O pensamento político antigo (800 a.C. – 30).
Política é isso, lida com isso: como um Estado ou Cidade deve ser governado? Como deve ser a organização do governo? Como inspirar e conquistar a lealdade e o respeito do povo? Como administrar seus recursos?
A teoria política se iniciou nas civilizações da China e Grécia antigas com pensadores que questionaram e analisaram o mundo ao seu redor (filosofia). Entre esses questionamentos, o modo como organizamos as sociedades. Porém, o fizeram numa perspectiva da filosofia moral ou ética.
Esses filósofos examinaram como a sociedade deveria ser estruturada para garantir não apenas a felicidade e a segurança das pessoas, mas para capacitá-las a uma “vida digna”. Nessa primeira parte, vou abordar a China. Na outra, Grécia e Roma.
Quem governa pela virtude é como a estrela polar, que permanece imóvel no seu lugar enquanto todas as outras estrelas circulam respeitosamente em torno dela (Confúcio).
O povo pode ser governado pelo
exemplo?
(Meritocracia, recrutar os eruditos mais hábeis para a classe administrativa, liderança pelo exemplo, ênfase nas relações familiares...).
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CHINA (770 a.C.) – “Se desejares o BEM, o povo será bom”
(Confúcio, 551-479 a.C.). Tempo de prosperidade, no qual várias dinastias
governaram diversos reinos de maneira relativamente pacífica. A erudição era
muito apreciada. “Cem Escolas de Pensamento”. Filósofo mais influente: Confúcio, que combinou moral e filosofia política
em suas propostas para a manutenção dos valores morais chineses num estado
liderado por um governante virtuoso, aconselhado por uma classe de
administradores (ele propôs um sistema de governo baseado em
valores tradicionais, administrado por uma classe de eruditos). A
ideia foi, mais tarde, refinada por Mozi e Mêncio para evitar um governo corrupto e
despótico. Veio o período dos Reinos Combatentes com
pensadores como Han Fei Tzu e a escola legalista
que defenderam a disciplina como o princípio diretivo do Estado, e o líder militar (general chinês)
Sun Tzu aplicou as táticas da guerra para as
ideias de política externa e de governo local (ele escreveu seu tratado A arte da guerra para o rei Helu de Wu, princípios e ideias
autoritárias como a doutrina do Legalismo, passam a dominar o sistema de
governo). Ele era um pensador militar e assumia uma postura mais prática
no que diz respeito às questões de governo, defendendo um sistema autoritário, até mesmo cruel, de
garantia da defesa do Estado. Enfim, essas filosofias políticas mais
autoritárias trouxeram estabilidade ao Império, posteriormente assumindo a
forma do confucionismo (Confúcio propõe um sistema de governo baseado em
valores tradicionais, administrado por uma classe de eruditos).
- Sob a dinastia Zhou na China, as decisões políticas
eram justificadas pelo Mandato do Céu.
- Período dos Reinos Combatentes: os 7
maiores reinos chineses competem pela supremacia: os governantes eram
hereditários (predominavam as conexões familiares) e se garantiam com aquilo
que acreditavam ser um Mandato do Céu. Mas, surgiu uma classe de pensadores e
eruditos (escolhidos agora pelo mérito) que passaram a influenciar com suas
novas ideias (eram importantes conselheiros). Isso inspirou uma reviravolta na
estrutura da sociedade chinesa. Durante esse período ficou cada vez mais claro
que era necessário um sistema de governo forte.
- O filósofo
chinês Mozi propõe uma classe meritocrática de ministros e conselheiros, escolhida por sua
virtude e habilidade;
- Mêncio
populariza as ideias confuncionistas na China. Mas, é a dinastia Han quem adota
o confuncionismo como a filosofia oficial da China.
- Eis a
ideologia central do confuncionismo/paternalismo: “Se
desejares o BEM, o povo será bom” (Confúcio, 551-479 a.C.).
- No século V
a.C, Mozi (um filósofo chinês nascido pouco depois da morte de Confúcio) propõe
uma alternativa aos potenciais nepotismo e fisiologismo
do confuncionismo. Isso porque ele criticava a ênfase que ele dava às relações
familiares.
- Confúcio é o
nome latino pelo qual ficou conhecido aqui no Ocidente o Kong Qiu/Fuzi (“Mestre Kong”). De família
com posses e respeitada. No entanto, ainda jovem, depois da morte de seu pai,
ele trabalhou como servo para sustentar sua família e estudou no tempo livre
para se tornar um funcionário público. Tornou-se administrador na corte de Zhou
onde desenvolveu suas
ideias de como o Estado deveria ser governado, com filosofia e teorias
de governo, mas seus conselhos foram ignorados, e ele acabou se demitindo. Viveu
durante um momento decisivo na história política da China, o final do período
da Primavera e Outono (cerca de 300 anos de prosperidade e estabilidade com
despertar nas artes, na literatura e filosofia). Foi o florescer das Cem
Escolas de Pensamento (nas quais diversas ideias eram livremente discutidas). Nesse processo, surgiu uma nova
classe de pensadores e eruditos, a maioria deles trabalhando em cortes de
famílias nobres nas quais eram importantes conselheiros.
- Para entender Confúcio e sua filosofia política/moral é preciso
compreender sua vida e ideias. Vejamos. O homem superior (Junzi).
Assim como a maioria dos jovens educada da classe média, Confúcio aspirava a
uma carreira de administrador e foi nessa função que desenvolveu suas ideias
sobre organização do governo. Ao acompanhar de perto as relações entre os
governantes e seus ministros e súditos, tornou-se consciente da fragilidade da
situação política de seu tempo e se dispôs a formular um arcabouço: baseado em
seu próprio sistema de filosofia moral, seu objetivo era capacitar os
governantes a atuarem de maneira justa.
1. A base moral de
Confúcio estava firmemente arraigada nas convenções chinesas e centrada nas
tradicionais virtudes da lealdade, do
dever e do respeito.
2. O “Junzi” ou “Cavalheiro”
ou “Homem Superior” personificava esses valores. Logo, sua virtude funcionaria
como um exemplo para os outros.
3. Cada membro da
sociedade seria encorajado a aspirar às qualidades dos junzis.
4. A noção de reciprocidade – a ideia que um tratamento
generoso suscitaria uma resposta da mesma natureza – sustentava a filosofia
moral de Confúcio e era o alicerce de seu pensamento político.
5. Para uma
sociedade ser boa, seu governante deveria corporificar as virtudes que deseja
ver em seus súditos. Em troca, o povo seria inspirado a copiar essas virtudes
por meio da lealdade e do respeito.
6. Confúcio bebeu
bastante nos valores tradicionais, modelando a sociedade conforme as relações
dentro da família: a benevolência do soberano e a lealdade de seus súditos são
um espelho do amor de um pai e da obediência de um filho (uma relação
considerada pelos chineses de maior importância). Assim, há 5 “relações
constantes”: 1) soberano/súdito; 2) pai/filho; 3) marido/mulher; 4) irmão mais
velho/irmão mais novo; 5) amigo/amigo. Nessas relações, não há apenas a posição
de cada pessoa de acordo com a sua geração, idade e gênero, há também deveres
de ambas as partes e que a responsabilidade do superior com o inferior em
qualquer relação seria tão importante quanto a do mais novo para o mais velho.
Logo, daí nasceria a coesão social: entendendo
essas relações para a sociedade, seus direitos
e responsabilidades recíprocos dariam coesão à sociedade, criando uma atmosfera de lealdade e respeito entre os
extratos sociais.
7. Assim como as famílias serviam de modelo
para as relações na sociedade, o respeito tradicional mostrado aos pais
(em especial ao pai) também se estenderia aos ancestrais, e isso justificaria o
princípio hereditário. Assim como o pai era considerado o cabeça da família, o
Estado deveria ser naturalmente governado por uma figura patriarcal – o soberano.
8. Confúcio
se mostrou inovador e com traços de radicalidade em alguns pontos:
A) A posição do
soberano não era incontestável, e um governante injusto ou insensato deveria
sofrer oposição ou até mesmo ser deposto. Confúcio entendia o assassinato de um
governante despótico como a remoção necessária de um tirano em vez da morte de
um governante legítimo. Ele argumentava que a flexibilidade dessa hierarquia
gerava mais respeito por ela, assim como um consenso político – a base
necessária para um governo forte e estável.
B) Somente quando a
virtude
fosse sincera e manifestada com honestidade a ideia da liderança
pelo exemplo funcionaria com sucesso. Por essa razão, Confúcio
considerava a sinceridade e honestidade as virtudes mais
importantes, lado a lado com a lealdade.
C) Confúcio tinha desprezo implícito pelo direito divino
e o sistema de classes
baseado no mérito em vez da hereditariedade. Se por um lado defendia uma
hierarquia baseada em estritas regras de etiqueta e protocolo, de modo que
todos estivessem bem cientes de seu papel na sociedade, isso não queria dizer,
por outro lado, que não deveria haver mobilidade social. Aqueles com habilidade
(e bom caráter) poderiam subir até os mais altos níveis de governo, independentemente
do seu passado familiar, e aqueles nas posições de poder poderiam ser removidos
de seus cargos se falhassem em mostrar as qualidades necessárias, não
importando o grau de nobreza da família a que pertenciam. Esse princípio se
estendia até mesmo ao soberano.
D)
No campo da lei e do castigo, Confúcio defendia uma
postura mais humanística. Em vez de impor leis rígidas e castigos pesados,
achava que a melhor
maneira de lidar com o crime era impor um sentimento de vergonha por um mau
comportamento. Apesar de as pessoas evitarem cometer crimes quando
guiadas pela lei e subjugadas pelo castigo, elas não aprendiam o verdadeiro sentido do certo e do
errado, ao passo que, se
fossem guiadas pelo exemplo e subjugadas pelo respeito, desenvolveriam um senso
de vergonha pelas contravenções e aprenderiam a se tornar realmente boas.
Confúcio inova para substituir as leis divinamente ordenadas: similar à
estrutura social, ele propôs um sistema baseado na reciprocidade – ao ser
tratada com respeito, uma pessoa agiria com respeito. “O que você não deseja para si, não faça para os
outros” (repare que ele transfere aqui a ênfase de crimes específicos para a prevenção de maus
comportamentos). Uma vez mais, isso poderia ser mais bem alcançado pelo
exemplo: “Quando encontrar
alguém melhor que você, volte seus pensamentos para se tornar como ele. Quando encontrar
alguém não tão bom como você, olha para dentro e examine-se”.
E) Confúcio tinha
ideias mais modernas sobre a meritocracia e
sobre a liderança pelo exemplo. Uma classe de
eruditos deveria agir como ministros, conselheiros e administradores do
governante. Sua posição, entre os soberanos e seus súditos, era crucial, já que
deviam lealdade a ambos. Eles tinham um enorme grau de responsabilidade, de
modo que era essencial serem recrutados entre os mais aptos e educados, e
qualquer um no serviço público deveria ter o mais elevado caráter – um junzi.
Esses ministros deveriam ser escolhidos pelo soberano, baseando-se no seu
próprio bom caráter.
- “A
administração do governo se baseia na escolha de homens adequados. Tais homens
são selecionados pelo caráter pessoal do governante. Esse deve ser tecido no
caminho do dever. E tal tecer deve ser cultivado pela estima da benevolência”;
- O papel desses
servidores públicos é de consultor; e dos ministros não esperava apenas que
fossem versados em administração e na sociedade chinesa, mas também que tivessem
um conhecimento pleno de história, política e diplomacia. Isso era importante
para aconselhar o governante em questões como alianças e guerras com países
vizinhos.
- Essa nova
classe de servidores civis também exercia uma função igualmente importante ao
evitar que seus superiores se tornassem despóticos, já que ela mostrava
lealdade ao seu superior, mas também benevolência pelos seus inferiores. Assim
como o governante, ela também deveria liderar pelo exemplo, inspirando tanto o
soberano quanto seus súditos com sua virtude.
- Os servidores
públicos não apenas tinham de cumprir seus deveres de maneira virtuosa, como
também precisavam ser vistos agindo com essa qualidade.
- CURIOSIDADE:
os concursos para o serviço público iniciados em 605 eram baseados nos textos
clássicos confuncionistas, prática que continuou até o século XX e a formação
da república chinesa.
9. A importância do
ritual e das cerimônias: Confúcio deu ênfase neles porque serviam de base para
a posição de vários membros na sociedade, e aprová-los ilustrava sua tendência
ao conservadorismo.
Mais do que cortesias, profundidade, sinceridade e sentido. Ou seja, as
cerimônias e os rituais permitiam ao povo mostrar sua devoção aos que
estivessem acima dele na hierarquia, bem como sua consideração pelos que
estivessem abaixo. De acordo com Confúcio, esses rituais deveriam permear toda
a sociedade: desde cerimônias reais e estatais até as interações sociais
cotidianas, com os participantes observando meticulosamente seus respectivos
papeis. Muitos desses rituais e cerimônias eram baseados nos ritos religiosos,
mas...
10. Pouco espaço
para a religião na filosofia moral de Confúcio. Sua filosofia não tinha como
base a religião, e o sistema político dela derivado simplesmente reconhecia que
havia um lugar para a religião na sociedade. Apesar de acreditar firmemente no governo pela soberania
hereditária, não sentia a necessidade de justifica-lo como um direito divino.
Por isso que Confúcio quase nunca se referiu aos deuses em seus escritos,
exceto em termos da esperança que a sociedade pudesse ser organizada e
governada de acordo com o Mandato do Céu, o qual ajudaria os estados em luta
pelo poder.
11. CONCLUSÃO: na visão de Confúcio, a natureza humana não é perfeita (há uma tendência de agir em interesse próprio), mas é capaz de ser transformada pelo exemplo da virtude sincera. Logo, de modo similar, a sociedade poderia ser transformada pelo exemplo de um governo justo e benevolente. Assim, o alicerce de seu pensamento político é a reciprocidade – a ideia que um tratamento generoso suscitaria uma resposta da mesma natureza. Está justificado o motivo da lealdade e do respeito a um homem superior (Junzi, o qual teria herdado o seu status) e a hierarquia pautada numa classe administrativa meritocrática que mantém no topo um governo tradicional de famílias nobres. Aqui Confúcio mostra a natureza conservadora de seu pensamento político. “Um bom governo consiste no governante ser governante, o ministro ser ministro, o pai ser pai, e o filho ser filho” (Confúcio), mas, havia possibilidade de flexibilidade nessa hierarquia.
Enfim, o Confuncionismo
teve seus altos e baixos. Foi mais adequado para governar em tempos de paz, mas
foi considerado por muitos como não sendo forte o suficiente nos tempos de
guerra. Em tempos tensos, um sistema pragmático e autoritário de governo acaba
sendo mais tentador. A questão é que o Confuncionismo não desapareceu por
completo sob o regime comunista na China e teve uma influência sutil na
estrutura da sociedade até o Revolução Cultural. Hoje, elementos do pensamento
confuncionista, tais como os que lidam com as relações sociais e a noção de
lealdade filial, ainda estão profundamente enraizados no estilo de vida chinês.
As ideias de Confúcio continuam mais uma vez, sendo levadas a sério enquanto o
país muda do comunismo maoísta para a versão chinesa de uma sociedade mista.






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