Desejo e frustração dos libertários.
Por que o rebelde de hoje transforma-se no dócil de amanhã?
Existem meios eficazes de nos opormos a invasão de nossas vidas pelo poder? De resistirmos a esta integração numa cidade onde obedecemos cega e, sobretudo, inconscientemente?
No Estado, a segurança precede a liberdade...
Ainda é forte a crença de que o funcionamento econômico só pode ser um fator de regulação e estabilização da sociedade – economicismo. Porém, na verdade, a liberdade econômica vem se tornando um fator profundamente perturbador do social, e por isso corre o risco de suscitar, enquanto reação, um poder que se encarregará de corrigir sistematicamente os desequilíbrios por ela produzidos. Assim, é o próprio jogo da liberdade econômica que acaba tornando cada vez mais profundamente necessária a intervenção do Estado. E isso em nome do interesse público.
Não são “unicamente as classes inferiores” que aspiram ao controle do “aparelho político”, mas também “o próprio Estado”, que, à medida que a atividade econômica se torna um fator mais importante da vida geral, é levado pela força das coisas a cada vez mais vigiar e regular as suas manifestações. À medida que o papel do econômico se torna mais invasor, e mais complexo o seu funcionamento, a tarefa do Estado passa a ser cada vez menos proteger a liberdade de alguns, e cada vez mais garantir a segurança do maior número. Por quê? Por generosidade? Por amor aos pobres? É óbvio que não: por simples instinto de conservação.
O que dizer, então, dos países nos quais uma parte da população não tem garantido sequer o mínimo vital? Neles, o único problema que se coloca é saber se a gestão capitalista será capaz de atender às exigências mínimas de uma “democracia social”, ou se deverá ceder lugar ao marxismo-leninismo. Num caso como no outro, a estatização – relativa ou absoluta – aparece como um destino inevitável.
O crescente controle do Estado sobre as atividades individuais (o que não quer absolutamente dizer: totalitarismo) é um fenômeno que parece ser irreversível. Por outro lado, a ilusão na qual assenta o liberalismo (o liberalismo parte de uma análise sumária e fraudulenta do problema político), pretende reduzi-lo ao resultado de uma partida: “Indivíduo vs. Estado”. E, o que é este “indivíduo”? De onde provém este átomo social zeloso por seus direitos? Ele já não foi fabricado, sorrateiramente, pelo poder?
Vivemos na corda bamba, entre a liberdade e a segurança. Essa ideia de que a aspiração fundamental do animal humano é a liberdade pura é uma tolice do liberalismo que devemos tirar da cabeça. No fundo, o que desejamos é segurança – a razão de ser do Estado. “Posso tudo” (isso é liberdade), mas “nem tudo a mim é permitido” (isso é segurança).
A liberdade é apenas uma necessidade secundária, frente à necessidade primária de segurança. Ou seja, a segurança precede a liberdade. A primazia desta necessidade de segurança foi evidenciada pelas grandes crises históricas que abalaram os séculos. Vejam a sede de “direitos” que prevaleceu sobre os voos transloucados do liberalismo clássico, fundado na livre disposição da propriedade. Ou ninguém deseja o direito ao pleno emprego, direito a um salário constante, direito de os produtores venderem quantidades estáveis a um preço estável, direito a uma aposentadoria decente, etc. Entre estes “novos direitos humanos”, que nenhum Estado responsável pode ignorar, e as liberdades dos liberais, é preciso escolher.
Percebe a incompatibilidade? Ninguém pode ser favorável à Previdência Social e ao salário-desemprego, e ao mesmo tempo continuar professando um ideal minimalista do Estado. É incoerente considerar legítimo o “protetorado social” – e ao mesmo tempo erguer-se contra o Estado-Moloch (deus para quem sacrifico minha liberdade e vontade). Em suma, se vocês aceitam o que torna fatal a estatização, então deixem de bancar as belas almas, pôrra!
Onde ficariam nossa liberdade, nossa vontade e nossa autodeterminação, por exemplo, quando a maioria considera que o governo age mal, mas todos pensam que o governo deve agir sem parar e pôr a mão em tudo? E quando são os próprios governados, o mais das vezes, que forçam o Estado a colocar-se como instância tutelar e “providencial” (um pai/poder onipotente e onisciente)? E quando se evoca direitos extraordinários (incompreensíveis ao sistema jurídico clássico), como o “direito” à vida, à felicidade, ao corpo, à saúde, à satisfação das necessidades... Mas o que a história nos ensina é que estes direitos só podem ser satisfeitos à custa de um crescimento do poder estatal.
É verdade que a expressão “mundo livre” sem dúvida tem um sentido quando a opomos a “mundo totalitário”. Mas não nos enganemos: até mesmo nos países ditos “livres”, do Ocidente capitalista, a “liberdade” declina – tanto como realidade jurídica quanto como ideal político.
Enfim, enquanto a melhor forma de barrar o liberalismo é ameaçando a segurança do Estado, o melhor meio de neutralizar os revolucionários não é prendê-los, mas transformá-los em funcionários. Assistimos ao advento de um “novo despotismo, menos tirânico que administrativo”. O Estado tem suas manhas, para uns e para outros.
“Após ter assim tomado em suas mãos poderosas cada indivíduo e após ter-lhes dado a forma que bem quis, o soberano estende os braços sobre toda a sociedade; cobre-lhe a superfície com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais os espíritos mais originais e as almas mais vigorosas não conseguiriam aparecer para sobressair na massa; não dobra as vontades, amolece-as, inclina-as e as dirige; raramente força a agir, mas opõe-se freqüentemente à ação; não destrói, impede o nascimento; não tiraniza, atrapalha, comprime, enerva, arrefece, embota, reduz, enfim, cada nação a nada mais ser que uma manada de animais tímidos e industriosos, cujo pastor é o governo”
( Alexis de Tocqueville, na conclusão de sua obra-prima A Democracia na América (1835-1840)).
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