Não é a morte do poder político.
Recusar essa necessidade de uma ordem política enquanto tal, negar, em especial, que as relações de poder sejam condição de funcionamento de qualquer cidade moderna, é sem dúvida a mais generosa das tentações, mas também uma das mais perigosas. Porém, isso pode ser muito difícil de ser recebido por quem tem, por princípio, o entendimento de cifrar ou codificar economicamente toda realidade social e política.
Historicamente, o poder se tornou uma palavra quase inevitavelmente pejorativa – significando mandar. Ora, quem assim define levianamente o poder político apenas pelo mando, pela opressão brutal, deixa de perguntar se porventura este poder político – ainda mais desdenhado que execrado – não disporia de outros recursos, de estratégias mais requintadas para investir a sociedade...
Faculdade do “bel-prazer” ou uma faculdade de fazer cumprir as suas decisões é que alguns, apressadamente, propõem eliminá-lo simplesmente (marxistas), outros submetê-lo a uma vigilância estrita (Foucaultianos) – e muitos concordam que o melhor seria substituí-lo por uma gestão científica, por uma administração, finalmente, racional (liberais). Tentação compreensível, pois temos certamente todas as desculpas para assimilar poder a extorsão. Nasce daí a ideia de extirpar, de vez por todas, o poder político. Ideia radical, que foi revigorada nos dias de hoje: o espetáculo dos totalitarismos tem de tudo para fazer-nos inimigos de qualquer poder, isto é, libertários. No século XIX, esta ideia se impunha por uma razão diferente: a preponderância, evidenciada, do econômico, inclinava os espíritos a considerar a instância do poder político como arcaica e supérflua.
Só se tem poder político se tiver poder econômico? Primeiro a economia e só depois a política? A autoridade é um símbolo econômico? “A posse da – autoridade vem acompanhada, o mais das vezes, dentro de certos limites e salvo algumas exceções notáveis, de uma renda elevada e um alto prestígio, enquanto, inversamente, a não participação na autoridade conjuga-se com um prestígio e renda relativamente baixos” (Dahrendorf). Será esta uma razão para identificarmos, sem mais, a relação entre governantes e governados com uma dominação de classe?
A tese sedutora de Marx de que a negação da necessidade do poder político romperia o controle sobre os meios de produção é sedutora e muito precipitada. Dela decorre que a subversão das relações de produção deverá bastar – a médio prazo – para varrer a figura de dominação que só servia para manter um regime bem determinado de exploração e açambarcamento. Ou seja, a questão é: pode-se identificar, sem mais, o controle sobre os meios de produção com o poder político? O marxismo não poderia abandonar sua definição redutora do poder político sem aceitar que o seu edifício desabe.
O “Estado burguês” geralmente é reduzido a mero servidor dos interesses capitalistas, ou pelo menos que sejam convergentes. Por exemplo, se olharmos para os EUA, ocorre uma osmose entre o pessoal político e os capitalistas, ou os dirigentes das grandes empresas. É verdade que um destes últimos (Forrestal). Tipo, “o que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos”. Contudo, o entrelaçamento dos interesses econômicos e do poder nos regimes burgueses ainda não permite afirmar como dogma que o poder político seja apenas a sombra dos interesses dos proprietários. Não existe nenhuma lei universal vinculando poder econômico e poder político. O proverbial poder do dinheiro não nos autoriza a confundir a função de produção e aquisição dos bens (poder econômico) com a que’ consiste em determinar a conduta dos homens (poder político). Por considerável que possa ser a interferência de propriedade e poder, será apressado identificá-los de maneira absoluta.
O fato de que, nos regimes burgueses, os capitalistas tenham um peso nas decisões do poder e, muitas vezes, participem dele (diretamente ou por intermédio de homens de confiança) não significa que o poder seja um mecanismo montado exclusivamente para as necessidades da sua dominação. Importa distinguir, em si, “elites capitalistas” e “elites governamentais” – embora, repetimos, esta distinção pareça muito artificial em certos países e certas épocas:
“As elites capitalistas ou gerenciais podem ser grupos extremamente poderosos na sociedade, podem até mesmo exercer um controle parcial sobre governos e assembleias; tudo isto apenas salienta a importância das elites governamentais. Todas as decisões são tomadas ora por elas, ora por seu intermédio...” (Dahrendorf).
Enfim, quem tem mais autoridade, o poder econômico ou o poder político? Como essa autoridade vem sendo utilizada, para organizar ou desfazer a sociedade? Eis a questão...
CONTINUA...
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