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“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Filme 05: "Anomalisa".

Uma forte reflexão sobre as relações humanas...

Na trama, Michael Stone é uma espécie de celebridade do mundo corporativo de atendimento ao cliente. Autor de um livro “de sucesso” sobre o assunto, ele está de passagem, por uma noite, pela cidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, onde tem uma palestra agendada. Assombrado por uma relação do passado, o pobre homem, casado e com filho, acaba se envolvendo – ele também procura – com uma fã, a tímida Lisa (cujo nome já dá uma pista do título), em detrimento da amiga dela, considerada mais “bonita”.

O filme conta com apenas três nomes no time de dublagem. A história é simples, os diálogos, idem, embora reveladores. Há humor e até sensualidade (têm nu frontal) nos bonecos. Do cartão magnético de quarto de hotel que só funciona na quinta tentativa, passando pelo small talk (a conversinha fiada) do taxista que conduz Michael Stone no início do filme, até a maneira como uma pessoa se mostra para um desconhecido, as sutilezas do cotidiano e as complexidades das relações humanas são capturadas. Anomalisa cumpre a função do cinema, em última análise, de emocionar (para o bem e para o mal). É o mundo pelo ponto de vista dos losers – ou, pelo menos, por quem tem coragem de admitir as derrotas. De cortar o coração. Mas quem disse que o mundo é justo?

Retratos cinematográficos sobre amor, solidão e desalento existem aos montes, mas poucos têm a alma exalada por Anomalisa (idem, 2015). O motivo da viagem, de curta duração, é uma palestra para discorrer sobre um de seus livros de autoajuda, intitulado Como posso ajudá-lo a ajudá-los?, que vem fazendo o maior sucesso. Porém, Michael não se parece em nada com um autor de livros dessa vertente, a começar pelo semblante desgostoso e pela falta de paciência em travar diálogos, mesmo com interlocutores nitidamente amistosos.

A postura estoica diante da vida parece sequela de relacionamentos malfadados de um passado nem tão distante, e o pouco que vai sendo descortinado a seu respeito mostra um homem difícil de conviver, de baixa tolerância a eventos e atitudes cotidianas que muitos deixam passar batidos. Um detalhe que logo chama a atenção e pode incomodar a audiência é o fato de todos os personagens com os quais Michael interage terem a mesma voz, não importando se são homens, mulheres ou crianças. Todos são dublados por Tom Noonan. Esse detalhe nada tem a ver com economia no orçamento do longa (que ficou em 8 milhões de dólares): antes, é mais um indício de como, para seus sentidos, o mundo e as pessoas se tornaram anódinos. E é justamente por conta de um som vocal distinto que seu modo de encarar o outro acaba sendo revolvido.

É uma coleção de sujeitos complicados e deslocados, que enxergam a vida como um baile por onde as pessoas transitam mascaradas. É uma metáfora gasta, mas ainda não perdeu a validade. Todos temos que lidar com ela e, ao mesmo tempo, somos responsáveis por ela, mas, essa realidade é muito mais caótica.

Lisa é esse sopro de novidade urgentemente bem-vindo, uma anomalia em meio a uma homogeneidade exasperante. A estranheza do título, um aparente trocadilho com a pintura enigmática de Leonardo DaVinci, tem sua explicação em um diálogo simples e lindo, que fala de nossa predisposição (ou da maioria) de rapidamente fazer seu mundo girar em torno do objeto do nosso desejo ou admiração. Michael se propõe a ajudar a ajudar, mas precisa mesmo é ser ajudado. Um dos pouquíssimos senões da obra é chegar ao fim apressadamente, quando poderia tê-lo depurado um pouco melhor. Entretanto, talvez esse desconforto com o encerramento seja a dificuldade em dizer a adeus a Michael, que carrega consigo um pouco de mim e de você, ainda incapazes de lidar tranquilamente com o que outro poderia ser, mas não é. O filme foi capaz de reascender uma questão muito importante do nosso dia-a-dia: afinal, onde está a real necessidade de nos conectarmos com as pessoas?

O diretor do filme, Kaufman, te leva ao cinema (ou até a cadeira ou poltrona de casa mesmo) e pode até te fazer rir, mas será mais por incômodo ou até mesmo dificuldade em compreender o que foi que aconteceu. Vai te fazer pensar uma, duas e até três vezes sobre o que acabou de ver. Vai sair do cinema com pontos de interrogação fazendo ciranda sobre a sua cabeça. Ou ainda, pontos de interrogação intercalados com pontos de exclamação.

O que sentimos é confuso e misturado como a própria cabeça de Michael Stone. Será que Michael é realmente bom como ele acredita ser? E será que não é apenas um ego gigantesco cada vez mais alimentado por ele próprio e toda a apreciação que passeia em volta dele? Seu ego pode ser imenso, mas ele também se culpa e se cobra de ações que poderiam ter levado sua vida em outra direção. E nos perguntamos se ele seguiria essa outra direção, caso ela aparecesse para ele. E ainda, se ao seguí-la, estaria ele em paz finalmente? No final das contas, Michael talvez seja apenas mais uma vítima da sociedade imediatista e caótica em que vivemos hoje em dia. Nada vai fazer muito sentido até que ele realmente queira colocar em pratos limpos que tipo de verdades irá suportar ou fingir que não o afetam.


Anomalisa é uma excelente animação desanimada. 

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