O grande tema da ética, desde que ela se tornou questão filosófica é: o que está e o que não está em nosso poder? Até onde se estende o poder de nossa vontade, de nosso desejo, de nossa consciência? Até onde alcança o poder de nossa liberdade? Podemos mais do que o mundo ou este pode mais do que nossa liberdade? O que está inteiramente em nosso poder e o que depende inteiramente de causas e forças exteriores que agem sobre nós?
Filosoficamente, a questão da liberdade se apresenta na forma de dois pares de opostos:
1. O par “necessidade-liberdade”: Possuem
leis causais (da natureza) e normas-regras obrigatórias (da cultura), o
necessário é aquilo que acontece por si mesmo, sem nossa intervenção ou
interferência; é o que não depende de nós para ser tal como é (o todo da
realidade, existente em si e por si, que age sem nós e nos insere em sua rede
de causas e efeitos, condições e consequências).
- nesse par encaixam termos
religiosos: fatalidade-liberdade
(forças transcendentes superiores); e termos científicos: determinismo-liberdade (homem determinado pelas leis e causas
químicas, biológicas, etc.).
2. O par “contingência-liberdade”: Contingência ou milagre, vontade sobrenatural, força divinizada ou desconhecida, acaso, boa e má sorte, acidental, indeterminado (a realidade é imprevisível e mutável).
Ambos os pares opostos impossibilitam deliberação e decisão racionais, definidoras da liberdade. Aí parece que todos os possíveis foram fechados para o humano, que ficará anestesiado, impotente, resignado, conformado, passivo e omisso. Ou existe saída? Como escreveu Sartre, o que importa não é saber o que fizeram de nós e sim o que fazemos com o que quiseram fazer conosco. Onde fica o campo da liberdade possível?
Do ponto de vista ético, a liberdade só será ética quando o exercício da vontade estiver em harmonia com a direção apontada pela razão. Outra constatação importante: há uma tensão entre nossa liberdade e as condições – naturais, culturais, psíquicas – que nos determinam (a liberdade como possibilidade objetiva).
O farol abriu, siga: buscar eliminar a violência na relação com o outro, manter a fidelidade a nós mesmos, a coerência de nossa vida e a inteireza de nosso caráter. Não desaprender a linguagem com que os homens se comunicam, deixar o coração crescer para sermos mais nós mesmos quanto mais formos capazes de reciprocidade e solidariedade.
Interiorizar e Criar.
A ética se move no campo das paixões, dos desejos, das ações e dos princípios, possuindo uma dimensão valorativa e normativa (que são exteriores e anteriores a nós, definidos pela cultura e pela sociedade em que vivemos). Mas, como sujeitos éticos, somos tanto capazes de interiorizar valores e normas existentes como de criar novos valores e normas. Ou seja, com atos de liberdade, interpretamos nossa situação (valores, normas, princípios) e dessa interpretação nasce em nós a aceitação ou a recusa, a interiorização ou a transgressão, a continuação ou a criação.
“Minha liberdade é o poder fundamental que tenho de ser o sujeito de
todas as minhas experiências” (Merleau-Ponty).
“A ação mais alta da vida livre é nosso poder para avaliar os
valores” (Nietszche).
“O essencial para nossa felicidade é nossa condição íntima e dela
somos senhores” (Epicuro).
“A justiça não existe por si própria, mas encontra-se sempre nas relações recíprocas, em qualquer tempo e lugar em que exista entre os humanos o pacto de não causar nem sofrer dano” (Epicuro).
Enfim, o núcleo da vida ética é ser senhor de si (ser autônomo) e ser capaz de philia
(reciprocidade, relação intersubjetiva como coexistência e não-violência).
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