Independência é projeto de liberdade.
A Independência do Brasil não é uma espada levantada ou um simples grito entoado há 203 anos atrás. Com retrocessos, permanências e avanços, ela é um projeto contínuo de liberdade e revoluções.
O que se comemora no dia 07 de setembro na verdade foi uma aliança de interesses entre realeza e elite dirigente, com disposição autoritária e absolutista de um lado, e comércio livre e capitalista do outro. Rompeu-se com o monopólio e a dependência política de Portugal, mas deixou o Brasil vulnerável a interesses hegemônicos da Inglaterra e outras nações. Herdamos uma estrutura hierárquica comandada por comerciantes, grandes proprietários rurais, traficantes de escravos e funcionários de alto prestígio, sem falar do legado cultural e simbólico, presentes não só no racismo estrutural como também no forte preconceito contra o trabalho manual, tido como desonroso e ocupação de desclassificados.
O País rompeu seus vínculos com Portugal, porém, manteve reformada sua perversa estrutura social. Mantém a escravidão, o latifúndio, o analfabetismo, a concentração de riquezas... Manteve uma mesma elite brasileira que continua mandando no “Brasil Independente”, recusando não só o pagamento justo e equitativo de impostos, mas equidade e a justiça social. É a ostentação e a soberba dos costumes brasileiros, com distinções de poder e honra, autoridade, hierarquia, presunção e o orgulho tolo, mesmo sobre tarefas simples do cotidiano. A memória da Independência do Brasil ainda é construída em cima de indivíduos especiais e heroicos, mas sabemos que sua verdadeira consolidação só se dará como obra coletiva de lutas e avanços sociais.
Aliás, seria incompleto falar sobre a Independência do Brasil sem destacar o papel da África nesse processo. Foram mais de três séculos fornecendo mão de obra escrava e garantindo a produção colonial na América. De cada lado do Atlântico, o tráfico negreiro nos portos, os interesses comerciais e as vinculações familiares tornaram possível a montagem desse cenário produtivo, monopolizado e comercial pela então elite dirigente. Foi essa elite quem comandou o processo de independência, impôs sua dominação sobre as demais regiões, alijou setores sociais subalternos da participação política e garantiu a manutenção da escravidão. Os “homens da Independência” nada mais foram que agentes políticos argumentando e se empenhando no encaminhamento de uma política de acomodação dos interesses divergentes, para possibilitar a formação de um Estado monárquico-constitucional e a consequente continuidade de edificação de um poderoso império.
Segundo dados de historiadores e especialistas, o Brasil de 1822 tinha aproximadamente 4,5 milhões de habitantes e 99% dessa população era analfabeta, com 5% apenas de idosos e expectativa de vida de 25 anos! Hoje, no século XXI, passamos dos 212 milhões de habitantes, com menos de 10% de analfabetos e chegaremos a 40% de idosos, com expectativa de vida de 76 anos. Estaríamos assim hoje sem revoluções de resistência pela autonomia e emancipação política, econômica e social?
Tudo isso mostra que é preciso fortalecer a consciência nacional ou a identificação definida da soberania brasileira. Nenhuma Independência ocorre sem o desenvolvimento da autoconsciência política, econômica, cultural e ideológica, acompanhada da reivindicação de autodeterminação delas. Sem isso, a história revela aglutinações internas ou movimentos separatistas que acabam lutando pela substituição de um tirânico por outro, tornando a independência um fenômeno social incompleto. É preciso ir além, e avançar essa espiral de liberdade e democracia. Afinal, só a autonomia crítica aliada ao desenvolvimento social reunirão as gerações do caboclo, do sertanejo, do indígena, da mulher, do branco pobre e do negro marginalizado em novas e originais resistências para evitar neocolonizações.
Ou seja, só não lutamos mais e melhor por falta de condições e permissões. Afinal, todo soldado, assim como todo cidadão, precisa de capacitação intelectual e instrumental para vencer as batalhas da vida e entregar bons resultados à nação. Em vez de reformas e imitações conjunturais, mudanças estruturais e invenções genuínas. No dia em que tivermos essa vontade, a participação política popular colocará fim aos privilégios socioeconômicos das elites brasileiras e se transformará em um povo verdadeiramente empoderado, livre e independente. Desse modo, o exercício do poder se legitimará por um ato de vontade da maioria ou por uma delegação política baseada no princípio da igualdade. Tornaremo-nos livres dessa herança dinástica assentada sobre privilégios seculares, como esses atuais na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Enfim, independência não é pacto político com tempero tropical de um príncipe absolutista e uma elite escravista e liberal. Não pode ser um acordo restrito e centralizado apenas aos grupos partidários dominantes. É pelo passado e pelo presente que a independência é um projeto contínuo de liberdade do povo, movido por um sentimento nacional coletivo. Esse projeto só terá futuro se for uma arte da educação e da não violência de todos nós, o que implica engajamentos e superações - de "tarifaços", do comércio injusto, da concentração de riquezas e privilégios, da extrema direita, do neofascismo, da depredação do meio ambiente e da fome.
Tratou-se de uma contrarrevolução: não houve rebeliões sociais de maior importância: as forças populares, que de qualquer forma eram fracas – e divididas por classe, cor e posição legal – foram contidas com sucesso; nenhuma concessão relevante foi feita aos grupos menos privilegiados da sociedade; sobretudo, a instituição da escravidão sobreviveu (embora o tráfico de escravos estivesse agora sob ameaça). Fora feita uma revolução conservadora. Quando olhamos mais de perto o produto final da Independência do Brasil, notamos a aproximação mais estreita da Coroa portuguesa com a oligarquia agrária brasileira para satisfazer seus interesses econômicos e políticos. É histórica a condição precária de vida das pessoas pobres, com grande parte da população obrigada a realizar trabalhos pesados nas lavouras e minas para se sustentar. Nesse contexto, embora surgissem diversas manifestações populares de insatisfação contra o governo, nas quais o povo reivindica melhores condições de vida, seja com caráter mais social do que político, acabam sendo duramente reprimidas pelos poderosos. Mas, sem elas não há qualquer esperança de mudança social. Aliás, é comum até haver apoiadores de direita aderindo à causa das lutas, mas principalmente por causa do aumento dos impostos. Parte das elites apoiam seus colonos, mas como forma de proteger seus interesses políticos e econômicos. Apesar de lutarem em algum momento pela liberdade política e econômica, procuram manter a estrutura social vigente. E logo se voltam contra o grupo, trai o movimento, que acaba se desintegrando e, seus líderes, perseguidos ou executados.
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