“O homem é tudo para o homem – é um lobo, e também uma defesa contra os lobos” (Thomas Hobbes).
O antagonismo é a trama do social. Entretanto, se a minha liberdade respeitar todas as demais, ela não deparará com obstáculos ao seu exercício. Os homens até continuam sendo concorrentes, mas veem-se dissuadidos de passar do jogo à guerra, da competição à fraude. Cada qual está ciente de que, por princípio, a agressividade dos demais encontra-se limitada.
Para
que seja concebível uma sociedade de sujeitos racionais, é preciso, antes de
mais nada, a submissão de todas as vontades à vontade comum, representada por
um poder absoluto.
A questão é: “que poder absoluto é
esse?”
Esse trecho foi retirado do capítulo 21 do livro Leviatã, de Thomas Hobbes. Ele revela o projeto do autor: o Estado e as leis destinam-se à preservação da vida do homem. Sem esses artifícios, segundo o autor, não haveria paz, nem vida.
Hobbes refutou a metafísica, buscando a causa e a propriedade das coisas. Para ele o homem tende naturalmente a continuar em movimento, isto é, o valor primordial para cada indivíduo seria a conservação da vida, o crescimento e a afirmação de si mesmo.
O poder político é o exercício de uma
força repressiva permanente: esta seria também e, sobretudo a condição sine qua non para haver sociedade. O importante não seria a força
nela mesma, mas o fato de todos sentirem a sua necessidade. É o que
exprimiu Antonio Gramsci, ao analisar a noção de “soberania” em Bodin: “Não é o momento da força que
interessa a Bodin, mas o do consentimento”. Assim, ser cidadão suporia,
por princípio, uma resignação original...
·
É
preciso admitir como necessário um poder, capaz de decidir e legislar, que
tenha o seu princípio apenas em si próprio, e que não se refira a
nenhuma legislação (divina ou humana) externa a ele. A única razão que pode me “convencer” a obedecer à lei é
que ela é a
lei – é saber que serei castigado
se a infringir.
Se devêssemos obedecer às leis por serem elas boas e se cada um fosse livre
para decidir a seu bel-prazer acerca do valor da lei, a obediência não seria
mais garantida, e por isso já não haveria mais leis...
·
Em
suma, a Soberania é o
único cimento do corpo político porque os homens nunca foram animais
racionais, se por isso entendemos animais que se inclinam perante a razão pura.
A “razão” é sempre a razão do mais forte (mesmo nos diálogos de Platão, onde a
razão está do lado de quem é mais forte... no campeonato dialético). E é por
isso que a essência do
Estado é ser ele soberano.
·
Não pode haver solução racional para os
conflitos de valores.
·
Não
existe sociabilidade natural. O único modelo de política é a associação
livremente consentida, cujos membros se comprometem por juramentos recíprocos
de fidelidade. Assim, o
poder soberano é somente ele um poder comum capaz de agregar politicamente
indivíduos iguais. Iguais em sua submissão. Ou seja, no princípio,
portanto, existem apenas indivíduos em luta (latente, pelo menos) que, num segundo
tempo, confiarão ao Estado o cuidado de conservar-lhes a vida, melhor do que
eles próprios seriam capazes.
·
O
poder político não pode ser mera instância de gestão e organização, mas sim o
detentor permanente de uma força absoluta, sem a qual sequer seria possível
falar em “societas”.
·
Hobbes
rejeita o postulado de que o homem é um animal político e social, e admite,
sim, que o homem é, naturalmente, um animal apolítico e até mesmo a-social.
·
Para
a antropologia pessimista, a função essencial da Cidade seria reprimir a
malícia humana.
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Como
escreve Kant: “por melhores e mais apegados ao direito que seja possível
imaginar os homens”, ainda assim a saída do estado de natureza só deverá ser “a
união numa comum submissão a uma coerção legal, externa”.
·
Acontece
que Kant distingue a comunidade ética (estado em que os homens se encontram
reunidos apenas sob leis de virtude, não coercitivas) e o estado jurídico-civil
(governo da comunidade por leis que são, sempre, coercitivas). Ora, logo a
seguir ele assinala que a primeira comunidade “não poderia absolutamente ser
instituída pelos homens” se não tivesse a segunda como base. Qual é, segundo
Kant, o objetivo da união
civil? É garantir “a independência de cada um frente ao arbítrio necessitante
de outrem”. E
isto só pode ser realizado por meio de uma legislação encarregada de disciplinar à
insociabilidade natural dos homens. Trata-se de obter um equilíbrio dos direitos
de todos em meio ao antagonismo,
que continua sendo a trama do social.
·
Os
homens são insociáveis por natureza. Por isso que precisa existir uma
legislação para disciplinar isso. No princípio, portanto, existem apenas
indivíduos em luta que, num segundo tempo, confiarão ao Estado o cuidado de
conservar-lhes a vida, melhor do que eles próprios seriam capazes. Daí a
necessidade de um Soberano que me garanta que, se a minha liberdade respeitar todas as demais, ela não deparará
com obstáculos ao seu exercício.
·
O
antagonismo: os homens continuam sendo, antes de mais nada, concorrentes; mas
vêem-se dissuadidos de passar do jogo à guerra, da competição à fraude. Cada
qual está ciente de que, por princípio, a agressividade dos demais encontra-se
limitada.
·
Por que precisamos do “Senhor Estado”? Sem este, diz
Kant, nem mesmo poderia haver algo como uma “societas”. Pois, sem ele, não
teria a certeza de que, recusando-me a lesar alguém, nada tenho a temer por meu
próprio direito. Assim, o poder estatal é a condição para que a reciprocidade
dos procedimentos corretos, base de uma sociedade racional, se torne alguma
coisa crível. E é por isso que a Soberania é, mais uma vez, inelutável: não
porque o homem é apenas um
vivente egoísta, mas porque é um sujeito racional, que entende que o seu
direito lhe seja seguramente reconhecido. Genialmente, Kant atreveu-se a ver o
que toda a filosofia política de Hegel se esforçará por dissimular: que até mesmo o reino “da razão”
está fundado na força: “O homem é um animal que reclama o seu direito, e
que não consente de bom grado em cedê-lo a nenhum outro... por isso, ele
precisa de um senhor” (Reflexão 1464).
· Kant pode indignar-se com o “despotismo” de Hobbes: mesmo assim, conserva o mecanismo constitutivo do “Leviatã”. Para que seja concebível uma sociedade de sujeitos racionais, é preciso, antes de mais nada, a submissão de todas as vontades à vontade comum, representada por um poder absoluto. Sem o que, não poderei conduzir-me, de fato, como um cidadão; não poderei, de fato, viver como um sujeito racional que se considera igual a todos os demais.
O Poder é a origem da cidade, é a causa da sociedade dos
associados. É aquilo que cria os cidadãos.
É por isso que o poder não é uma função qualquer na cidade: “é a origem da cidade, é a causa da sociedade dos associados”. Sem a soberania, ninguém teria aquela confiança mínima que é necessária para que se sinta membro de uma sociedade. “Dominus originarius”: esta expressão de Kant significa que o poder é menos aquilo que domina os súditos, que aquilo que cria os cidadãos.
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