Narrativas históricas, poéticas e sensíveis...
"Em tempos de redes sociais, estamos sendo treinados a revelar a vida íntima dos outros e a encobertar o debate público da política 'do nós'. Por quê? Por que fazer isso se toda história individual é também coletiva?" (NL Silva).
Com base em um time de especialistas, formado por professores universitários, críticos literários e escritores premiados ao longo do último ano, foram escolhidos livros de qualquer país ou gênero literário, publicado no Brasil em 2025, e que foi um destaque na literatura neste ano. O resultado...
1. “A Insubmissa”, de Cristina Peri Rossi (Editora Bazar do Tempo);Romance de formação da
infância e amadurecimento, com foco na rebeldia e no aspecto subversivo da
autora pela luta de resistir às tentativas do mundo de aniquilar sua
insubmissão.
2. “O Discurso Vazio”, de Mario Levrero (Editora Companhia das Letras);
Romance comprometido com o
vazio, visando combater a paralisia sem livrar-se dela – uma literatura que
subjaz ao tédio e à depressão. Feito por duas ideias principais, uma é atrevida
e irônica, mostrando que uma mudança na letra serviria para alterar o
comportamento de quem escreve, e assim ordenar a mente tomada pelo caos; a
outra, o discurso vazio, é o registro discreto, deliberadamente monótono, capaz
de capturar, nos incidentes cotidianos, a radiação de formas literárias
ocultas. A narrativa se contorce numa espécie de sala de espera – onde nada
acontece. Toda promessa de duração é sistematicamente interrompida por ruídos e
forças externas, criando uma atração cuja chave é a iminência, e expectativa das
coisas laterais. Enfim, o livro mira na doença que tomou conta da humanidade
nas décadas seguintes: a dispersão, o excesso de estímulos, o cansaço... “Só as coisas inúteis são imprescindíveis
para a alma. Contra a maquinaria do consumo, são as paisagens desérticas que
fazem o tempo desacelerar”.
3.
“Nossa Vingança
É o Amor”, de Cristina Peri Rossi (Editora 34).
A história de uma mulher
latino-americana que não se submeteu à ditadura, desafiou a moral e os bons
costumes e faz um passeio pela história da América Latina, suas mulheres e sua
literatura – uma história sobre desejo.
4.
“Ajeum Bó:
Histórias da Culinária Ancestral”, de Vovó Cici de Oxalá e Marlene da
Costa (Editora baiana Segundo Selo).
Com abordagem textual
sinestésica, multissemiótica e multimodal, centrada na literatura-terreiro:
corpo negro, matrizes africanas e gêneros que vêm de tradições ancestrais,
combinados em alimentos-palavra. Culinária afro-baiana e tradição africana e
negro-brasileira pesam em nosso país. A obra permite o trabalho com as questões
negras e africanas, dentro da perspectiva da lei 10.639/03. Seu texto literário
se come com as mãos e os pratos deliciosos devem ser lidos diretamente no
paladar como textos.
5.
“Autobiografia
do Algodão”,
de Cristina Rivera Garza (Autêntica).
Feito de escrita memorialística
e política, ensaística, mas também fabulatória. A autora investiga a trajetória
de sua família de agricultores até a chegada de seus pais ao ensino superior,
perpassando, em paralelo, com a história contemporânea mexicana, nos lembrando
que toda história
individual é também coletiva.
6.
“Ayaï! O Grito
da Literatura”,
de Hélène Cixous (Bazar do Tempo).
Uma chama para ‘re-pensar a
literatura’. E a tese da autora a respeito da escrita literária é a seguinte: “Quando
o mundo se perde, o Eu se perde e essa perda não deixa de ser a chance de
deixar falar os livros da biblioteca, de ouvir as cartas da pré-história, essas
cartas que desmantelam o sentido e liberam os sons”.
7.
“Batida Só”, de Giovana
Madalosso (Editora Todavia).
Literatura para seres
contemporâneos, o livro dá voz a uma mulher confrontada pela violência urbana e
por uma arritmia grave. A narrativa pulsa no ritmo das urgências do corpo: o
medo da próxima batida, a sexualidade travada pela química dos medicamentos, o
embate entre fé e lógica, a conexão com outra dor além da própria, porque ‘é no
flagelo do outro que nos tornamos mais humanos’.
8.
“Consigo
Inventar Tudo”, de Julia Barandier (Barandier).
O romance investiga e recria a
figura de um antepassado da autora (o pintor Claude Barandier), com muita
obsessão, para revelar uma pesquisadora que preenche as lacunas da documentação
e da memória, borrando os limites entre realidade e ficção.
9.
“Na ponta da
Língua”, de
Caetano W. Galindo (Companhia Das Letras).
Livro que leva a linguística
para os leigos, com o mérito de tratar um tema árido de maneira leve. Ao
percorrer a formação das palavras que nomeiam partes do corpo humano, o autor
transmite princípios complexos de linguística e ensina os mecanismos de mudança
dos idiomas sem deixar de polvilhar curiosidades históricas bem-humoradas. Ele
seleciona um conjunto específico de palavras (as partes do corpo) e demonstra a
universalidade dos conceitos tratados de modo instigante e intelectualmente
honesto. Você descobre o quanto a etimologia pode ser pop se apresentada com o
tom e a roupagem adequados.
10.
“Natação”, de Luis S.
Krausz.
Um romance do formação,
dividido entre a rotina corporativa e estudos universitários ‘inúteis’, com um
protagonista quebra-cabeça ao qual falta uma peça, em que, de forma sutil, um
professor de natação procura ajudá-lo nessa procura por si mesmo. Como em uma
natação, os fins importam, claro, mas é preciso atentar para o caminho que
percorremos. Enfim, o livro prova que qualquer gênero narrativo, por mais
explorado que já tenha sido na história da literatura, sempre rende bons frutos
quando manuseado por autores talentosos. Ou seja, não existe tema ou modelo
gasto, existem bons e maus ficcionistas. Estamos diante de um bom.
11.
“Oswald de
Andrade: Mau Selvagem”, de Lira Neto.
Uma biografia contemporânea de
um autor-chave do modernismo brasileiro – genial, complexo e contraditório. A escrita
é leve, a pesquisa é consistente e feito de bom humor. Oswald não é colocado
nem num trono, nem num patíbulo, mas mostrado em seu lugar central na tradição
literária do século 20.
12.
“Poesia &
Agora”,
de Edimilson de Almeida Pereira.
Pense em uma escrita política
no seu melhor sentido do termo... O autor tensiona a palavra e, a partir de
tudo o que ela pode oferecer, indaga o país, a História, a vida ao redor. Com
dicção sofisticada e tocante, acompanha nessas últimas décadas o que ocorreu,
apontando o que não conseguimos ver, o que não queremos ver – tomando o mundo
maior para que possamos, enfim, nos enxergar dentro dele e questionar nossa
própria presença.
Outras 12 sugestões...
1.
“A Árvore Mais
Sozinha do Mundo”,
de Mariana Salomão Carrara.
2.
“Tantra e Arte
de Cortar Cebolas”,
de Iara Biderman.
3.
“O Último dos
Copistas”, de
Marcílio França Castro.
4.
“Modernismo
Negro de Jorge Augusto, de Jorge Augusto.
5.
“Gaiolas de
Concreto Armado”, de
Paula Novais.
6.
“O Invencível
Verão de Liliana”, de
Cristina Rivera Garza.
7.
“Malhada das
Graúnas”, de
Márcia Moura.
8.
“Ressuscitar
Mamutes”, de
Silvana Tavano.
9.
“Diário da Casa
Nova”, de
Lilian Sais.
10.
“O Bom Mal”, de Samanta
Schweblin.
11.
“O Polonês”, de J.M. Coetzee.
12. “Meu passado Nazista”, de André de Leones.
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