Por
Neilton Lima (Especialista em Psicopedagogia)
A
cena inicial do filme faz uma acentuada
quebra da realidade, quando o cavalo de verdade se transforma em um
cavalinho de brinquedo típico de um parque de diversão. Estamos diante de duas
interpretações: 1) estamos dentro do fantástico mundo da mente de uma criança,
cheia de fantasias e imaginações; 2) estamos dentro de uma mente
esquizofrênica, incapaz de distinguir realidade de fantasia. Na fase inicial do
desenvolvimento infantil, as crianças costumam mesclar o imaginário com o real,
brincando de casinha e de bonecas, por exemplo, como se fossem elas fazendo o
papel de gente grande. Aos poucos, à medida que vão amadurecendo, essas
experiências delirantes vão se esvaindo e preparando as crianças para entrarem
no mundo adulto. Mas, a mente esquizofrênica, parece não passar por essa etapa
de desmembramento e transição. O esquizofrênico continua mergulhado em seu
mundo de delírios e imaginação.
Geralmente
a esquizofrenia é acompanhada do transtorno bipolar. A principal
diferença entre as duas condições é a aparente falta de emoções na esquizofrenia e os sentimentos extremos dos pacientes bipolares, que alternam entre a depressão e a euforia. A falta de moções fica clara na crueldade como o serial
killer Carl mata as suas vítimas (em sessões lentas de tortura e desespero
afogadas em uma cela de vidro), o que revela uma mente muito mais do que
esquizofrênica, uma mente psicopata. A bipolaridade fica expressa em muitas
cenas opostas, que fazem entre si um contraponto durante todo o filme: a
imensidão de um deserto solitário X um aquário de tortura; uma mente cheia de vida,
brilho, ternura e acolhimento X uma mente sombria, cheia de mortes, ódio,
torturas e rancor; uma mente divina X uma mente diabólica; uma criança ingênua
e inocente X um adulto malicioso e cruel.
Jennifer
Lopez vive Catherine, terapeuta infantil que trabalha em um centro de pesquisa
onde se desenvolve um projeto de "transferência sináptica". Ou seja,
uma porta para que a atriz penetre na mente de seus pacientes – crianças que
entraram em coma e não retornam à realidade por algum trauma ou barreira psicológica.
Uma vez lá dentro, ela passa a obedecer as regras desse universo psicológico
criado pelo paciente, e sua função é ajudar e convencer essa criança a superar
seu trauma e se libertar dele. Desse ponto de vista, “A Cela” pode ser
interpretada como a própria mente que pode se tornar uma verdadeira prisão,
cujas correntes são os próprios pensamentos frustrantes que bloqueiam e
aprisionam o seu dono, tornando-o uma presa ou vítima das próprias experiências
da vida.
As
vítimas se parecem com bonecas e usam coleiras (feitas por ele para insinuar
que lhes pertencem). São submetidas a um tratamento químico com alvejantes
(cloro e ferrugem) para perderem a melanina e ficarem albinas como o cachorro
dele. Depois de mortas são abusadas sexualmente. Ele carrega consigo e
coleciona bonecas, algumas metamorfoseadas de animais, com cabeças de pássaros.
Toda a sessão de tortura e sofrimento das vítimas é gravada, a situação que
mais dá prazer ao Carl. Ele também praticava a suspensão corporal (uma forma de
se reconfortar com a ausência de peso, como flutuar na água). Na 8ª vítima ele
entra em coma depois de
um ataque.
Uma
das cenas mais pontuais do filme é quando finalmente Catherine consegue
dialogar com Carl, na mente dele. Ela então conhece uma parte da sua infância
sofrida vivida aos 06 anos idade: o abandono da mãe, os castigos e os maus
tratos cruéis do pai, as cenas de sexo explícito acompanhadas de machismo e
homofobia forçadas pelo pai e o traumático batismo judeu que viveu – Carl foi
mergulhado várias vezes em um rio, na presença de várias pessoas, onde o garoto
imaginou que estava sofrendo uma tentativa de afogamento. Todas essas
experiências traumáticas parecem ter reforçado ou contribuído para o
desenvolvimento da sua personalidade sombria e perversa.
A
técnica até então praticada de uma mente para outra, recebe uma terceira pessoa
– o agente do FBI também entra na mente de Carl quando a equipe percebe que
Catherine está em perigo. Carl consegue dominá-la e aprisioná-la em sua mente,
acessando o lado obscuro de Catherine. Nesse momento o feitiço se volta contra
o feiticeiro, ou seja, assim como Catherine tentava acessar o lado bom de Carl,
Carl acessa o lado ruim de Catherine. O filme levanta uma polêmica: existe um
pouco de bondade na maldade, assim como existe um pouco de maldade na bondade,
de tal modo que nenhum dos lados é puro e isolado definitivamente. Ao que tudo
indica, em nossa mente são guardadas experiências boas e experiências ruins. E
essas experiências estão mescladas. Muitas vezes nosso lado mau tenta falar
mais alto, mas resta acreditar que somo muito melhores do que ele. A criança e
o adolescente que fomos ainda estão presentes no jovem e no adulto que
tornaremos. O ser humano é uma soma das fases e das experiências de vida. Todos
nós temos uma história de vida pessoal. Nela estão as marcas e as raízes do
nosso caráter, dos nossos medos, dos nossos sonhos, dos nossos traumas e das
nossas frustrações. Precisamos conhecer melhor a nós mesmos a cada dia.
Precisamos ser nossa própria libertação.
O
filme termina com a inversão do processo, algo sempre desejado pela Dr.
Catherine: ao invés dela entra na mente do Carl, ela leva Carl para a mente
dela. Meu mundo, minha mente, minhas regras... O seu mundo ou o mundo em que
você vive é saudável? Será que você não está precisando conhecer um lugar
diferente? Você acredita que existe uma parte de si mesmo que você não mostra a
ninguém? Eu acho que todo mundo tem esse lado dentro de si. Todo mundo tem
algum motivo para ser o que é. Mas nem sempre temos as razões saudáveis para
continuar sendo. Chega um momento da vida que é preciso mudar para simplesmente
tentar viver melhor.
TOPPP
ResponderExcluirTOP HEMM
ResponderExcluir👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirO interessante notar que Catherine, na última parte do filme usa a imagem arquétipo a de Iemanjá ( numa iconografia da Santeria cubana), para criar o mundo para onde levará a psique de Carl. Na tradição cultural iorubá, Iemanjá é a "dona das cabeças", a Orixá que restaura o equilíbrio psiquico e cura a loucura.
ResponderExcluirEu pensei mesmo nessa possibidade de uma santa latina, parecida com a Iemanjá
Excluir