Uma luta pelo controle das indústrias tecnológicas
que definirão a liderança global nas próximas décadas.
No tabuleiro geopolítico, a guerra tarifária dos EUA é uma estratégia para
enfrentar o progresso tecnológico da China. E a
resposta do dragão é de que não haverá concessões.
Assim, o que está em jogo é o domínio da indústria
tecnológica global.
E o combustível que alimenta todo esse processo tem um nome: “Minerais Críticos” (lítio, cobalto, grafite, terras raras e elementos do grupo platina).
Já sentimos que tecnologias críticas são essenciais para o crescimento econômico e a segurança nacional. Os EUA também já sentiram que sua capacidade tecnológica de competição está abalada pela China. Assim, a jogada de tarifas imposta por Donald Trump visa mais que abalar o comércio bilateral. O que realmente está em disputa é o domínio da indústria tecnológica global.
A China representa o maior desafio de ritmo enfrentado pelos Estados Unidos — ou seja, é a China quem estabelece o compasso em diversas áreas de capacidades estratégicas, e é esse ritmo que os Estados Unidos precisam superar para dissuadir os chineses. Logo, o epicentro desse embate está nas cadeias de suprimentos, altamente concentradas na Ásia, e no avanço chinês em setores estratégicos dos EUA como baterias, semicondutores, telecomunicações e inteligência artificial. Ou seja, a China está avançando no terreno tecnológico controlado pelos EUA.
O combustível que alimenta todo esse processo tem um nome: “Minerais Críticos” (lítio, cobalto, grafite, terras raras e elementos do grupo platina – insumos essenciais para tecnologias estratégicas, como baterias, veículos elétricos, eletrônicos e energia renovável). O maior desafio para os EUA não é apenas ampliar a produção tecnológica no território nacional, mas garantir sua integração e implantação efetiva, o que remete a esses minerais críticos (não são escassos, mas de alto risco de interrupção no fornecimento, seja por disputas geopolíticas, barreiras comerciais ou dependência de poucos países produtores).
Por que o “tarifaço” de Donald Trump foi chamado de “bullying econômico” por Xi Jinping? Porque é exatamente isso mesmo o que acontece. A estratégia de Trump é desestabilizar o mercado chinês diante de seus parceiros comerciais. A volatilidade de tarifas e retaliações compromete a construção de um ambiente tecnológico estável – terreno sobre o qual a China avança porque tem condições físicas e humanas para tal. O controle sobre a extração de minerais críticos, refino e exportação tem se tornado um instrumento de poder geopolítico, com a China exercendo liderança global em boa parte dessa cadeia.
Veja a indústria global de semicondutores, por exemplo, ela envolve uma cadeia interdependente composta por projetistas de chips, fundições, fornecedores de equipamentos e produtores de materiais espalhados por diferentes países. Empresas americanas como NVIDIA, Qualcomm e Intel lideram o design de chips avançados, mas dependem de fabricantes localizados em Taiwan e na Coreia do Sul, que por sua vez contam com equipamentos do Japão e da Holanda, além de materiais processados na China. Enquanto os EUA se concentram no design — segmento de maior margem de lucro —, a produção é terceirizada para fundições como a TSMC. Após a fabricação, os chips seguem para o Sudeste Asiático, onde são montados, testados e embalados, antes de serem enviados para fábricas no mundo todo.
Entendeu? Tarifas sobre importações da China, México e Canadá — somadas às aplicadas sobre aço e alumínio —, além das medidas retaliatórias de outros países, elevam os custos de produção nos EUA, introduzem incertezas no mercado e podem afetar decisões de investimento, além de desencadear respostas como as já adotadas pela China, incluindo restrições à exportação de minerais críticos.
Durante o primeiro governo de Donald Trump, foi idealizado o CHIPS Act — aprovado pelo Congresso norte-americano e sancionado por Joe Biden em 2022. O objetivo da medida é incentivar a produção de semicondutores nos Estados Unidos por meio de financiamento federal. O texto deixa claro que os recursos não poderão ser utilizados para construir, modificar ou ampliar instalações fora do território americano.
·
Vantagens dos EUA: inteligência
artificial, design avançado de semicondutores, biotecnologia, produtos
farmacêuticos, supercomputação e computação quântica.
· Vantagens da China: criptomoedas, pequenos drones, comércio eletrônico, veículos elétricos, reconhecimento facial, fabricação de dispositivos móveis, ferrovias de alta velocidade, tecnologia hipersônica, energia solar e eólica, além de telecomunicações.
Os
impactos:
·
Queda de 8,8% nas ações da Apple — empresa norte-americana que
mantém mais de 90% de sua produção na China (a empresa ainda pode enfrentar até
US$ 39,5 bilhões em custos tarifários);
·
Os Estados Unidos importaram, no ano passado, quase US$ 486 bilhões
em eletrônicos — o segundo maior setor em volume de importações, atrás
apenas de máquinas.
·
O foco dos fluxos comerciais da China está mudando gradualmente. Isso
se deve, em parte, à estratégia de diversificação comercial adotada por Pequim
nos últimos anos. Em 2024, as exportações chinesas para os Estados Unidos
representaram 14,7% do total — uma
queda significativa em relação aos 19,2%
registrados em 2018. Ao mesmo tempo, cresceram as remessas para países do
Sudeste Asiático e integrantes da Iniciativa Cinturão e Rota. De forma mais
ampla, cerca de 30% das exportações
chinesas em 2023 foram destinadas a países do G7, contra 48% no ano 2000. Para onde está migrando?
·
O setor de baterias exemplifica a capacidade da China de dominar
indústrias globais por meio de eficiência e integração da cadeia produtiva. Empresas
como CATL, BYD e Ganfeng Lithium lideram o mercado global a partir dessa base.
A China detém a maioria das refinarias e fábricas de componentes essenciais, como
ânodos e cátodos, e é responsável por três em cada quatro baterias de íons de
lítio vendidas no mundo, segundo a Agência Internacional de Energia.
·
A CATL, um fabricante chinês de baterias e empresa de tecnologia, é
o símbolo desse domínio. Fundada em 2011, cresceu 110% ao ano entre 2014 e 2022
e vem ampliando sua autossuficiência: metade do refino de insumos críticos já é
feito internamente. Além disso, constrói fábricas a custos quase 50% inferiores
aos dos rivais internacionais.
· Enfim, a guerra tarifária entre Estados Unidos e China escancara uma disputa que vai muito além do comércio: trata-se do controle das indústrias tecnológicas que definirão a liderança global nas próximas décadas.
Como a China ascendeu tanto
tecnologicamente?
1.
altos
investimentos em pesquisa científica de ponta;
2.
abundância
de talentos em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM);
3.
agilidade
na transição da produção de laboratório para o mercado;
4.
domínio
sobre o processamento de minerais críticos;
5.
capacidade
de escalar rapidamente a produção comercial;
6.
acesso
privilegiado a mercados ao redor do mundo, especialmente no Sul Global.
Notavelmente, a China está profundamente integrada às principais cadeias
globais de valor tecnológico;
7.
Por
exemplo, a aparição da IA Generativa chinesa, DeepSeek, que mesmo diante das restrições dos EUA à exportação de
componentes de alta tecnologia para a China, como o chip H100 da Nvidia (de
ponta mais alta) e o chip H800 (de ponta mais baixa), ambos amplamente usados
em IA, a China conseguiu superar esses obstáculos e avançar no setor;
8.
Combinando
apoio
governamental maciço e espírito empreendedor, o país conseguiu criar um ecossistema completo — ou “o
dragão inteiro”, como chamam — em regiões como Sanhe, no sul de Guangdong, onde
a produção é integrada, da matéria-prima ao produto final;
9.
As
tarifas, longe de frear o avanço chinês, expõem vulnerabilidades estruturais
dos EUA — como a dependência de cadeias
de suprimentos externas e o domínio
chinês sobre insumos estratégicos;
10. Enfim, além de participações significativas no mercado interno altamente competitivo e eficiente.
Para enfrentar esse desafio, não bastam medidas protecionistas. Será necessário um esforço
coordenado de investimento em inovação, reindustrialização tecnológica e segurança de suprimentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário