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“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Filme 06: "O Menino e o Mundo".

- Há o lúdico, o ingênuo e engraçado, que vai falar direto às crianças. Mas é também um filme político, pois na trajetória do protagonista atravessam-se os diversos estágios que o capitalismo conheceu ao longo dos séculos.
- O longa acompanha a jornada do Menino à procura do pai que saiu de casa em busca de melhores condições de vida para a família.
- O enredo começa com a família morando numa pequena fazenda, onde plantam para consumo próprio. O Pai, a Mãe e o Menino vivem uma vida simples, mas repleta de carinho e música.
- Quando surge a ideia de produção --que envolve patrão e empregado-- esse pequeno paraíso desaba. A ida do Pai para a cidade é um sintoma da industrialização, do trabalho assalariado, da mecanização e repetição do gesto de trabalho, e, também, do aumento da exploração.
- A cidade ao mesmo tempo se moderniza e evolui desgovernadamente, precisando lidar com as consequências. A cada novo estágio da produção, novos problemas surgem, o que inclui a perda da individualidade, até culminar no mundo globalizado, onde o centro explora a periferia em nível mundial.
- O ponto de vista do filme nunca abandona o olhar ingênuo do Menino, que assiste a tudo sem compreender direito todas as implicações. No entanto, essa lacuna é suprimida pelo público (especialmente adulto), capaz de compreender o significado mais amplo de cada cena.
- Da dialética entre o Menino e o Mundo surge o enfrentamento, num primeiro momento. Ao mesmo tempo, é esse próprio mundo que está sendo destruído com o avanço do capitalismo.
- Nesse momento, rompe-se o lúdico e entram em cena momentos documentais de filmes como "Iracema", de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, "ABC da Greve" e "Ecologia", ambos de Leon Hirszman, mostrando a degradação ambiental, estágio máximo a que chega a distopia futurista retratada no filme. Porém, é claro, fala-se do presente, e, nesse sentido, o filme serve com um sinal de alerta para as crianças.
- Praticamente sem diálogos --algumas frases são faladas de trás para frente, como o nome do protagonista Oninem-- os sons são fundamentais para contribuir na expressão dos sentimentos e na evolução da trama.
- O garoto guarda uma memória do pai --o som que ele produzia com uma flauta, e é essa lembrança que o guia na busca.
- O filme mostra a triste vida dos adultos.
- Os traços desta animação brasileira sugerem a ingenuidade, a infantilidade. O personagem principal é desenhado com um rabisco simples, em 2D, sobre espaços brancos remetendo a folhas de papel. A evolução do cinema animado tem sido cada vez mais associada ao desenvolvimento tecnológico, de modo que assistir a O Menino e o Mundo provoca uma surpresa. Enquanto as grandes produções buscam os traços realistas (como o cabelo ultra natural do príncipe de Shrek, ou a grande expressividade do robô Wall-E) para compor mundos mágicos, este filme faz o caminho inverso: usa traços que beiram o surreal para falar de um Brasil bastante palpável e contemporâneo.
- A história, sabiamente contada sem palavra alguma (algo que pode facilitar a exportação do filme), mostra uma criança pobre cujo pai abandona a família para ir trabalhar em algum lugar distante. O cenário familiar é rural, mas o mundo para onde partem os adultos é o da cidade grande. Estes ambientes – personagens centrais à trama – ganham uma caracterização expressiva e inteligente: enquanto o campo é simbolizado por pequenos traços coloridos (referente à grama, à felicidade), a cidade é uma mistura cinzenta de pesadelo futurista (com favelas em formas de cones) e pastiche do capitalismo (outdoors, televisores por todos os lados). O trem que atravessa a fazenda nada mais é do que um monstro gigantesco, como uma serpente, que engole os adultos e depois desaparece no espaço branco, sem devolvê-los mais.
- Com um ritmo agradável, sem apelar para a montagem frenética das animações infantis hollywoodianas, o diretor Alê Abreu dedica-se a representar de maneira lúdica os espaços e as configurações do mundo contemporâneo. A exploração dos agricultores, a falência das fábricas, a tristeza dos tecelões, a precariedade dos artistas de rua, a falta de estrutura nas comunidades carentes, o regime militar... Tudo é retratado de modo a misturar o sonho (a bela música das favelas) com o pesadelo (os tanques de guerra, transformados em animais gigantescos). Os pobres são humanizados ao máximo, com a câmera próxima dos pequenos traços que representam os seus olhos tristes, já os poderosos estão escondidos atrás de tanques e veículos potentes.
- O Menino e O Mundo também impressiona pela mistura de técnicas, incluindo colagens, carros feitos por computador (representando a desigualdade social) e mesmo imagens em estilo documentário, de árvores sendo cortadas em florestas. Junto da trilha sonora de cunho social, composta pelo rapper Emicida, fica evidente a notável ambição deste filme de entreter ao mesmo tempo em que estabelece uma mensagem muito clara sobre a sociedade atual. Talvez as crianças não consigam entender todas as referências históricas, mas nem precisa: a simples sensibilização às desigualdades como mensagem central já é um tema raro e precioso em meio a tantas produções que preferem martelar na cabeça dos pequenos os mesmos valores de amor familiar.
- Esta acaba sendo uma produção triste, amarga, por trás do tom colorido da superfície. O Menino e o Mundo lembra produções como A Viagem de Chihiro ou O Mágico, de mestres da animação Hayao Miyazaki e Sylvain Chomet, que contrastaram muito bem o mundo idealizado da infância à vida embrutecida dos adultos. O tom de melancolia impregna este filme de excelente qualidade técnica, além de uma inventividade ímpar na representação dos espaços e do som (quer cena mais bonita do que o garoto guardando numa caixa a música tocada pelo seu pai?). Esta é uma produção capaz de divertir e suscitar a reflexão de crianças e adultos, por razões diferentes e em níveis distintos. Estas qualidades fazem de O Menino e o Mundo um filme muito mais complexo e rico do que os seus simples traços permitem imaginar.
- As escolhas ousadas e arriscadas do diretor e sua equipe mostram sua razão de ser a cada cena --como outra coisa impressionante, o uso do branco. Com "O Menino e o Mundo", Abreu fez um pequeno milagre, um manifesto necessário e instigante que merece ser duradouro e visto por crianças e adultos também de muitas gerações por vir.

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