“Certos valores torpes passaram a ocupar todos os lugares privilegiados e importantes do espírito. Uma doença misteriosa devorou a pequena genialidade dos velhos tempos – já muito pequena” (Musil, o curso de uma nova era).
É muito preocupante
saber que várias pessoas apoiam o regime democrático pensando estritamente no
direito de depositar voto na urna. Há aí um sério problema de definição e
vivência do conceito. Embora primordiais, eleições não encerram a questão, pois
infelizmente não impedem que democracias sejam solapadas.
Ao bagunçar o processo
eleitoral e manipular o voto, o ataque ao sistema democrático se dá por dentro,
pelo enfraquecimento das instituições que garantem o funcionamento de uma
sociedade livre. Daí são muitos os alvos: a imprensa, os tribunais, as regras
escritas e não escritas.
Também enfrentamos
outro problema alarmante: as redes acordaram a múmia reacionária no Brasil e no
Mundo. Por isso que o futuro dos democratas é a resistência. Eleição não é
passeio, sortilégios e indignidades.
Assim, mais que
eleições livres, a democracia exige liberdade
de expressão, reunião e associação. Depende da independência do Judiciário, do reconhecimento
dos resultados eleitorais e de uma infraestrutura
institucional que inclui partidos políticos para dar voz a demandas, imprensa livre para informar e criticar
e tribunais para proteger os direitos dos
cidadãos, garantindo respeito às
minorias e alternância de poder.
A primeira disposição
de Jair Bolsonaro (o Plano A) sempre
foi o golpe, que tinha o Centrão com muita disposição para sucessivos golpes
legislativos. Não fluiu, ele partiu para o Plano
B: essa disputa em ação com a mesma máquina de desinformação que atuou em
2018, só que agora ainda mais agigantada por recursos públicos. Ainda há um Plano C, o autogolpe em forma de
subordinação pelas fake news que tentam desesperadamente transformar eleitores
de bem em inimigos da democracia com o próprio poder de voto que tem. Um Plano D aguarda lá na frente a
contestação do resultado das urnas caso ele contrarie a reeleição do
presidente. Há também o Plano E
sendo montado na composição conservadora do Congresso Nacional neste exato
momento. E é possível que mais planos perversos estejam sendo criados... Ao que
todos eles indicam que, vença Lula ou Bolsonaro, os dias de resistência só
estão começando para a disposição dos resistentes em desconstruir planos
antidemocráticos.
Pesquisas têm
demonstrado que o apoio à Democracia aumenta conforme a renda e a escolarização
do entrevistado. O que significa que a melhor arma para combater as “múmias
despertas” é a educação. Precisaremos recolocar a política nos espaços em que
ela nasceu e dos quais nunca deveria ter saído – os espaços públicos, no
trabalho, na escola, faculdades, entre amigos ou com a família, e até na
reflexão dos Evangelhos de Jesus Cristo, entre outros, sem que isso gere
conflitos, ameaças, medo ou até agressões e mortes. Democracia é civilidade e
só uma boa educação politizada humaniza.
Enfim, é preciso repudiar as investidas contra o próprio regime democrático. E isso deve ser feito cotidianamente, pois a democracia vive e sobrevive no zelo diário das nossas relações. Essas relações continuarão ditando o nosso presente e o nosso futuro.
Outras conclusões importantes:
·
Aquele 1,57 ponto percentual que faltou
a Lula no dia 2 levou o país a olhar para o abismo. E agora o abismo olha para
o país. Ainda que Bolsonaro seja derrotado, miasmas do vale-tudo empestarão o
futuro.
· São raras as ditaduras que não proclamam “Deus acima de todos”.
·
Sempre considerei Bolsonaro um
adversário perigoso. Ele faz um governo sem virtudes, isto é, comanda uma
gestão nefasta que não faz distinção entre o legal e o ilegal, o legítimo e o
ilegítimo, o moral e o imoral.
· A tropa de Bozo manteve-se unida com a tese conspiratória sobre as urnas (comandou a agressão à Constituição, à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei Eleitoral para interferir nas urnas).
· Bozo está criando a jurisprudência dos sem-limites.
·
Depois de 2022, será muito difícil
definir o que não pode fazer um governante em busca de um segundo mandato.
·
Lula ainda resistir como favorito é um
quase milagre de sua biografia.
·
Foi despertada uma múmia que morava nas
catacumbas da civilização, mantendo aprisionados com ela todos os males do
mundo (e teremos que lidar com ela daqui para frente). Estamos falando aqui da
nova composição futura do Congresso Nacional. Teremos de lidar com essa múmia todos
os dias. E já estamos começando a aprender como funciona a indústria de “fake News”
do bolsonarismo.
·
Investidas contra o regime de liberdades
partem de “múmias” que acordaram não só no Brasil, mas no mundo inteiro.
Trata-se de um fenômeno das sociedades contemporâneas em tempos de redes
sociais.
· O regime de liberdades (democrático), em nome de seus valores pluralistas, ainda se defende muito mal.
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