França aprova o direito de mulheres interromperem a gravidez (vai pro texto constitucional). A inscrição na Carta Magna, inédita no planeta, sedimenta a garantia (não mais haverá risco de flutuar ao sabor de governos, ventos ideológicos, arroubos morais, convicções religiosas). A mudança foi aprovada por ativistas, organizações feministas, profissionais de saúde, estudantes, polícias, gente comum... A decisão foi interpretada como reafirmação do Estado laico. Também foi uma içada contraofensiva a um ambiente global crescentemente conservador, que avança sobre direitos sexuais e reprodutivos de mulheres (a começar pelos EUA, onde a Suprema Corte reviu, em 2022, decisão que garantia o direito ao aborto havia 49 anos, com a profundidade de um pires e a cegueira do fanatismo religioso).
No Brasil, o ambiente é igualmente de retrocesso, resultado de um Congresso Nacional, a cada pleito, mais conservador, barulhento, numeroso e empenhado em impregnar com moral religiosa os direitos civis. A legislação que autoriza o aborto em casos de estupro e risco de vida para a gestante – mais tarde, o STF adicionou a interrupção em caso de feto anencéfalo – é de 1940. Fora isso, uma mulher que aborta está sujeita pelo Código Penal a prisão por até 3 anos (por ano, 400 brasileiras são denunciadas por interrupção de gestação). Isso é inconstitucional por comprometer a dignidade da pessoa humana, a cidadania das mulheres, o direito à saúde e à integridade física e psicológica! A medida também afeta desproporcionalmente mulheres pretas, pobres, indígenas, de baixa escolaridade, moradoras de áreas remotas.
Talvez por princípios não se aprova nem se interrompe uma gestação, mas, e por razões socioeconômicas, familiares, de saúde, particulares? O que está em jogo é dar a mulher o direito a decidir sobre o próprio corpo, algo que jamais foi negado aos homens. É oferecer políticas públicas de educação sexual, acesso a contraceptivos e, se necessário, a interrupção gestacional segura, que não tire a vida nem adoeça meninas, jovens, adultas.
Enfim, o fato é: aos 40 anos, 1 em cada 7 mulheres brasileiras já abortou, a esmagadora maioria por meios clandestinos. Com ou sem permissão legal. Ao STF caberá decidir – sabe-se lá quando – se uma mulher que interrompe a gestação deve ou não ir para a cadeia. No mundo político, há convicção de que, se o Congresso for provocado, virão proibição total e criminalização absoluta.
Nota de Pesar:Mulheres sofrem algum tipo de violação, de agressão verbal a tortura, de cárcere privado a estupro, de agressão física a assassinato. Desde a entrada em vigor da Lei nº 13.104/2015 torna o feminicídio um homicídio qualificado e o coloca na lista de crimes hediondos, com penas mais altas, de 12 a 30 anos. É considerado feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.
Conclusões:
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No país como um
todo, as mulheres eram só 12% dos prefeitos eleitos em 2020, e 16% dos
vereadores;
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Os dados evidenciam
o tamanho da sub-representação das mulheres na política (devido a menor
disposição delas para a competição, devido a fatores culturais, a visão
tendenciosa de parte do eleitorado em relação às mulheres e o viés contrário a
elas por líderes partidários). Os partidos, fechados a pessoas fora do círculo
de poder, ainda são um importante empecilho para uma maior equidade de gênero
na política;
·
Alguns estudos
apontam a tendência de mulheres apoiarem mais a esquerda;
·
A insistência em
Michelle Bolsonaro é estratégica. Seu discurso no último ato na Paulista pode
ter sido um chamado importante para mobilizar candidaturas da direita
conservadora, nos dois gêneros (contra o aborto, a igualdade de gênero e antifeminista);
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É um problema,
pois, quanto mais segmentos populacionais estiverem representados, mais robusta
é uma democracia;
·
O eleitorado
feminino é maioria em 2 de cada 3 municípios;
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O maior
eleitorado feminino não significa necessariamente uma disposição maior em votar
em mulheres. Fatores estruturais também pesam nesse resultado, como a
quantidade menor de candidaturas de mulheres e com menos apoios e verbas nos
partidos;
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Há evidências de que a representação política
feminina melhora a oferta de serviços públicos de educação e de saúde nos
países em desenvolvimento e também nos desenvolvidos induz políticas
específicas como as de cuidado infantil, além de reduzir corrupção (no caso da
saúde e da educação, entre as razões para isso, estão a preferência das
mulheres por políticas distributivas e a maior preocupação em média com o
bem-estar das crianças, documentadas em outros trabalhos, e o fato de elas
serem as principais responsáveis por atividades de cuidado).

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