressupostos, mas é forjada e levada por eles. Assim, é irracional imaginar uma racionalidade operando bem com recursos muito limitados ou em seu exagero absoluto, assim como avaliar sendo igualmente importante uma perda e um ganho, porque a perda tem uma probabilidade maior de ser definitiva. Enfim, precisamos saber mais sobre a nossa irracionalidade para nos equilibrarmos melhor na corda bamba do ser racional.

Tem gente que acredita que alguns milhares de anos de produção filosófica e, em especial, alguns séculos de formalismo matemático aplicado ao comportamento humano levaram à instalação de certezas dogmáticas no âmago das representações dominantes sobre o funcionamento da mente, as manifestações da ética e a consistência do comportamento humano.

Entretanto, a racionalidade tem mais rupturas do que imaginamos, seja pelo desejo ou o seu rechaço. Assim, dor e prazer, por exemplo, possuem importância assimétrica nas tomadas de decisão, com a primeira valendo mais que o segundo. A mente, muito mais do que uma dicotomia inconsciente x consciente, é um sistema dinâmico bifásico, em que as coisas são primeiramente processadas de tacitamente (implicitamente, de forma oculta) para, então, serem submetidas a processos analíticos.

Do ponto de vista psicanalítico, parte importante da psicanálise diz respeito à função das ausências. O desejo é, em si, uma falta (daquilo que permitiria que fosse saciado), que caso a caso nos define. Do ponto de vista filosófico, e sendo realista sobre a condição humana, as pessoas são mais sensíveis ao medo de perder ou sofrer que ao prazer de ganhar ou viver coisas incríveis.

O porquê é claro: você só é destroçado pelo inimigo feroz uma vez. Só uma vez, o frio te converte em um bloco de gelo. Infelizmente, só é possível morrer uma vez. Já o prazer é a chama que renasce todo dia. Não é por acaso que ninguém fica traumatizado de prazer. As áreas cerebrais de processamento de estímulos negativos são maiores, as tintas da dor e do medo, mais intensas, e a transmissão cultural do rechaço é muito mais forte que a da atração e da beleza. Isso acontece justamente porque somos animais bem-adaptados.

O que é matematicamente irracional faz pleno sentido em termos existenciais: a satisfação proporcionada por ter mais uma casa, por exemplo, nem de longe é comparável à dor de perder o teto único. É isso que molda as nossas intuições, não as forças do além. As consequências são profundas em vários campos e dimensões. As pessoas já ricas se tornam muito mais com o tempo, posto que se sentem mais confortáveis para apostar pelo medo de perder (negócios, especializações, etc.) do que pelo prazer de ganhar. Agora troque “ricas” por qualquer predicado desejável e perceba a abrangência do princípio.

Não é só. Tem outra questão. A reiteração do prazer vai nos tornando menos responsivos a ele. Após o primeiro show, o roqueiro está eufórico. Após o quinquagésimo, está apenas satisfeito. Agora, no polo da dor, as coisas são diferentes. O primeiro tombo dói demais, o quinquagésimo dói quase o mesmo. A consequência é que o medo de perder vai se tornando ainda mais relevante que o prazer projetado no ganhar, conforme as coisas vão dando certo.

Ou seja, quando a gente vai só ganhando, vamos ficando acomodados, irresponsáveis. O prazer nos amortece. Quando somos afligidos pelo incerto e pela grande possibilidade de perder, de faltar, vamos ficando atentos, atraídos, fisgados. O medo e a dor nos determinam mais. É isso o que explica porque a taxa de psicopatia é alta entre os que constroem impérios: à medida que recompensas têm retorno marginal decrescente (cada uma reduz o valor da próxima), o tempo se encarrega de levar o indivíduo a intuir que o melhor a fazer é segurar firme o que se tem em vez de arriscar e correr o risco de sofrer (esse sistema de dor, sofrimento e remorso não funciona na psicopatia, que possui um componente neurofisiológico, daí a ambição se torna infinita e o acúmulo eventualmente segue junto – se o sujeito não terminar preso ou sofrer um AVC, é claro). Portanto, do ponto de vista da maximização utilitária contextualizada, a psicopatia é utilitária, algo que é amplamente reconhecido entre os lobos de Wall Street.

Já no polo da derrota, não é preciso ser um tipo muito distinto, em termos neurofisiológicos e comportamentais, para ir da perda do salário à do carro na mesa de apostas. Perder o salário dói demais; tentar recuperá-lo parece intuitivo. Entende o problema da legalização de cassinos e outras modalidades de jogos de azar? Percebe também porque programas como Datena faz uma abordagem sensacionalista, destacando os aspectos mais chocantes ou violentos dos eventos noticiosos? Isso pode criar uma impressão de que tais eventos são mais comuns do que realmente são. A tendência dos noticiários de focar em histórias ruins pode fazer com que as pessoas superestimem a prevalência da violência e do crime. Isso é conhecido como viés de negatividade, onde informações negativas têm um impacto maior na percepção do que as informações boas. Um viés que é uma das causas do nosso subdesenvolvimento, traduzido no Brasil como complexo de vira-lata, que faz o ruim parecer e ser pior.

Tudo isso quer nos parecer que a vida dá mais importância aos perigos que às oportunidades, ou seja, é basicamente conservadora, porque seu objetivo mais imediato é permanecer viva e se reproduzir. Seria irracional ponderar igualmente um ganho e uma perda de igual valor, pois a perde dificulta a minha capacidade de manutenção em maior grau do que um ganho a facilita.

Até aqui já é suficiente para revelar por que fama, reputação e riqueza tendem a forjar tipos conservadores. Se a meta é “subir na vida”, sim, tendemos ao conservadorismo com o passar dos anos condicionados por um sistema de recompensas, somado a um cérebro com dificuldade de se manter na delicada corda bamba da racionalidade, abalado pelo medo e pela perda. As pessoas se tornam mais ou menos abertas a experiências em face da dinâmica de recompensas vivenciadas. Em cima disso, acomodam crenças e valores condizentes com o seu momento de vida e relacionamentos, o que irá fazer com que se enxerguem – e as enxerguemos – como mais liberais ou conservadoras.

Assim, a grosso modo, há duas formas básicas de pensar: uma é rápida, intuitiva e emocional (atividades mentais de força emocional com as quais nascemos, impulsiva e propensa a exibir vieses inconscientes e uma confiança imprudente em regras duvidosas - Sistema UM); a outra, mais lenta, deliberativa e lógica (atividades analíticas e racionais, mais complexas, envolvendo experiências e exigindo esforço - Sistema DOIS). Ambas possuem capacidades extraordinárias - e também defeitos e vícios – sobretudo do pensamento rápido. Também há influência das impressões intuitivas nas nossas decisões. Comportamentos tais como a aversão à perda, o excesso de confiança no momento de escolhas estratégicas, a dificuldade de prever o que vai nos fazer felizes no futuro e os desafios de identificar corretamente os riscos no trabalho e em casa só podem ser compreendidos se soubermos como as duas formas de pensar, rápido e devagar,  moldam nossos julgamentos. O medo de perder é mais forte do que o prazer de ganhar. Enfim, nem sempre podemos confiar em nossa intuição e precisamos usar diferentes técnicas para nos proteger contra falhas mentais que muitas vezes nos colocam em apuros.

Já deu para perceber que o assunto aqui é Economia, uma disciplina que se baseia na Psicologia. A economia tradicional, pautada no exercício matemático e em consequências puramente lógicas, acredita que os seres humanos geralmente agem de maneira totalmente racional e que quaisquer exceções tendem a desaparecer à medida que os riscos aumentam. Já a economia comportamental pensa menos rápido sobre isso e, devagar, mostra que há vieses mentais que podem distorcer o julgamento, muitas vezes com resultados contraintuitivos. São as “falhas universais” do cérebro. A mais importante é a aversão à perda, que dói cerca de duas vezes mais do que o mesmo ganho. Uma tolice em muitos casos, já que a predominância da dor pode levar a uma cautela excessiva e autodestrutiva, assim como um comportamento pautado apenas no prazer de ganhar pode nos tornar magnatas conservadores e inconsequentes. Logo, a razão humana, deixada por conta própria, tende a cometer uma série de falácias e erros sistemáticos. Então, se quisermos tomar decisões melhores em nossas vidas pessoais, coletivas e como sociedade, devemos estar cientes desses vieses e procurar soluções alternativas. 

Enfim, pessoas respondem mais à dor e ao medo que ao prazer. Por isso que o preconceito crescente é consequência extrema deste modus operandi em situações de desequilíbrio social. Isso explica em muito a postura de Bolsonaro e as táticas da extrema direita ou elite nesse campo, acompanhada pela veneração a super-heróis e do gosto pelo mito – as práticas cotidianas na política polarizada e seus condicionamentos sociais e lavagem cerebral. Todavia, lei universal é para os lacaios. O contexto marxista, este sim, é para os fortes.  

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