v relacionamentos que levaram anos para ser construídos só por causa de um
“curtir” ou de um “compartilhar”. E talvez não estejamos nos dando conta disso.
v Em muitos aspectos, elas trouxeram coisas positivas. Sites como Facebook
e Twitter aproximaram pessoas que jamais se encontrariam nos tempos off-line.
Também serviram de base para novos negócios. Tornaram nosso trabalho mais
produtivo (o.k., nem todos os trabalhos). Mas o efeito colateral é evidente a
qualquer um que frequente um desses botecos virtuais: estamos diante da “era da
grosseria”.
v É a era da polarização, do pensamento binário: ou pensas como eu ou te
tornas um inimigo. Se é a favor do PSDB, você automaticamente é contra as
ciclovias, a favor da redução da maioridade penal e quer o impeachment da
presidente. Se simpatiza com o PT, defende a corrupção e o aparelhamento do
Estado. Nesse mundo em preto e branco, não há espaço para os tons de cinza.
v Esses chatos não são a maioria dos que usam as redes sociais, mas acabam
sendo a parcela que mais chama a atenção. São os “idiotas da aldeia”. “As redes
sociais deram voz a uma legião de imbecis”, disse. “Antes, eles falavam apenas
em um bar, depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade. Agora,
têm o mesmo direito à palavra de um prêmio Nobel.” Muitos criticaram a opinião de Eco. Lembraram que talvez a grande
contribuição da internet foi ter dado oportunidade a pessoas comuns de ter o
mesmo espaço que um prêmio Nobel. Eco justificou-se, depois das críticas,
dizendo que se referia a um pequeno e barulhento grupo de chatos que se
sobrepunham à maioria. É importante ressaltar que
apenas publicar opiniões não faz das redes um espaço democrático. Democracia
também pressupõe o debate de ideias, que não costuma ocorrer no Facebook.
v Além disso, a impressão de Eco faz sentido na medida em que as redes
sociais não são, há muito tempo, uma plataforma em que as informações transitam
de forma isonômica. Algumas coisas chamam mais a atenção
que outras. Os sites tendem a priorizar essas informações para poder ter mais
audiência e, assim, gerar mais receita com publicidade. Pessoas com comportamento mais agressivo, independentemente de seu viés
político e religioso, repercutem mais. Pode existir a impressão de que elas são
a maioria. “As redes sociais privilegiam aquilo que é
considerado socialmente relevante, que vai gerar comentários e interação”. Diariamente, nossos contatos postam, em média, 1.500 conteúdos. Mas só
recebemos cerca de 300. “Temas polêmicos tendem a gerar debate e brigas dentro
da mesma rede, e isso pode produzir comentários agressivos”.
v O grande motor dessa forma mais recente de como a informação trafega no
mundo é o Facebook. O site tem quase 1,5 bilhão de usuários
cadastrados. Um bilhão o acessa diariamente. No Brasil, oito em cada dez
internautas têm uma conta no “Feice”. São cerca de 90 milhões de brasileiros
que acessam as redes especialmente pelo telefone celular, segundo dados da consultoria eMarketer. A forma de organizar todo o
conteúdo publicado por essa massa de usuários foi a criação de um algoritmo,
uma fórmula para distribuir as postagens entre os usuários. Ele aprende com a
rotina on-line do usuário que tipo de conteúdo ele mais acessa. Esse algoritmo
recebeu o nome de News Feed. A justificativa do Facebook é que seria impossível
para uma pessoa acompanhar tudo o que seus amigos publicam. Diariamente,
nossos contatos postam em média 1.500 conteúdos. Mas o Facebook os filtra para
nós. Só recebemos cerca de 300 deles. O resto nunca veremos. O aprendizado do algoritmo é baseado em fatores óbvios, como o grau de
proximidade que você tem com a pessoa que publicou o conteúdo e o tipo de
conteúdo que você mais gosta. Se você clica mais em fotos que em vídeos, o
Facebook vai mostrar mais amigos que publicaram fotos. Há também fatores menos
óbvios, como a infraestrutura de acesso. Se a rede de seu celular está ruim,
seu perfil passa a priorizar textos e fotos no lugar de vídeos mais pesados,
que consomem mais conexão. Se alguém comenta “Parabéns” numa publicação, é
provável que ela se trate de alguma celebração. Como isso gera muitas
“curtidas”, o Facebook tende a promover o post. As páginas que você curte
também são levadas em consideração pelo algoritmo. Posts de perfis que pagam ao Facebook também
têm mais chance de chegar a você. E aqui vem o ponto central para a “era da
grosseria”: se a comunidade tem uma determinada visão política ou ideológica, é
provável que você tenha contato com mais publicações relacionadas ao tema. Uma
pesquisa mostrou que 62% dos americanos não sabiam da existência do algoritmo
do Facebook.
v O problema, segundo especialistas, é que essa obsessão por oferecer ao
usuário apenas o que ele quer clicar tende a criar ilhas de opiniões. As
pessoas têm a falsa sensação de que o mundo inteiro pensa como elas, já que o
algoritmo não as confronta com outras ideias. Como efeito colateral
subsequente, passam a publicar conteúdos que seriam aceitos num determinado
grupo, e não pelo público em geral. É a chamada audiências invisíveis. No mundo
off-line, você costuma ajustar o tom de seu discurso de acordo com a audiência.
No mundo on-line, você acha que sabe com que audiência está falando. Mas alguém
que não faça parte desse grupo pode ter acesso àquele conteúdo, interpretá-lo
de uma forma diferente e expor a uma situação de conflito. É um caso comum em
discussões sobre política. O comentário de uma pessoa com uma visão mais à
esquerda pode receber diversas curtidas em seu hábitat no algoritmo. Mas, se um
amigo mais à direita compartilha a mesma opinião em sua página, chovem críticas
e ironias. De um lado, os histéricos de esquerda, que fantasiam, de forma
delirante, um novo golpe militar no Brasil. De outro, os histéricos de direita,
com seu indefectível bordão: “Vá para Cuba!”.
v Não é só o Facebook que usa um algoritmo desse tipo. Google, Twitter,
Amazon, Uber e outras empresas de tecnologia desenvolveram
sistemas com o objetivo de facilitar a vida do usuário numa ponta e gerar mais
receita na outra. Mas ela se torna um
problema quando as pessoas não sabem que estão tendo acesso a um conteúdo
enviesado. Há pouco mais de um ano, o Facebook divulgou um
estudo realizado em 2012 com 700 mil usuários que tinha como objetivo entender
como funcionavam as reações emocionais das pessoas na internet. Para isso, a companhia manipulou as páginas de metade deles com notícias
e comentários positivos dos contatos. Os outros 350 mil receberam notícias e
comentários mais tristes. A ideia de entender como as
emoções contagiavam os usuários virou um escândalo. O cientista americano Jaron Lanier, em artigo publicado no jornal The New
York Times, se lembrou dos riscos envolvidos. “A
manipulação das emoções não é algo pequeno. Cerca de 60% dos suicídios são
precedidos de algum tipo de distúrbio de humor”, escreveu. Com a repercussão negativa, Sheryl Sandberg, braço direito de
Mark Zuckerberg, pediu desculpas. Desde então, o Facebook criou políticas mais
transparentes para seu algoritmo. Além da ferramenta “Deixar de seguir”, que já
existia e dava mais controle ao que o usuário acessa em sua página, a empresa
implementou o “Veja primeiro”, em que o usuário pode selecionar um grupo de
amigos para acompanhar com prioridade.
v Não há um consenso sobre a relação de causa-efeito entre a tecnologia
usada pelas redes sociais e uma eventual mudança de comportamento de seus
usuários. Nas últimas semanas, ÉPOCA conversou com uma dezena de especialistas
em comportamento, sociólogos e estudiosos da internet, e a maioria acredita que
os algoritmos são apenas uma ferramenta na mão de uma sociedade que
há tempos carece de ponderação na discussão de ideias. Leonardo Lazarte, professor de internet e sociedade na Universidade de
Brasília (UnB), lembra que o ambiente em algumas dessas
comunidades nas redes sociais é muito semelhante ao visto em gangues. A pessoa
entra no grupo e precisa passar por provas para ganhar a confiança dos outros.
“A diferença é que isso é amplificado no mundo virtual”, diz.
v De acordo com dados da SaferNet, ONG dedicada à defesa de direitos na
internet, o Facebook domina hoje quase 50% das denúncias de
páginas e perfis dedicados ao ódio e à intolerância. Entre 2013 e 2014, o número de denúncias de páginas e perfis no Facebook
saltou de 16.600 para 26.800. Os destaques negativos
ficaram para as denúncias relacionadas a racismo (de 6.800 para 12 mil
denúncias) e xenofobia (de 336 para 4.500). Segundo Rodrigo Nejm, diretor da SaferNet, o número reflete também a
existência de novos canais para registrar os crimes. “O discurso de ódio sempre
existiu, mas é um novo ambiente social. Isso reflete a postura das pessoas
usando essas ferramentas”, diz. “É fundamental que as
pessoas tenham noções de cidadania desde os primeiros cliques. Também é preciso
incorporar políticas públicas para tratar de direitos humanos e liberdade de
expressão.” O Facebook diz que criou mecanismos
para receber denúncias de ódio, racismo e intolerância. “Queremos promover uma
plataforma livre, aberta e segura para as pessoas”, diz Bruno Magrani, diretor
de políticas públicas do Facebook Brasil. Falta
pensar em algo que promova o debate de ideias que caracteriza um espaço
genuinamente democrático.
v O Brasil sofre de um problema crônico
de educação virtual. Somos imaturos. A sensação de segurança mistura-se a uma falsa ideia sobre a liberdade de
expressão. Sérgio Ferreira do Amaral, professor do Departamento de Ciências
Sociais na Educação da Unicamp, explica que a ideia de estar livre para
disseminar comentários maldosos acontece porque a pessoa acredita que não será
encontrada, já que a internet é uma plataforma recente.
v Além disso, a sociedade precisa aprender a se
reorganizar em rede. Para o cientista
social Marco Aurélio Nogueira, da Universidade de São Paulo, a internet
se popularizou em meio ao enfraquecimento de instituições que tradicionalmente
ajudavam a organizar comunidades. A
escola, a igreja, a família, os sindicatos e os partidos estão perdendo a
influência. As pessoas estão buscando as respostas na internet. “A cultura brasileira, tradicionalmente, nunca incorporou o conflito e a
divergência, algo inerente ao ambiente de internet”, diz Nogueira. “A cultura
de rede ainda não se fixou em termos éticos na vida brasileira. Não temos uma
cultura de boas maneiras. A gente nem sequer sabe o que queremos da vida em
rede.” Precisamos repensar o papel social das redes sociais.
Caso contrário, a internet, que cresceu e se desenvolveu como uma poderosa
ferramenta democrática, corre o risco de alimentar o ódio, a intolerância e o autoritarismo.
O que você acha desses comentários?
v O problema é que a maioria das pessoas acha que tem o "direito"
de ter opinião sobre qualquer assunto, incluindo os quais não entende
absolutamente nada. E liberdade de expressão não é sinônimo de "falar o
que quiser", pois isso é coisa de criança malcriada. Pessoalmente,
continuo achando que internet deveria ser proibida para adolescentes. Do mesmo
modo, internet de pobre deveria ter metade da velocidade e custar o dobro.
v Nossa, que ideia fantástica! Acho que pobre nem precisa de internet,
acesso a informação, educação e etc... Afinal, só pobre fala besteira, né... Só
relembrando... "Liberdade de expressão não é sinônimo de "falar o que
quiser"...
v Esta questão tem de ser discutida de forma ampla, porque Umberto Eco tem
toda a razão ao considerar a existência de idiotas de plantão, que não
contribuem no enriquecimento do debate politico, econômico ou mesmo cultural ,
O problema são os idiotas que são pagos por grupos de interesse nem sempre
legítimos. A reportagem marca o espaço e os amplos limites desta discussão.
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