A religiosidade está na forma, não no conteúdo. Por trás do aparente “multiculturalismo”, imperam as leis ocultas do espetáculo, que a tudo igualam, padronizam e uniformizam. Assim, quem rege os seres humanos não é a religião, mas seu entretenimento – fundamentalista, com a força de um monoteísmo sem deus.
A religião do entretenimento fez do público uma plateia fanática, para a qual a democracia é só mais uma atração. Não adianta pedir que a plateia pense sobre o que faz. Na doutrina que ela abraçou com devoção, o pensamento é o maior dos pecados mortais. Talvez seja o único.
O atual jogo da direita é uniformizar as religiões pela força que as uniformiza – o entretenimento, que enquadra santos e orixás, Jesus e Jeová, mercadorias banais, atrizes sorridentes, cantoras estridentes, jogadores de futebol... O entretenimento impera. Portanto, é uma ilusão achar que estamos em meio ao politeísmo pluralista de credos distintos que convivem entre si num ambiente ecumênico ou que os megaeventos na cidade comprovam a diversidade. Não, não estamos!
Esse entretenimento que tem a capacidade de capturar as religiões, também tem a capacidade de projetar politicamente sua força em líderes perigosos. O cardápio dos sentimentos e o contorno dos afetos foram consolidados pela indústria da diversão. Ela definiu o sentido do amor, da justiça, da beleza, da comiseração e do ódio.
Seja na “Parada Gay” ou na “Marcha
para Jesus”, o que há em idêntico ou equivalente nas formas de ambas são almas
fervorosas e corpos ferventes, o combustível que move as turbinas do
entretenimento. E, neste espetáculo, sacrificam a própria energia que o gera. É
catártico! Na avenida, gera e gasta, ali mesmo em sua forma, a energia. É a
pilha que sustenta o entretenimento, que é o altar dos altares: a forma social
de qualquer religião, seja como vínculo identitário ou laço comunitário, só se
realiza se passar pela mediação da malha comunicacional orientada para o
mercado e apenas para o mercado. É como empresa privada que uma igreja se faz
ativar pelos meios de comunicação.
Esse entretenimento opera poderoso porque ele é essencialmente simbólico e implícito, falando ao nosso inconsciente: sujeição à imagem, hábitos reguladores, ritos rígidos, códigos profanos e dogmáticos.
Por graça ou interesse, as igrejas se valem dos meios de comunicação para ganhar fiéis. Começaram pelas ondas de rádio e evoluíram para os televangelizadores que cresceram e se multiplicaram em escalas miraculosas. Um cristianismo de raízes protestantes e feições evangélicas se apossou de um filão inteiro das redes: linguajar plangente, cenografia ambientada em templos vastos, figurino em traje passeio completo, coreografia expressionista. Por aqui, quando baixa o horário nobre, pregadores oram e peroram em quase todos os canais abertos. Todas as religiões, ou virtualmente todas, requisitam os préstimos e os auxílios das tecnologias midiáticas em prol da fé. O divino é um campeão de audiência. O demônio também – depende do ponto de vista do freguês. No instante em que invocaram as energias gentis do entretenimento para arrebatar assembleias maiores, as igrejas selaram um pacto, se não com o satanás em pessoa, com entidades que desconheciam e que podiam devorá-las por dentro. Não foi o espetáculo televisivo que atendeu com diligência às demandas das múltiplas profissões de fé – estas é que serviram, sem se dar conta, aos desígnios do espetáculo. Quem tomou vulto ao longo das décadas não foi a caridade, não foi o amor ao próximo, não foi o recolhimento pio, não foi a fraternidade, não foi o retiro espiritual, não foi o voto de pobreza – foi, isto sim, o transe do showbiz, foi o êxtase das receitas publicitárias, foi a indústria do sagrado lucrativo, foi o mercado do pastoreio próspero e galante.
Enfim, não importa o tema da
programação, importa somente a forma da diversão catártica. Sua dispersão é
menos perigosa que sua canalização, com a que agora foi depositada sobre o
ministro Alexandre de Moraes.
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