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Ø Se eu sou um especialista, então minha especialidade é saber como não ser um especialista ou em saber como acho que especialistas devem ser utilizados. :)



“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Inveja (Parte II)


“A fraqueza dos membros infantis é inocente, mas não a alma das crianças... Vi uma, cheia de inveja, que ainda não falava, mas já olhava, pálida e colérica, seu irmãozinho mamar”. (Santo Agostinho, Livro I das Confissões).

“Nada distingue o mundo grego do nosso tanto quanto o juízo a respeito dos conceitos éticos individuais, como discórdia e inveja. O grego é invejoso e não considera tal qualidade vergonhosa, mas como dom de uma deidade benéfica. Por meio do ciúme, ódio e inveja, impulsiona os homens à atividade: não a de destruição, mas a de disputa. Que abismo de juízo ético separa-os de nós!”. (Friedrich Nietzsche).  

A inveja é um problema sério na infância. Ela impede a criança de viver a própria vida. Se não for trabalhada, pode gerar um adulto inseguro e infeliz. Ou seja, a inveja que foi descontrolada numa fase inicial reaparece nos momentos de tensão (épocas difíceis, como de doenças ou adversidades, ou ainda de mudanças e desafios) e precisa ser superada para que haja criatividade e otimismo.

Isso acontece principalmente diante de situações novas, pois fazem aflorar cicatrizes e sentimentos antigos, que precisam ser superados de novo. No entanto, as experiências novas também proporcionam a possibilidade de mudança ou de aturar melhor os antigos sentimentos primitivos. Em qualquer idade, é doloroso se conscientizar da própria inveja, tanto que sempre tentamos desmenti-la.

“Quando atacamos um objeto externo admirado, atacamos também a representação dele em nossa mente. Isso nos deixa sem um apoio interno, e a culpa do ataque afeta o nosso senso de valor pessoal. O ataque interno às pessoas e às qualidades que prezamos – os nossos ‘objetos bons’, como dizem os psicanalistas – pode provocar um sentimento de destruição e desolação interna”.

Às vezes o indivíduo não suporta não ser o melhor. Então, o ataque ao que é bom talvez não se deva apenas ao desejo gratuito de prejudicar e tenha outra motivação: destruir algo ou alguém cuja qualidade o indivíduo entende de um modo que o faz se sentir mal. Na inveja sempre existe uma comparação – inveja-se aquilo que não se tem. A inveja destrutiva é frequentemente acompanhada de uma consciência persecutória (mania de perseguição), que por sua vez implica solidão e sensação de abandono.

O invejoso não pode aceitar ajuda por não suportar que lhe deem nada. A dificuldade em ambos os sexos é aceitar algo que venha de outras pessoas.

O mundo interior das pessoas é criado em parte pelos sentimentos e em parte pela convivência com os outros. Todos temos dois tipos de consciência (a compreensiva e a impiedosa) e os usamos em momentos diferentes. Eles são constituídos por uma mistura dos nossos sentimentos e da bondade ou da severidade real das pessoas ao redor.


Como se livrar da inveja?

Os invejosos parecem ter perdido ou reprimido na origem a capacidade de se preocupar com o outro admirado. A própria capacidade de se arrepender é projetada em terceiros, como parentes ou autoridades. Eles não têm compaixão pelas vítimas, e ainda manipulam os sentimentos de outras pessoas para acabar com a vida delas.

A aflição provocada pela inveja e pela perda pode ser compensada no prazer com a vida dos outros e na gratidão para com a vida. Uma das melhores maneiras de tentar se livrar da inveja é a “troca de papeis” ou “identificação projetiva”. É uma maneira de nos livrarmos dos sentimentos indesejáveis e tentar dominar os sentimentos que queremos ter. Quando procuramos nos livrar da inveja, nós a projetamos em outra pessoa, enfatizando sutilmente as falhas dela e apontando para a nossa pretensa superioridade.

A inveja pode apontar com precisão as fraquezas e exagerá-las, em detrimento da pessoa ou da qualidade admirada. E esse processo é quase sempre inconsciente. Isso não significa que não existam outras pessoas bem conscientes da própria inveja e que parece não ter remorso dos seus ataques invejosos. Obviamente, é bem mais difícil lidar com pessoas assim, uma vez que elas são incapazes de sentir culpa ou compaixão, que podem levar à mudança, ou pelo menos a vontade de não prejudicar os outros com a sua inveja.

A paz de espírito é uma das qualidades mais invejadas. Outras são a bondade, a sexualidade pura e a inocência emocional – a inexistência de inveja. Inclusive, essas qualidades são os principais alvos de destruição da inveja avassaladora (que não mostra remorso algum). A inveja abomina o relacionamento sexual afetuoso (talvez pela raridade e beleza que possui). Espiar a relação sexual dos outros ou no mínimo pensar nisso é outra ocupação da inveja, que acredita ser toda relação amorosa submissão da vontade às paixões ignóbeis do corpo. Daí os ataques racistas e a linguagem chula que sugerem a projeção de uma sexualidade proibida, que é invejada e depois atacada.

A inveja é venenosa. Ela é constituída de ideias perigosas que, por natureza, são venenos. A princípio raramente provocam desgosto, mas logo que agem no sangue, queimam como minas de enxofre. Pessoas dominadas pela invídia são peritas em usar a inveja para manipular e devastar, pois sabe exatamente como seduzir o adversário e o faz sem remorso. É gente que se serve de planos pervertidos e cheios de intrigas, sabia de que não conseguirá nada além da vitória da destruição. O invejoso é uma ameaça a outras pessoas, pois é capaz de controlar os acontecimentos e arruinar tudo de que ele se sente excluído, como se enfrentasse o sentimento de inveja eliminando as pessoas que se inveja.

O lado invejoso e sequioso priva o indivíduo da sua capacidade de avaliação (ter senso de responsabilidade e sentimento de culpa). A inveja costuma enfraquecer os sentimentos bons sem que o invejoso se dê conta (a pessoa não consegue refrear os seus sentimentos e nem dar valor à vida dos outros). É esse caráter oculto que pode fazer a inveja tão difícil de controlar e tão perniciosa. Ela é como uma cobra no mato, o inimigo oculto que se infiltra sem ser visto.

A ocorrência simultânea da inveja e da culpa pode ser muito dolorosa, desesperadora e temida. Daí o indivíduo tentar se livrar das responsabilidades e dos danos, projetando-as. Pode-se chegar perto do remorso, sentir a dor da culpa e depois recuar, achando que o dano é grande demais para ser enfrentado. Então o indivíduo divide os seus sentimentos, livrando-se da inveja ou da preocupação, a fim de não ter o sentimento incômodo causado pela consciência das duas. Quase sempre não temos consciência de que renegamos nossos sentimentos. Constantemente estamos negando involuntariamente aspectos nossos. Ora, o restabelecimento dos aspectos indesejáveis do eu, além de doloroso, pode trazer uma boa dose de verdade, que talvez pareça mais significativa que a dor do reconhecimento.

Há uma sensação de choque quando duas partes separadas do eu se juntam. Esse choque pode ser o resultado de um passo importante para a cura da cisão das partes do eu. A inveja é capaz de sabotar o seu eu mais solidário e construtivo.

Frequentemente a inveja é sentida de um modo mais insidioso (que arma insídias, prepara ciladas, que parece benigno, mas pode ser ou tornar-se grave e perigoso) contagiando o ambiente gradativamente. Esse veneno lento é o lado sutil da inveja, e a dúvida que ela cria é uma das suas marcas registradas. Seu mundo interior é atacado dissimuladamente, pois a inveja visa destruir as próprias qualidades que a pessoa invejosa deveria, ao contrário, valorizar e usufruir.

Ao lidar com a inveja nas relações diárias, há um vaivém inevitável entre as forças da criatividade e da vida e as da inveja e da destrutividade.

O que provoca inveja?

1.      Como as coisas são dadas e recebidas? Se aquele que dá gosta de fazê-lo e não está tentando diminuir o que recebe, este pode ser capaz de aceitar com gratidão o que se oferece e ter a vontade de fazer o mesmo, dando algo em troca. É importante que o indivíduo que dá sinta felicidade com o prazer daquele que recebe e se interesse pelo que este faz com o presente.
2.      Pode ser estimulada inconscientemente. É sempre importante estar atento ao que acontece nos dois lados da relação em que ela surge. Se aquele que dá consegue transmitir que não se considera perfeito, é mais provável que o recebedor note o espírito humano existente, o que torna mais fácil aceitar o que se deu e enfrentar qualquer inveja que ele sinta.
3.      Inveja motivada por privação ou desigualdade. É a relação inveja-sociedade. Onde existem desigualdades gritantes há inveja, que, contudo, pode ser causada mais por privação do que por dificuldades individuais para tolerar a felicidade dos outros. Tem-se usado o termo “políticas de inveja” como justificativa das enormes desigualdades de riqueza e privilégios, como se os menos privilegiados devessem se esforçar para não ter inveja.
- Por exemplo, o vandalismo é de certa maneira uma manifestação de inveja provocada por desigualdades sociais flagrantes, e não simplesmente um problema de destrutividade de vândalos individualizados.
- Há ainda a questão de por que algumas pessoas recorrem ao vandalismo, outras procuram emprego e outras tentam mudar a sociedade.
- O problema da inveja na sociedade diz respeito a uma mistura de fatores pessoais e sociais. Os ataques de inveja a bens materiais podem ser tão complexos quanto a própria sociedade. Estão imbuídos de fatores concretos e psicológicos:
A) o vândalo adolescente talvez não tenha emprego nem perspectiva de trabalho ou de escolaridade maior;
B) o vândalo adolescente pode ser um garoto desajustado que tem boas oportunidades de estudo, mas acha que recebe uma educação padronizada que não lhe dá espaço como indivíduo, tanto pelo que ele tenha para oferecer como por suas limitações.
C) O vândalo adolescente já é um ser invejoso, bem como fatores que contribuíram para isso na sua infância e no seu temperamento.

- Entretanto, pode-se constatar na sociedade certos ataques por inveja que não parecem ter relação com a injustiça social. Ex: os hackers da internet, por exemplo: são inteligentes e têm o conhecimento e os computadores necessários para sabotar a comunicação entre outras pessoas. O objetivo deles é disseminar a destruição arbitrariamente, só por prazer (faz lembrar uma versão muito mais destrutiva da criança que insiste em interromper a conversa dos pais). O hacker quer danificar o equipamento de modo que nenhuma comunicação seja possível, e o prazer dele se encontra no saque invejoso e na satisfação de vencer o sistema.

- As manifestações sociais de inveja não se restringem de forma alguma a atividades criminosas. Existem várias maneiras de expressar inveja na sociedade. Por meio da mídia e de outras instituições como times de futebol, as empresas de música e de cinema, nós elevamos as celebridades e depois tentamos destruí-las com fofocas e escândalos e tirando-lhes a privacidade – uma intrusão invejosa em vidas que ajudamos a construir.
- Permitimos que os publicitários provoquem a ganância e o desejo de bens materiais, de artigos da moda a carros chiques. Pode-se argumentar que a publicidade incentiva a imitação, mas quase sempre parece se tratar de uma imitação fundada na insatisfação com nós mesmos e com a nossa imagem produzida pelo comércio, um ataque invejoso à nossa autoestima e a outros valores. Isso nos leva à necessidade de comprar determinada coisa para nos sentirmos valorizados, em vez de dar valor ao que já temos ou nos atermos ao interesse e ao envolvimento naquilo que está além de nós e das posses materiais.

4. Inveja relativa à intolerância à diferença. Trata-se de outra manifestação social da inveja existente na discriminação de grupos humanos diferentes do nosso. As diversas divisões da sociedade podem levar à suspeita e à desconfiança deles. Isso nos faz voltar à inveja destrutiva que se deve não só à privação ou à competição por recursos, mas ao fato de ser difícil de aceitar o que as outras pessoas têm para oferecer.
- É mais fácil desmerecer um grupo diferente do nosso e procurar falhas neles do que sermos receptivos ao novo.
- O preconceito consiste principalmente na projeção de sentimentos indesejáveis em grupos ou indivíduos.

Se o mal já aconteceu, o reconhecimento pode levar à reparação e à reconciliação. Desde que se consiga assumir a responsabilidade pela própria inveja, pode-se iniciar um ciclo benéfico, em que a amargura e a culpa deem lugar ao prazer, à gratidão e à conscientização de que a outra pessoa ou coletividade têm oferecido algo que era difícil aceitar. A gratidão, o alívio proporcionado pela preocupação com outra pessoa e o prazer com o que essa pessoa tem para dar servem para contrabalançar os efeitos nocivos da inveja. 

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