A economia ainda importa,
estúpido, mas só ela não basta!
A polarização odiosa distorce a consciência política.
A economia é sempre o principal fator que define as eleições e a popularidade de chefes de governo? Não!
Boa economia não é mais sinônimo de alta popularidade. Apesar da economia ainda desempenhar papel fundamental, há outro fator que se sobrepôs à seara econômica no rol de temas que forjam a opinião pública.
Embora haja melhoria de índices (inflação controlada (abaixo de 5%), desemprego em menor patamar desde 2014 (em 7,4%), PIB crescendo (2,9%) acima do previsto pelo mercado), a aprovação de um governo pode despencar. Os números ilustram como bons indicadores na economia nem sempre se convertem a curto prazo em impacto real para a população. Mas, por quê? Por causa do descompasso entre dados e a percepção da população. E quem faz a balbúrdia são: a polarização política consolidada, valores morais e a pauta identitária, da qual a incessante guerra cultural nas redes sociais é a face bélica e diária. Logo, o que determina a aprovação é um misto de economia, segurança, pauta de costumes.
Isso significa que não é mais suficiente apenas a economia para gerar resultados políticos. É preciso disputar narrativas, compreender a guerra cultural num mundo de redes sociais e de formação de bolhas. Além do mais, essa pauta ganha força quando pesa ainda a demora para dados econômicos despontarem como algo palpável para a população. Uma coisa são os indicadores oficiais, outra é a percepção da opinião pública. A percepção às vezes demora a chegar. A economia pode estar melhorando, mas talvez a população ainda não tenha sentido isso no bolso.
Essa nova lógica evidencia uma opinião pública “calcificada”, isto é, a sociedade está dividida, com cada lado convicto do que acredita e fechado a ouvir o outro. Isso só mostra o quanto a sociedade brasileira sempre foi conservadora, e continua sendo. Ou seja, quando o debate era só econômico, a esquerda conseguia superá-lo pelas entregas voltadas para o bem-estar social. Agora com as redes sociais, isso deixa de ser o único determinante e entra a pauta de valores. O governo tem que debater temas não necessariamente favoráveis a ele na opinião pública, como o aborto e a "estranheza" das relações homoafetivas e suas consequências jurídicas e culturais, por exemplo.
Para piorar, a frente ampla formada para
derrotar Bolsonaro e em defesa da Democracia produziu políticos do Centrão ou
de legendas fora da esquerda, que hoje ocupam o primeiro escalão do Planalto e
hoje optam por palanques adversários nas eleições municipais. Isso deixa Lula
de calça-justa, pois alianças com bolsonaristas deveriam ser descartadas. Esses
ministros que se opõem ao PT nas campanhas a prefeito, como o Celso Sabino
(Ministro do Turismo, União Brasil), o André de Paula (Ministro da Pesca, do
PSD) e o Jader Filho (Ministro das Cidades, MDB) são uma “bola dividida”.
A oposição bolsonarista é distinta daquela a que os governos anteriores de Lula estavam acostumados, o que configura um desafio. O bolsonarismo navega em águas que lhes são convenientes, sobretudo na pauta de valores. Além de problematizar e polarizar frases de Lula, ainda há as fake news, o debate sobre aborto, drogas e inflação. Isto é, precisamos sair de tópicos isolados e ver o processo. Quando retomam a capacidade de pautar a oposição e de se mobilizar, isso não encontra resposta. A existência de uma oposição dura é algo com que o governo precisa aprender a lidar.
Como analogia, veja, por exemplo, a vitória de Donal Trump nas primárias. Isso acende um alerta brasileiro, pois ela é analógica e coincidente. O governo de Joe Biden reduziu a inflação de 9,1% para 3,1% em pouco mais de um ano. O desemprego também está abaixo de 4%. E, mesmo assim, a candidatura do republicano decolou depois de surfar nas pautas da extrema direita global, com chances reais de sair vencedora. Nos EUA, a extrema direita ganhou mais experiência na primeira edição e agora na reprise vai tentar corrigir os erros que a derrotou. Aqui no Brasil não será diferente.
Enfim, a lógica de que políticas públicas vão naturalmente se converter em melhora na popularidade não se sustenta mais. O bolsonarismo disputa a cretinice de forma profissional na base da sociedade. Além da economia, a disputa de narrativas pesa. Isso só mostra que a política no Brasil virou esporte de contato, e só tem um lado que está dando carrinho, indo para a dividida, disputando a jogada.
São grandes as pedras no caminho: a
dificuldade de lidar com um Congresso conservador, uma oposição mais ferrenha,
a mídia mais ardilosa, a fragmentação da esquerda e seu ódio contagiante e a
percepção distorcida e manipulada das pessoas. Junta tudo e fica muito
desgastante. O governo vai ter que lidar com tudo isso para cumprir o que
prometeu, atender expectativas, colher resultados, proteger a democracia e
evitar novas figuras tarcísicas e micheques como a do inelegível.
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