Sim, há uma ponte desfeita no caminho da Educação. E ela é geradora de desigualdade!
Na perspectiva do capitalismo, o
populismo é uma ameaça. Então é preciso acalmar as revoltas populares com uma
ideia de mobilidade social pela meritocracia. Entretanto, esses meritocratas podem
se tornar uma aristocracia – e isso acontece quando se recolhe as pontes transitadas
para bloquear a passagem da segunda geração.
Para se proteger da Covid-19, um diploma universitário é quase tão bom
quanto a vacina. Ele é um instrumento importante para evitar que um revés
temporário se torne permanente. Ou seja, escolarização e alguma estabilidade no
mercado de trabalho podem evitar que as pessoas percam seus rendimentos quando
ficam doentes. Ou que percam a saúde quando estiverem sem renda.
A maioria que tem seu diploma e emprego,
está sentada em casa, trabalhando com segurança no Zoom ou no Google Meet. Já
as pessoas sem diploma universitário e baixa escolaridade que estão lá fora,
trabalhando nas lojas ou nas fábricas de alimentos, estão morrendo. Então, é
como se metade da população estivesse morrendo enquanto a outra metade está
enriquecendo. Você começa a pensar que talvez a desigualdade por si só seja o
problema, não importa se as fortunas venham de origens conhecidas.
Segundo um estudo do MEC, a conclusão de um curso universitário representa uma aumento de +182% na renda mensal dos estudantes. Isso explicaria a corrida motivacional ao ensino superior? E mais, isso também explicaria a grande competitividade e a quebra de pontes, sem que todos tenham cruzado?
O que ocorre é que colocamos em um
pedestal as pessoas que vão para a faculdade. E dessa forma criamos uma
sociedade dividida. Um terço das pessoas
pertence à elite educada e os outros dois terços se tornaram uma espécie de
classe ignorada, sem influência política, sem perspectiva, com escolas ruins
para seus filhos, e daí por diante.
Isso também cria desigualdade. Aliás, existem
muitas formas diferentes de desigualdade em curso. A desigualdade educacional é
uma delas. Há um grupo de pessoas muito bem-educadas e outro com baixa
escolarização. Junto desta há a desigualdade de representação política – há os
que defendem o capitalismo e os que defendem o populismo. É extremamente
importante atentarmos a esse tipo de desigualdade de participação política na
sociedade.
Nos
países ricos, os partidos de esquerda tiveram suas bases nos sindicatos ou nos
trabalhadores, se tornaram intelectualizados e se juntaram à elite educada. A
direita continuou representando o dinheiro que rende juros. Então não sobrou
nada para o povo que costumava ser representado pelos partidos de esquerda. Olhe o exemplo
do Partido Democrata nos EUA, que se tornou um partido de elite educada e de
minorias, e deixou todas as pessoas brancas menos educadas de fora e com
pouquíssima voz política.
Mas, não se trata apenas de um viés
privado e particular do indivíduo. Pensando na coletividade, por isso é
importante o que chamam de Rede de Segurança
Social (sem ela, uma legião de pessoas é jogada facilmente no empobrecimento).
E não é só o Bolsa Família que ajuda de forma imediata a maioria das pessoas
simplesmente ultrapassar a linha da pobreza (uma forma rápida, pontual e eficiente
de assistir os que estão precisando de ajuda urgente), mas não é suficiente
para que haja de fato mobilidade social. Aí devem entrar outras atitudes mais abrangentes,
como seguro-desemprego
e cobertura
de saúde.
Temos que enfrentar ainda outras duas
coisas paralelas:
1) o setor informal que é muito grande;
2) alguma forma de renda básica
universal, mas sem abrir mão de programas mais direcionados.
As pessoas da direita querem adotar a
renda básica universal, mas desde que se acabe com o resto da rede de
segurança. E é por isso que sou esquerda. Do outro lado, a esquerda quer ir
além, criar esse benefício universal e ampliar, também, a rede de segurança
atual (que a direita julga inviável porque “é extraordinariamente caro”). É por
isso que, embora os dois lados defendam a renda básica universal, no fundo eles
estão falando sobre coisas muito diferentes.
Então, a grande pergunta: qual é a origem da desigualdade?
Vejamos mais de perto essa tal reformulação do Currículo Nacional em uma Base Comum que precisa ser tomada na
perspectiva da meritocracia x oportunidade e desesperança. As maiores empresas
do nosso século só pensam em tecnologia e oportunidades, com um alto potencial
para pular etapas e apressar aquilo que desejam. Há um discurso com introdução
muito bonita, quando diz, por exemplo, que é preciso de mais oportunidades para
que crianças talentosas em todo o Brasil entrem nas escolas e descubram suas
habilidades. Até aqui, a meritocracia em seus primeiros estágios é ótima,
porque você pode ter pessoas talentosas fazendo trabalhos importantes. Mas aí
vem o segundo estágio que iniciamos esse texto, e com o qual se deve ter muito cuidado, pois quando a
primeira geração de meritocratas passa ela pode recolher as pontes depois que
passam, para bloquear a passagem da segunda geração – e com isso se torna uma
aristocracia reinante. Como esse grupo que aí está pode permitir a próxima geração?
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