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"Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber" (Art. 205 da Constituição de 1988).

Ø Se eu sou um especialista, então minha especialidade é saber como não ser um especialista ou em saber como acho que especialistas devem ser utilizados. :)



“[...] acho que todo conhecimento deveria estar em uma zona de livre comércio. Seu conhecimento, meu conhecimento, o conhecimento de todo o mundo deveria ser aproveitado. Acho que as pessoas que se recusam a usar o conhecimento de outras pessoas estão cometendo um grande erro. Os que se recusam a partilhar seu conhecimento com outras pessoas estão cometendo um erro ainda maior, porque nós necessitamos disso tudo. Não tenho nenhum problema acerca das ideias que obtive de outras pessoas. Se eu acho que são úteis, eu as vou movendo cuidadosamente e as adoto como minhas” ("O caminho se faz caminhando - conversas sobre educação e mudança social", Paulo Freire e Myles Horton: p. 219).

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

“Idiotas” e “não-idiotas”: por que tem gente que não participa?

Entenda a diferença entre “liberdade pessoal” e “liberdade política”.

PARTE I: a “liberdade pessoal” é “idiota”.

Idiota (em grego, idiótes) é aquele que só vive a vida privada. Aquele que vive fechado dentro de si e só se interessa pela vida no âmbito pessoal. Essa liberdade pessoal pressupõe uma sociedade diversificada, pois podemos fazer escolhas sem postura social ou “politicamente correta” (por exemplo, jantar em um restaurante indiano sem ser hinduísta ou ir a uma igreja evangélica sem ser cristão). Essa possiblidade ou oportunidade de viver é entendida por muitos de nós, modernos, como algo positivo.

Para a sociedade moderna, há liberdade com pouco envolvimento direto com a política. Aqui, o ser livre toma conta apenas do próprio nariz, sem se importar com o “politicamente correto”, ou seja, a pessoa se expressa ao seu modo, veste do seu jeito e gosto, tem a orientação sexual de seu agrado, está num grupo de WhatsApp e optar por não se posicionar sobre isso ou aquilo, etc. Aqui, mesmo você dizendo a uma pessoa que “isso é veneno ou cloroquina”, ela pode escolher beber se quiser. É como se a pessoa questionasse: “A lei pode me impedir de fazer mal a mim? Pode determinar que eu não fume porque isso fará mal à minha saúde?” *O avanço da noção de indivíduo, desde a Renascença, foi decisivo para o desenvolvimento deste tipo de liberdade.*

Talvez isso em si não seja ruim. Afinal, a conquista das liberdades individuais/pessoais rompeu com a violência imposta para se conseguir o ajuste de comportamentos ao que é socialmente desejável (matar pessoas, levá-las à fogueira ou ameaçá-las). O que é prejudicial e negativo (ou, pelo menos, preocupante) é a pessoa só se limitar a isso e apresentar o total desinteresse ou completo distanciamento pelo outro tipo de liberdade ou não enxergar alguma conexão com ela – a liberdade política mais ampla. A política vista como convivência. Portanto, que recusa essa política, que diz não à política. Que diz: “Não me meto em política!” ou “Não me importo com o outro!”.

I.I – Bolsonaro é idiota e pratica mais a “liberdade pessoal”.

Ainda assim, vale ressaltar, existem determinados modos de fazer política. Muitos indivíduos se servem da sua liberdade pessoal para praticar uma política stalinista ou uma política ditatorial, como o ato de Jair Bolsonaro decidir participar de movimentos da extrema direita pedindo a volta da ditadura, o fechamento do Congresso, do STF e do Senado, e intervenção miliar. “Sou livre até para pedir a ditadura?”.

Ou seja, o problema da liberdade individual é o individualismo obsessivamente excludente. Aqui o indivíduo é substituído pelo individual, entendido como exclusivo, e não como identidade (como os padrões de comportamentos criados pela ideologia da sociedade industrial ou da indústria cultural). Tem também um pequeno grupo privilegiado de pessoas (aquelas com mais condições econômicas ou mais autonomia intelectual) que podem fazer escolhas pessoais mais livres. Ou seja, também sou constrangido – conscientemente ou não – a uma série de práticas que suponho serem minhas escolhas no mundo do consumo, da indústria cultural, mas que não são realmente minhas. É aí onde beiramos o abismo social de um traço característico do moderno, isto é, de uma ideologia cujas plataformas são egoisticamente imperativas e autodestrutivas (e é neste ponto onde estamos na atualidade).

Daí o indivíduo perguntar: “Mas e meu direito de sair com meu carro quando quiser, ou de fazer ruído até a hora que eu desejar?”. Ou ainda: “Como estou dirigindo? Mal? Dane-se, o caminhão é meu”. Essa lógica “do caminhão é meu” significa “eu faço o que quero, sou livre”. Ora, esse exercício da liberdade como soberania é algo que se aproxima da ideia de “idiótes”. Não sou soberano. Entretanto o indivíduo afirma: “Eu sou soberano sobre mim mesmo”.

É muito melhor entender-se como “unidade autônoma” e não “unidade soberana”, porque...

A) a palavra “soberano” vem do latim “superanus”, super (sobre), aquele que está acima de todos e não se subordina a ninguém.

B) já a palavra “autonomia” (autós = por si mesmo e nómos = o que cabe por direito ou dever) indica limites oriundos da vida em meio a outras pessoas, também elas autônomas.

Enfim, “[...] essa lógica ‘do caminhão é meu’ significa ‘eu faço o que quero, sou livre’. Ora, esse exercício da liberdade como soberania é algo que se aproxima da ideia da idiótes. Não sou soberano. Entretanto o indivíduo afirma: ‘Eu sou soberano sobre mim mesmo’. Mas ser soberano sobre si mesmo não é política. Ou será que é?”.

PARTE II: a “liberdade política” é “não-idiota”.

O “não-idiota” ou a liberdade política é um ser livre no sentido de que, para além de sua liberdade pessoal, se envolve na vida pública, na vida coletiva. E, francamente, nem se pode separar dela ainda que quisesses, pois, “somos um animal político”.

Viver é conviver, seja na cidade, ainda que em casa ou prédio, seja no país, seja no planeta. A vida humana é condomínio. E só existe política como capacidade de convivência exatamente em razão do condomínio.

Um exemplo prático vem da aprovação em São Paulo da lei limitando o uso do tabaco em público. A lei não tem como alvo maior a negação da liberdade individual em si. Não se proíbe ninguém de fumar, mas de fazer o outro aspirar o seu fumo. A proibição visa evitar que não fumantes sejam constrangidos pelos fumantes. Além do mais, quem disse que você escolheu tão livremente fumar assim? Quem disse que não houve uma propaganda maciça para levar você a escolher fumar (ou a escolher comida gostosa, escolher engordar)? Que liberdade é essa?

A liberdade individual é idiota porque leva o indivíduo a agir sem pensar no outro. Ela é a negação da solidariedade inevitável. E é pelo motivo oposto que a liberdade política não é idiota. Mesmo uma pessoa que decida se matar, ela vai causar algum impacto alheio. Portanto, nenhum ser humano é uma ilha. Nossas liberdades individuais são preciosas, mas se elas existem é graças ao coletivo e sua rede de convivência, à qual precisamos ter zelo e algum compromisso.

Aí a pergunta: por que não participamos ou temos muita dificuldade de participar?

É a modernidade que vai trazer a democracia como possibilidade de um valor do indivíduo. Porém, é só a segunda metade do século XX que vai colocá-la como o horizonte e trazer a sua valorização. No Brasil, ainda é mais recente. Nossa colonização começou em 1500 e até 1808 nem nação éramos ainda. Nossa Proclamação da República é de 1889. Quer dizer que há 134 anos alguém era propriedade de outro, e tem muita gente hoje que ainda o é... A primeira vez que todos os cidadãos, a partir de 16 anos, inclusive analfabetos, puderam votar de forma facultativa ou obrigatória no Brasil foi em 1989, graças às alterações introduzidas pela Constituição. Ou seja, nós tínhamos 489 anos sobre 523 de história quando o analfabeto pôde votar no país. Em 523 anos de história de cruz, pólvora e chicote, temos só 35 anos de democracia formal, certo? Se calcularmos a participação política da população ao longo de toda essa nossa trajetória, ela *não chega a 5% da história.*

- o que ainda é valioso lembrar sobre a democracia no Brasil? Os movimentos sociais, que contra a carestia, pela terra, entre outros. Vemos que o debate sobre propriedade no Brasil continua sendo feito só pelo MST, que ainda é um remanescente das discussões dos anos de 1960 e 1970 da Igreja Católica no Brasil. Os movimentos sociais trouxeram a necessidade de uma presença da democracia como igualdade de participação.  

Enfim, isso significa o quê? Que estamos perdidos? Não, apenas é outro processo histórico. A democracia precisa ser universalizada!


CONCLUSÃO:

Toda liberdade política é uma liberdade pessoal, mas nem toda liberdade pessoal dá conta da liberdade política. Por isso, a liberdade pessoal sozinha não basta a si mesma, nem está acima da liberdade política. Por ser parte de um todo maior, ela tem implicância com algo mais.  

E a saída para se preservar e resguardar as liberdades individuais dentro de uma ideia mais abrangente de política se chama DEMOCRACIA. Numa sociedade democrática é possível garantir muitas liberdades individuais ou pessoais sem perder a sintonia da orquestra, isto é, do todo político.

Nos melhores momentos, talvez consigamos fazer com que haja convergência entre liberdade pessoal e liberdade política sem nos destruirmos. Mas, aí, estaria implicada a capacidade de respeito, de tolerância, de consenso, de não imposição de um jeito sobre o outro. Vale dizer, de civilidade. E é nesse caminho do consenso que a sociedade, e todos nós, ainda precisamos avançar: CONVIVER COM A DIVERSIDADE, O MAIS POLÍTICO DOS ATOS.

Uma das coisas que geraram a ideia do outro como indivíduo, com direitos a ser preservados, foi a escravidão humana. Quando, há alguns milhares de anos, se travavam guerras entre as comunidades – entre países, nações, como seriam chamadas depois –, o que se fazia com o inimigo era degolá-lo; ele não era reconhecido como alguém que precisava ser preservado. Com a introdução da escravatura, ele passou a ser um outro no sentido até de produto ou objeto. Então ao ser capturado, em vez de morto, ele era preservado para poder trabalhar, tornou-se necessário em alguma medida nos direitos dele. O consenso nada mais é que, num determinado momento, um acordo relativo a um ponto. É possível ter um consenso estabelecido entre uma minoria, pois ele não é necessariamente a decisão da maioria. O consenso é o anúncio de que vai evitar o confronto. Para viabilizar a convivência, admitimos que uma determinada decisão prevaleça. Por vezes, aceitamos o consenso para evitar um confronto simplesmente por cansaço, por fastio. É algo comum em casais, por exemplo. Chega um momento em que um dos dois concede: ‘Está bem, você está certo’. Uma concordância que nada mais é que uma forma de evitar o confronto. 

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