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Ø Se eu sou um especialista, então minha especialidade é saber como não ser um especialista ou em saber como acho que especialistas devem ser utilizados. :)



“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

sábado, 27 de maio de 2023

A cultura do cancelamento.

 

A cultura do cancelamento ocorre dentro de uma dinâmica sofrida de linchamentos virtuais. A vítima recebe uma onda de mensagens em tom de desaprovação, criando uma rotina de horror pela fúria das redes e sua truculência de conflitos – a publicação viraliza de forma negativa. Trata-se de uma tendência real, com impacto severo à saúde mental das vítimas e, até mesmo, de quem participa de ondas de ofensas nesses moldes.

O cancelamento não é quando alguém reclama, quando xinga. É fazer o julgamento sumário de alguém, querer aniquilá-lo, sem qualquer proporcionalidade e sem possibilidade de perdão. Isso é feito por meio de bullying. Ou seja, a pessoa sofre julgamentos virtuais violentos em escala.

Os impactos são de duas ordens. Na primeira, vítimas nutrem pânico constante de cometer um deslize e cair na ciranda das humilhações. Para evitar um episódio semelhante, chegam a criar personalidades alternativas para a web, cujo modus operandi consiste em não questionar assuntos polêmicos nem discordar da ideia mais bem aceita. Tudo para evitar cair em desgraça. Na outra, o impacto é mais real. Imagine caminhar nas ruas e sentir que alguém está constantemente em seu encalço, num ritmo de perseguição. Em paralelo, nota-se que os amigos fiéis de antigamente sumiram e um medo constante de ser ofendido se instala de maneira permanente. A vontade de conversar, de se expressar, gradativamente perde lugar para o receio ininterrupto de ser xingado, incompreendido e reduzido.

É possível observar uma paranoia generalizada. Há a busca por sentido de qualquer gesto e há hipersensibilidade em tudo que se vê ou se ouve (nas redes). Vivemos certa incomunicabilidade, as pessoas não conseguem mais dialogar. Culpar-se por ter falhado é algo corriqueiro, que afugenta qualquer possibilidade de descanso e bem-estar. É importante, positivo, refletir sobre posicionamentos nas redes, mas ondas de críticas do tipo abrem espaço mesmo para episódios de prejuízo emocional, culpa e silenciamento. A pessoa entra em um estado de quase paranoia, em que, qualquer coisa que vai dizer pensa que pode virar um problema. A sensação é de menos liberdade. Vai se fechando cada vez mais.

Ou seja, o impacto mais danoso é uma certa lei do silêncio – baseada no medo de cometer erros. Seria a maneira mais prudente de sobreviver nas redes. Algo bastante nocivo para a saúde e o bem-estar e do próprio autor. As pessoas sentem que não chegaram ao nível que deveriam estar (para conversar on-line). Há a preocupação constante de que as expressões causem danos. Isso leva aquele indivíduo a viver de maneira menos verdadeira, a se abrir cada vez menos. E nós só temos a perder com isso.

A dor do cancelamento é debilitante. Apesar de toda confusão se concentrar no ambiente on-line, os episódios causam danos reais e severos. Há quem entre em quadros de depressão e de grande tristeza. Em alguns casos, o trauma lembra um quadro de transtorno de estresse pós-traumático. A pessoa fica ansiosa, perde o apetite, fica debilitada. Em algumas situações, mais raras, é preciso tomar remédios em busca do equilíbrio.

O ambiente digital não é uma arena pública, é uma arena privada gamificada, é como se fosse um videogame. Como se hierarquiza conteúdos nas redes sociais? Então o linchamento virtual é um tipo de “responsabilização” por atos que a pessoa cometeu. Nem se dá a oportunidade para a pessoa ter outra opinião, de mudar de ideia. Ou seja, a própria estrutura da rede faz esse movimento render.

A dica mais valiosa para essa situação é o diálogo aberto. Afinal, para a psicanálise, o indivíduo existe a partir da relação com o outro. Daí a importância do cultivo de contatos em que a dinâmica de troca de mensagens não seja pautada pela agressividade e pelo estresse, mas pela escuta. Não é preciso fugir do discordante. O encontro com ideias conflitantes é positivo para o autoconhecimento. A grande sacada para dialogar com o outro é aguentar que não sabemos tudo. E que dá para mudar de opinião. É importante sustentar que somos incoerentes e frágeis.

Enfim, a cultura do cancelamento leva medo à vida on-line, pode ter impactos na vida real e prejudica o diálogo. Isso precisa ser conscientizado. Precisamos garantir um uso mais saudável das redes sociais.

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