É um erro atrasar a aprovação do Projeto de Lei (PL) de Regulação das Redes Sociais, consagrado pelos senadores, e que já estava maduro na Câmara no início do ano passado.
Seu relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), consagrou na última versão do texto a responsabilização de empresas digitais por conteúdos criminosos publicados por usuários, desde que comprovada negligência. Também estabelece prazos para cumprimento de decisões judiciais, promove transparência nas decisões e dá aos afetados pelas decisões o direito de contestá-las. Para evitar censura arbitrária, atribui às próprias plataformas a formulação de regras e da estrutura de governança necessária para fazê-las cumprir. Enfim, o texto alcança um equilíbrio virtuoso entre as necessidades de proteger a livre expressão e de coibir abusos.
As redes sociais criaram uma nova praça pública e agravaram velhos problemas. Elas serviram de trampolim para violação de privacidade, golpes de todo tipo, exploração sexual de menores, bullyng, racismo, neonazismo e outros crimes de ódio, fomentaram vícios, abusos, ameaças, problemas de saúde mental, intolerância política e religiosa, circulação de desinformação. Um incentivo à atuação diligente de conteúdos ilegais e que trazem riscos – como conspirações criminosas, ameaças à saúde pública ou auxílio a suicídio.
O personalismo ganhou força
com as redes sociais. Se antes era preciso fazer alento para convencer mídia e
opinião pública a se inclinarem por uma versão, agora isso parece apenas um
detalhe diante da força de ser protagonista. Aliás, aquela imprensa ostensiva
não existe mais, mas luta para se reerguer fazendo das redes suas matérias. Ali,
nas redes, alguém simplesmente é alguma coisa, não importa muito o que fez, faz
ou deixa de fazer. Nada mais natural que próceres (heróis) da intolerância
brilhem nessa terra de ninguém ou que os algoritmos só trabalhem para os
fortalecer. Enfim, há milhões degradando na internet por poder. A maioria, por
migalhas, pois, como não há muito o que mostrar, fogueteiros viralizam a
própria desgraça para fazer o entorno prestar atenção em seu drama e até mesmo
sua desfaçatez. O resultado é uma nova praça pública que troca a apuração por
recados, servindo de veículo para intrigas fabricadas e fofocas. O mundo não
pode ser dos broncos, nem o país entrar e sair dessa pancadaria mundial, só
para continuar no mesmo lugar. Controlar a propagação de notícia falsa e o
risco de censura não é fácil, mas não se resolve cancelando a discussão da
pauta, como fez o Arthur Lira da Câmara, engavetando o PL de regulação dessas
terríveis redes sociais.
Para combater tudo isso, a inspiração veio da União Europeia que adotou leis para que as grandes plataformas digitais ao menos assumam responsabilidades pelos crimes cometidos nelas ou por meio delas. E nessa intenção nada há de censura nem de restrição à liberdade de expressão, além das já previstas em lei há décadas. Decisões duras da Justiça ao suspender contas e posts surgem num vácuo jurídico. Falta uma lei atribuindo às plataformas o dever de zelar pelo conteúdo. É disso que se trata.
O Brasil precisa seguir esse mesmo caminho, sim! Primeiro, porque o objetivo é criar um ambiente de transparência, com mecanismos sensatos de vigilância e punição. Depois, o principal motivo é atribuir às plataformas o “dever de cuidado” pelo que fazem circular. Ou isso, ou será necessária a ação da Justiça a todo o momento.
Enfim, as redes se transformaram em
paraíso de bandidos, golpistas, racistas e caluniadores. Se por um lado é
realmente preciso evitar excessos da legislação, por outro, o Congresso não
pode cancelá-la ou transformá-la em escudo da arbitrariedade das grandes empresas digitais.
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