“Estava encantada demais com a descoberta para renunciar a ela”.
(Marilena Chauí, “Em defesa
da educação pública, gratuita e democrática”).
Em um de seus escritos, Marilena Chauí explica porque se dedicou à filosofia.
Segundo a autora, “ela me chamava desde o final de minha infância”. E daí cita 05 recordações muito vívidas:
1) abriu um livro sobre filosofia da educação (“Sócrates” e “maiêutica”);
2) abriu um livro sobre introdução à psicanálise (“inconsciente” e “complexo
de Édipo”);
3) o primeiro romance “Quo Vadis” (existência ou não da alma nas mulheres);
4) o livro: “Socialismo
utópico e socialismo científico”. E o que descobriu? Descobriu que... “[...] a luta
pela justiça, pela igualdade e pela liberdade não era uma luta moral, nascida
do espírito da caridade, mas uma ação política consciente determinada pela
própria história. Era possível uma sociedade nova, justa e igualitária não
simplesmente por causa de nossa indignação diante da injustiça e da
desigualdade, mas porque era possível compreender suas causas e destruí-las”
(p. 25).
5) Aulas de João Villalobos (curso de lógica: expôs o conflito entre Parmênides x Heráclito; a diferença entre a argumentação de Zenão x Górgias). E descobriu Espinosa e Maurice Merleau-Ponty. “[...] não podia tolerar a cultura da culpa em que fomos criados e sentia que era preciso encontrar uma outra ética em que a liberdade e a felicidade pudessem identificar-se – essa procura iria conduzir-me a Espinosa” (pp. 25-26).
Pensar é a
virtude própria da alma, sua excelência (Espinosa).
Para ser inteiramente homem, é preciso ser um pouco e pouco menos homem (Merleau-Ponty).
A experiência de Marilena Chauí perpassa pelo contato com livros. Essa experiência, amadurecida hoje, traz sua concepção forjada de docência e de luta pela universidade.
1.
Uma
ideia de docência que cativa Marilena Chauí: “[...] o
ensino é formador quando não é transmissão de um saber do
qual nós seríamos senhores, nem é uma relação entre aquele que sabe e
aquele que não sabe, mas uma relação
assimétrica entre aquele cuja tarefa é manter
vazio o lugar do saber e aquele cujo desejo é o
de buscar esse lugar. [...] há ensino filosófico quando o professor não
se interpõe entre o estudante e o saber e quando o estudante se torna capaz de
uma busca tal que, ao seu término, ele também queira que o lugar do saber
permaneça vazio. Há ensino filosófico quando o estudante também se torna
professor, porque o professor não é senão o signo de
uma busca infinita, aberta a todos. [...] é o sentido da liberdade que
preside ensinar e aprender” (pp. 28-29).
2. Luta contra a destruição da universidade pública e laica, feita pelo Estado brasileiro, sob os efeitos da sociedade administrada: 1) imposição da universidade funcional: feita para a classe média para rápida ascensão social por meio dos diplomas universitários (“[...] Foi a universidade da massificação e do adestramento rápido de quadros para o mercado das empresas privadas instaladas com o “milagre econômico [...]” (p. 28)). 2) implantação da universidade operacional: sob os efeitos do neoliberalismo, fez desaparecer a universidade como instituição social destinada à formação e à pesquisa, surgindo em seu lugar uma organização social duplamente privatizada: “[...] de um lado, porque a serviço das empresas privadas e guiada pela lógica do mercado; de outro, porque seu modelo é a empresa privada, levando-a a uma existência puramente endógena, voltada para si mesma como aparelho burocrático de gestão, fragmentada internamente e fragmentando a docência e a pesquisa. Essa universidade introduziu a ideia fantasmagórica de “produtividade acadêmica”, avaliada segundo critérios quantitativos e de acordo com as necessidades do mercado. Essa imagem da produção universitária tem sido uma das causas de sua degradação interna e de sua desmobilização externa, pois é uma universidade que despreza o pensamento e o ensino” (p. 28).
Enfim, não foi Marilena Chauí quem encontrou a Filosofia, mas a Filosofia que a encontrou. Um encontro que se tornou recíproco e
duradouro na trajetória de estudante engajada que foi e professora/intelectual/pensadora que é. Lindo!

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