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“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho


O filme tem a intenção de dialogar com os adolescentes atuais (a geração Z, mais tolerante e aberta), foca uma história universal: a descoberta do primeiro amor, com características bem particulares: a homossexualidade e a deficiência física visual, sem o excesso de obstáculos dramáticos. O debate se amplia para o amor em geral e para as perspectivas de independência do adolescente em crise. O talento maior do diretor está em retratar um amor natural e otimista, sem deformações das imagens e reações externas (o protagonista é cego), resultando num filme gentil que consegue ser tocante de uma maneira simples e sem jamais apelar para o melodrama.

As dificuldades enfrentadas por Leo, o protagonista gay e cego, são usadas como metáforas para os conflitos de qualquer jovem, que também pode se sentir diferente por ser ruivo, obeso, órfão, disléxico ou simplesmente tímido, ruim em esportes etc. Este é um dos grandes méritos do filme: tratar as particularidades do protagonista como trataria as especificidades físicas e de temperamento de qualquer adolescente. Aos poucos, desentendimentos juvenis com os amigos e pequenos conflitos disparados por bullies do colégio levam o rapaz a cogitar um intercâmbio – algo que não agrada muito seus pais superprotetores. O próprio desejo crescente de independência do Leo não toma conta do filme (não se transforma num impulso ou grande objetivo dramático), a fim de abafar a temática central: o desabrochar do amor natural e otimista, que vem de dentro, cego aos preconceitos, mas visível, possível e concreto ao tom de verdade e realidade.

Sem muitos tabus, dramas e sofrimentos, como têm sido comuns os filmes de temática homossexual, nem pretensões militantes (com exceção da cena final). Não existe o baque da chegada do garoto cego à escola, nem a descoberta do próprio Leonardo de seu desejo por homens. O roteiro ultrapassa os típicos relatos cinematográficos de autodescoberta para saltar ao próximo passo: a autoafirmação. Tanto é que o filme termina com eles juntos, sem nem os pais de Leo saberem da sua homossexualidade, sendo mais importante a livre descoberta e a realização dos garotos. Um sonho de liberdade do mundo gay. Além disso, sua decisão de ingressar num intercâmbio, embora encarada com resistência pelos pais, é discutida de maneira racional em uma cena sensível durante a qual seu pai busca entender o que está incomodando o garoto, num exemplo raro no Cinema de bom exercício da paternidade (normalmente, os pais se mostram grosseiramente cegos às necessidades e aspirações dos filhos, já que isto resulta em drama fácil).

Sem se entregar a conflitos absurdos e artificiais, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é amoroso até mesmo ao retratar seus antagonistas: embora antipático e capaz de certa crueldade, Fábio (o líder dos bullies), por exemplo, parece agir mais por imaturidade do que por pura maldade – e é notável como, em certo momento, ele ridiculariza Léo ao agitar as mãos diante de seu rosto, mas logo se assusta quando o garoto tropeça e cai, indicando que jamais havia sido sua intenção machucá-lo. Da mesma maneira, a composição de Pedro Carvalho como Fábio é tão leve (outro acerto) que se torna até difícil dizer que o personagem é realmente homofóbico mesmo ao fazer brincadeiras que poderiam sugerir isto, passando a impressão de estar sendo babaca mais por querer impressionar os amigos com sua idiotice adolescente, numa glorificação da própria imaturidade, do que por realmente desprezar gays.

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho trabalha os conflitos da trama de maneira leve, terna. Os momentos pontuais de bullying praticados por um grupo de colegas não deixam grandes marcas em Leonardo; as brigas com os pais se dissipam em minutos; as disputas com Giovana apresentam uma evidente perspectiva de reconciliação. O universo não é hostil às minorias, pelo contrário: o garoto Gabriel, paixão de Leonardo, aparece logo na primeira cena, senta-se convenientemente atrás dele, e quando Gi perde seu grande amor, um aluno novo entra pela porta da sala de aula e sorri para ela. Este roteiro é romântico, até ingênuo, em sua preocupação zelosa e paterna de garantir a todo personagem sua devida cota de amor.

 Nenhuma cena pretende se destacar ou chocar - aliás, fica o aviso para aqueles que se sentiram ofendidos com o beijo gay da novela: dificilmente vão encontrar cena mais natural do que o primeiro selinho entre dois garotos. Em vez disso, o dilema do rapaz é descobrir se seu sentimento é correspondido, sendo prejudicado nesta tarefa não só por sua inexperiência, mas pelo fato de não poder observar as atitudes de Gabriel, seus olhares e suas expressões. O que o torna tão apaixonante. Todavia, curiosamente, embora Léo pudesse ser considerado o mais frágil da dupla em função de sua cegueira, é Gabriel quem acaba assumindo esta posição graças também à bela composição de Fábio Audi, que o retrata como um jovem tentando se descobrir e que não sabe se o comportamento do amigo se deve à sua vulnerabilidade natural ou ao que sente por ele Curiosamente, embora Léo pudesse ser considerado o mais frágil da dupla em função de sua cegueira, é Gabriel quem acaba assumindo esta posição graças também à bela composição de Fábio Audi, que o retrata como um jovem tentando se descobrir e que não sabe se o comportamento do amigo se deve à sua vulnerabilidade natural ou ao que sente por ele.

Aliás, o próprio Gabriel não é um exemplo de ataques histéricos de ciúmes. Ele é tão natural quanto o próprio amor que nasce em si, sem as deformações abusivas, precipitadas e preconceituosas que a visão cega pode trazer. Pelo contrário, a cegueira externa de Gabriel vê com muita propriedade o amor natural dentro de si. O que é algo muito lindo e exemplar para o mundo de hoje, principalmente o mundo gay, estereotipado por corpos turbinados, malhados e modelados num padrão rígido de beleza, o que coloca em dúvida se o “amor gay” existe de fato ou se seria um simples modismo de conotação erótica e sexual. Se é um amor incondicional pelo próximo (ágape) ou um amor erótico por corpos. O filme constata que o amor gay ultrapassa, sim, o plano simplista do visível e do material. É um legítimo amor universal.

O filme mostra como pode ser tão simples e natural os temas da homossexualidade e da deficiência, não fosse uma sociedade extremamente complexa e preconceituosa. Nesse sentido, o filme tem uma visão romântica do funcionamento social. Estamos em um imaginário branco, urbano, de classe média alta, no qual adolescentes em crise não pensam em fugir de casa ou se vingar dos pais, apenas fazer uma viagem de intercâmbio - financiada pelos próprios pais. O desejo sexual também é retratado de maneira pudica, com a edição interrompendo a cena no instante preciso em que se sugere uma masturbação ou ereção. Mas não seria justo exigir de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho algo que ele não pretende mostrar. Este não é um filme sociológico ou psicológico, e sim um retrato intimista de tendência universal.

O tom deste romance de formação é de ternura e cumplicidade. Muitos romances gays são pejorativamente chamados de "delicados", mas aqui o termo se aplica sem conotações negativas. O filme é certamente simples em suas pretensões artísticas, mas consegue fazer um belo tratado de afetos, sejam eles entre dois garotos, entre um amigo e sua amiga ou entre os pais e os filhos. 

Doce sem ser açucarado, tocante sem ser melodramático e envolvente sem precisar de grandes explosões dramáticas ou conflitos extremos, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é humano, sensível e generoso como seu protagonista – e, considerando o preconceito ainda hoje enfrentado por homossexuais em todo o planeta, é também importante sem depender de pregações óbvias. A delicadeza do amor que retrata é um discurso mais do que suficiente para que qualquer um entenda a estupidez da intolerância sexual.

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