“Trombadinhas” ou "polícia do tirano"?
O começo da vida humana na Terra foi marcado por um longo período de tempo com os nossos ancestrais organizados em pequenos grupos e com pouco ou nenhum contato entre si. Isso significa que desde os primórdios, nossa experiência é muito mais individual do que coletiva.
“[...] Cidades, reinos, civilizações, impérios, tudo isso é muito recente na trajetória do Homo sapiens sobre a Terra” (História Geral e do Brasil, Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo, p. 23)
“Os homens são insociáveis por natureza. Por isso que precisa existir uma legislação para disciplinar isso. No princípio, portanto, existem apenas indivíduos em luta que, num segundo tempo, confiarão ao Estado o cuidado de conservar-lhes a vida, melhor do que eles próprios seriam capazes” (Thomas Hobbes).
Se o maior período da humanidade foi vivido no isolamento, significa dizer que a interação e a socialização ainda estão sendo um aprendizado. Por exemplo, a pré-história na América refere-se ao período anterior à ocupação europeia. O período posterior envolve pouco mais de 6 mil anos.
"Politizar o homem não consiste mais em educá-lo moralmente, mas em introduzi-lo num maquinário que o vergará a fins (a paz e a segurança) que, apenas por suas disposições naturais, ele não poderia alcançar" (Kant).
A introdução do humano no corpo social implica a questão do Estado, da Cidade, da Lei, da Soberania (o poder como a instância encarregada de limitar, romper ou mesmo desarraigar o arbítrio dos indivíduos). Afinal, os dois poderes de que dispunha no estado de natureza são, a saber:
a) fazer tudo o que julgar conveniente para garantir a
sua conservação; e
b) punir as infrações cometidas contra a lei natural.
Hobbes estabelece uma dissociação entre a lei (Iex) e o direito (jus)? (Repare que o Estado hegeliano é fundador da sociedade).
“Confunde-se muitas vezes lex com jus... e, contudo dificilmente haverá duas palavras que sejam mais contraditórias. Pois o direito é a liberdade que nos é deixada pela lei – e as leis são as restrições que estabelecemos por acordo comum, para restringir as nossas liberdades recíprocas”.
“A lei e o direito diferem exatamente
como a obrigação e a liberdade, que não poderiam coincidir num único e mesmo ponto”
(Leviatã, cap. 14). Assim, a lei civil é apenas a
restrição do “direito de todo homem a toda coisa, no estado de natureza”.
“A atividade legislativa não é outra coisa senão esta restrição... a lei não
foi trazida ao mundo para nada mais, a não
ser limitar a liberdade natural dos indivíduos” (Leviatã, cap. 26).
E para domar esse homem natural pelo homem artificial, o conjunto de homens produz o Estado. E, o que é o Estado? “Um poder nascido da sociedade, mas que se coloca acima dela, e se lhe torna cada vez mais estranho” (Engels).
Está lançado o dilema: todos os males que o poder é capaz de causar nada são, comparados com a volta ao estado de natureza ou o inverso que é verdade? O estado de natureza é preferível a um poder que me deixa juridicamente desarmado contra ele? “O indivíduo que se vê exposto ao poder arbitrário de um único homem que tem cem mil outros a suas ordens encontra-se numa situação muito pior ou melhor do que aquele que está exposto ao poder arbitrário de cem mil homens isolados”? Entre os “trombadinhas” e a "polícia do tirano", qual escolher?
Enfim, conviver é uma arte, uma experiência cultural. É um grande desafio de aprendizado e prática! Afinal, sem consenso social, o sistema não poderia mais funcionar (especialmente em tempo de crise). Logo, o fim do poder é conquistar a sociedade, é politizá-la – sorrateira e invisivelmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário