“O Estado não cancela o indivíduo (nem deve). O que não pode é o indivíduo cancelar o Estado (jamais!)”.
Não está correto chamar de “lei seca”, pois a lei não proíbe que se beba. Proíbe apenas que o indivíduo dirija após ter consumido determinada quantidade de bebida alcoólica. E a proibição aqui é a de que se dirija um veículo após beber porque esse não é um ato individual, em razão do possível impacto na vida coletiva, como no caso de um acidente – que, por sua vez, implica ameaça à vida alheia, gasto do dinheiro público etc. Beber é um ato individual. Dirigir após fazê-lo não o é. Desse modo, beber está no âmbito da autonomia do indivíduo; dirigir está fora desse âmbito.
Agora, qual o consenso? O indivíduo pode ser usuário de droga, ilegal, por exemplo? Ele pode fumar maconha em sua casa? Na atualidade, a legislação estabelece que a pessoa não será incriminada por ser usuária. Ela não pode traficar, porque o tráfico tem impacto na sociedade e no mercado (pois, como o jogo do bicho, a droga não é tributada), além de outras implicações, como o fato de movimentar o tráfico de armas etc. Mas o indivíduo, sozinho, pode consumi-la.
Tudo isso vai sendo estabelecido como consenso. No Brasil, há 20 anos, se alguém fosse pego pela polícia sem carteira de trabalho registrada era preso. Não trabalhar era uma contravenção chamada “vadiagem”, prevista no código penal. Se o indivíduo apresentasse carteira de estudante, não haveria problema, porque ali estava escrito: “profissão: estudante”.
Bem, por que isso? Porque vamos construindo a lógica de que o indivíduo pode ser alguém que tem uma orientação homossexual; pode ter uma união estável; pode ser consumidor, no âmbito privado, daquilo que é chamado hoje de droga ilegal; pode ser alguém que se dedica a fazer artesanato com palito de fósforo – tanto faz. O que não se permite é que isso produza um efeito maléfico e deletério fora do campo do indivíduo. Creio que esse é um consenso que só a democracia foi capaz de construir até o momento.
Enfim, o Estado não
cancela o indivíduo (nem deve). O que não pode é o indivíduo cancelar o Estado
(jamais!).
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