Para fazer uma guerra, você só precisa de um pretexto. Quando esse subterfúgio não existe, inventa-se um. Logo, na verdade, para fazer uma guerra você precisa de interesses e uma boa narrativa que conquiste a opinião pública.
É exatamente isso que está fazendo o governo de Donald Trump, ao acusar o regime de Nicolás Maduro de supostamente usar receita do petróleo para financiar atividades terroristas, o narcotráfico e de roubar os EUA. Com essa alegação, Trump acha justificativa para ordenar o bloqueio total de 30 petroleiros que entram e saem da Venezuela, isto é, que estão sob sanções e navegam pelo país. Assim, a medida atinge embarcações sob sanções do governo dos EUA. Ou seja, o objetivo da medida é facilitar a asfixia das finanças do governo.
Na verdade, a medida de Trump é pressionar Maduro. Uma pressão inconveniente, pois o regime venezuelano foi designado como organização terrorista estrangeira (FTO em inglês), um termo que não enquadra países ou governos, mas sim grupos armados, milícias ou movimentos políticos. Esse é o modus operandi de líderes da extrema direita, como o próprio Trump (EUA), Jair Bolsonaro (aqui no Brasil), Javier Milei (Argentina) e agora o José Antonio Kast (Chile).
A estatal venezuelana DPVSA e seus 23 petroleiros é um dos pontos de cobiça. Certamente, um bloqueio naval ao petróleo tiraria do regime chavista sua maior fonte de receita. Afinal, mais de 90% das exportações venezuelanas vêm do petróleo e cerca de 60% das receitas do governo dependem diretamente do setor petrolífero.
Vale ressaltar que, no meio desse embate todo, fica a população. Parte dela é transformada em emigrantes que, ao ter a vida arruinada, foge para outros países na esperança de recomeçar. Só no Chile, são mais de 300 mil imigrantes em situação irregular, a maioria deles venezuelanos (38% do total de 1,9 milhão de estrangeiros, 10% da população do Chile). E o que o governo local propõe? A criação de um corredor humanitário de devolução dessas pessoas. Cerca de 7 milhões de venezuelanos emigraram desde 2014, fugindo desse colapso humanitário, político e econômico gerado pelo embate EUA x Venezuela.
[Nota: a Argentina é o país que mais concentra imigrantes em números absolutos – 2 milhões]. Aliás, o capitalismo se retroalimenta de seus problemas gerados. A miséria é transformada em capital, não só financeiro, mas também político. A extrema direita aprendeu a politizar os problemas do povo como capital político. As promessas de Kast (no Chile) de acabar com a crescente violência, deportar milhares de imigrantes em situação irregular e melhorar a economia debilitada selaram sua vitória no segundo turno das eleições presidenciais neste mês (dezembro/2025).
Enfim, obviamente, o que está em jogo não é apenas um cerco ao chavismo. Mas, a tomada de poder da própria Venezuela e a posse do seu petróleo, as terras e tudo o mais. Como se nota, o poder da retórica, ainda que irracional, é um lembrete de que os recursos naturais da Venezuela (territórios e bens) são o verdadeiro foco da agressiva pressão da Casa Branca.
O pretexto para uma intervenção militar é provocar uma guerra para saquear o território invadido, pintando o rival de “narcoditador” e se fazendo de vítima. Isso fica bem claro nas palavras de Marco Rubio, secretário de Estado norte-americano:
“Os
EUA continuarão usando todas as ferramentas disponíveis para proteger nosso
país e deter as campanhas de violência e terror cometidas pelos cartéis
internacionais e pelas organizações criminosas transnacionais”.
Percebe? Pintar o vizinho de vilão, e dizer que ele usa os recursos para o mal, é uma forma picareta de armar guerra contra ele para tomar seus bens. É a psicologia da extrema direita!
A
Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo (cerca de 300 bilhões de
barris, principalmente extra-pesado), mas enfrenta baixa produção (cerca de 1
milhão de barris/dia, menos de 1% global) devido à infraestrutura precária e
sanções, apesar de exportar mais de 500 mil barris/dia, com a China sendo
grande compradora, e os EUA aumentando importações, enquanto tensões
geopolíticas elevam riscos no mercado.
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