Quem sou eu

Minha foto
São Francisco do Conde, Bahia, Brazil
Professor, (psico)pedagogo, coordenador pedagógico escolar e Especialista em Educação.
Obrigado pela visita!
Deixe seus comentários, e volte sempre!

"Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (Art. 205 da Constituição de 1988).

Ø Se eu sou um especialista, então minha especialidade é saber como não ser um especialista ou em saber como acho que especialistas devem ser utilizados. :)



“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

Arquivos do blog

terça-feira, 20 de junho de 2023

(Parte IV) Leviatã – a República, civitas.

 “O homem é tudo para o homem – é um lobo, e também uma defesa contra os lobos” (Thomas Hobbes). 

O antagonismo é a trama do social. Entretanto, se a minha liberdade respeitar todas as demais, ela não deparará com obstáculos ao seu exercício. Os homens até continuam sendo concorrentes, mas veem-se dissuadidos de passar do jogo à guerra, da competição à fraude. Cada qual está ciente de que, por princípio, a agressividade dos demais encontra-se limitada. 

Para que seja concebível uma sociedade de sujeitos racionais, é preciso, antes de mais nada, a submissão de todas as vontades à vontade comum, representada por um poder absoluto.

A questão é: “que poder absoluto é esse?” 

Esse trecho foi retirado do capítulo 21 do livro Leviatã, de Thomas Hobbes. Ele revela o projeto do autor: o Estado e as leis destinam-se à preservação da vida do homem. Sem esses artifícios, segundo o autor, não haveria paz, nem vida.

Hobbes refutou a metafísica, buscando a causa e a propriedade das coisas. Para ele o homem tende naturalmente a continuar em movimento, isto é, o valor primordial para cada indivíduo seria a conservação da vida, o crescimento e a afirmação de si mesmo.

O poder político é o exercício de uma força repressiva permanente: esta seria também e, sobretudo a condição sine qua non para haver sociedade. O importante não seria a força nela mesma, mas o fato de todos sentirem a sua necessidade. É o que exprimiu Antonio Gramsci, ao analisar a noção de “soberania” em Bodin: “Não é o momento da força que interessa a Bodin, mas o do consentimento”.   Assim, ser cidadão suporia, por princípio, uma resignação original... 

·       É preciso admitir como necessário um poder, capaz de decidir e legislar, que tenha o seu princípio apenas em si próprio, e que não se refira a nenhuma legislação (divina ou humana) externa a ele. A única razão que pode me “convencer” a obedecer à lei é que ela é a lei – é saber que serei castigado se a infringir. Se devêssemos obedecer às leis por serem elas boas e se cada um fosse livre para decidir a seu bel-prazer acerca do valor da lei, a obediência não seria mais garantida, e por isso já não haveria mais leis...

·       Em suma, a Soberania é o único cimento do corpo político porque os homens nunca foram animais racionais, se por isso entendemos animais que se inclinam perante a razão pura. A “razão” é sempre a razão do mais forte (mesmo nos diálogos de Platão, onde a razão está do lado de quem é mais forte... no campeonato dialético). E é por isso que a essência do Estado é ser ele soberano.

·       Não pode haver solução racional para os conflitos de valores.

·       Não existe sociabilidade natural. O único modelo de política é a associação livremente consentida, cujos membros se comprometem por juramentos recíprocos de fidelidade. Assim, o poder soberano é somente ele um poder comum capaz de agregar politicamente indivíduos iguais. Iguais em sua submissão. Ou seja, no princípio, portanto, existem apenas indivíduos em luta (latente, pelo menos) que, num segundo tempo, confiarão ao Estado o cuidado de conservar-lhes a vida, melhor do que eles próprios seriam capazes.

·       O poder político não pode ser mera instância de gestão e organização, mas sim o detentor permanente de uma força absoluta, sem a qual sequer seria possível falar em “societas”.

·       Hobbes rejeita o postulado de que o homem é um animal político e social, e admite, sim, que o homem é, naturalmente, um animal apolítico e até mesmo a-social.

·       Para a antropologia pessimista, a função essencial da Cidade seria reprimir a malícia humana.

·       Como escreve Kant: “por melhores e mais apegados ao direito que seja possível imaginar os homens”, ainda assim a saída do estado de natureza só deverá ser “a união numa comum submissão a uma coerção legal, externa”.

·       Acontece que Kant distingue a comunidade ética (estado em que os homens se encontram reunidos apenas sob leis de virtude, não coercitivas) e o estado jurídico-civil (governo da comunidade por leis que são, sempre, coercitivas). Ora, logo a seguir ele assinala que a primeira comunidade “não poderia absolutamente ser instituída pelos homens” se não tivesse a segunda como base. Qual é, segundo Kant, o objetivo da união civil? É garantir “a independência de cada um frente ao arbítrio necessitante de outrem”. E isto só pode ser realizado por meio de uma legislação encarregada de disciplinar à insociabilidade natural dos homens. Trata-se de obter um equilíbrio dos direitos de todos em meio ao antagonismo, que continua sendo a trama do social.

·       Os homens são insociáveis por natureza. Por isso que precisa existir uma legislação para disciplinar isso. No princípio, portanto, existem apenas indivíduos em luta que, num segundo tempo, confiarão ao Estado o cuidado de conservar-lhes a vida, melhor do que eles próprios seriam capazes. Daí a necessidade de um Soberano que me garanta que, se a minha liberdade respeitar todas as demais, ela não deparará com obstáculos ao seu exercício.

·       O antagonismo: os homens continuam sendo, antes de mais nada, concorrentes; mas vêem-se dissuadidos de passar do jogo à guerra, da competição à fraude. Cada qual está ciente de que, por princípio, a agressividade dos demais encontra-se limitada.

·       Por que precisamos do “Senhor Estado”? Sem este, diz Kant, nem mesmo poderia haver algo como uma “societas”. Pois, sem ele, não teria a certeza de que, recusando-me a lesar alguém, nada tenho a temer por meu próprio direito. Assim, o poder estatal é a condição para que a reciprocidade dos procedimentos corretos, base de uma sociedade racional, se torne alguma coisa crível. E é por isso que a Soberania é, mais uma vez, inelutável: não porque o homem é apenas um vivente egoísta, mas porque é um sujeito racional, que entende que o seu direito lhe seja seguramente reconhecido. Genialmente, Kant atreveu-se a ver o que toda a filosofia política de Hegel se esforçará por dissimular: que até mesmo o reino “da razão” está fundado na força: “O homem é um animal que reclama o seu direito, e que não consente de bom grado em cedê-lo a nenhum outro... por isso, ele precisa de um senhor” (Reflexão 1464).

·       Kant pode indignar-se com o “despotismo” de Hobbes: mesmo assim, conserva o mecanismo constitutivo do “Leviatã”. Para que seja concebível uma sociedade de sujeitos racionais, é preciso, antes de mais nada, a submissão de todas as vontades à vontade comum, representada por um poder absoluto. Sem o que, não poderei conduzir-me, de fato, como um cidadão; não poderei, de fato, viver como um sujeito racional que se considera igual a todos os demais.


O Poder é a origem da cidade, é a causa da sociedade dos associados. É aquilo que cria os cidadãos.

É por isso que o poder não é uma função qualquer na cidade: “é a origem da cidade, é a causa da sociedade dos associados”. Sem a soberania, ninguém teria aquela confiança mínima que é necessária para que se sinta membro de uma sociedade. “Dominus originarius”: esta expressão de Kant significa que o poder é menos aquilo que domina os súditos, que aquilo que cria os cidadãos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário