Não
existe política segura. Todos os caminhos são duvidosos. Ao tentar evitar uma
dificuldade se cai em outra, porque isso faz parte da natureza das coisas. A
prudência consiste em saber reconhecer a natureza dos inconvenientes. Enfim,
aceitar como bom o menos mau.
Maquiavel se debruçou sobre uma variedade de reinos,
governos e imperadores para examiná-los em exercício de qualidade e de defeitos,
e daí retirar suas observações e conclusões. Tanto em êxito como em ruínas, as
máximas ao Príncipe são forjadas da experiência no Poder. “Tem algo de bom em cada modelo destes, e
é preciso apenas saber escolher. Só os tolos se prendem a um só e o imitam em
tudo” (p. 122).
“A tarde cai, volto para casa.
Entro em meu escritório e, desde a porta, despojo-me das roupas de todos os
dias, cobertas de barro e de lama, para vestir roupas de corte real ou
pontifical; assim honradamente trajado,
entro nas antigas cortes dos homens da antiguidade. Aí, acolhido com
afabilidade por eles, nutro-me do alimento que é, por excelência, o meu e para
o qual nasci. Aí, nenhuma vergonha em falar com eles, em interrogá-los sobre os
motivos de suas ações e eles, em virtude de sua humanidade, me respondem. E
durante quatro horas não sinto o menor aborrecimento, esqueço todos os meus
tormentos, deixo de temer a pobreza, a própria morte não me perturba. E como
Dante diz que não há ciência se não se retém o que se compreendeu, anotei
destas conversações com eles o que acreditei essencial e compus um opúsculo, De principatibus, onde aprofundo o que posso os problemas que tal tema coloca: o que é soberania, de quantas espécies elas são,
como se as adquire, como se as mantém, como se as perde. E se alguma vez alguma elucubração minha vos agradou,
esta não deveria vos desagradar. Ela deveria sobretudo bastar a um príncipe,
sobretudo a um príncipe novo [...]” (p. 159).
Na obra maquiaveliana, o
título “príncipe” não significa o filho de um monarca. Mas, é o principal
cidadão do Estado. O sentimento de Maquiavel buscava a alma do governante, isto
é, procurava estudar e orientar o governo dos príncipes. Assim, “Príncipe”,
hoje, é todo aquele que detém o poder executivo, em qualquer dos escalões, quer
seja no espaço público ou na área privada. Príncipe é todo aquele que
conquistou, de alguma forma, autoridade legítima sobre outros seres humanos.
Todos os Estados que
existiram ou existem foram repúblicas ou monarquias. É preciso ampliar o
sentido restrito de Estado para espaço onde se exercita o poder. Na prática,
não existe mais no Ocidente, Estados onde o poder efetivo seja transmitido
hereditariamente. Exceto no âmbito familiar e no setor privado de atividade
empresarial e administrativa, onde ainda são muito expressivos os espaços de
mando transmitidos dessa forma. Tanto na família quanto na empresa, o poder
deriva do patrimônio e as prerrogativas do mando, da decisão, se transmitem
hereditariamente.
Ainda assim, cabe uma
ressalva. Embora a disputa pelo controle e manutenção do poder fique mais
nítida em grandes empresas/conglomerados econômicos ou em famílias oligárquicas
(onde há hereditariedade formal), também nos espaços políticos, sobretudo no
Brasil, o exercício do poder tem sido concentrado por poucas pessoas ou um
grupo tradicional. O cerne da nossa Independência brota disso – os conchavos da
nobreza com uma oligarquia agrária que fez nascer uma elite empresarial
manipuladora. E não é fácil perder o controle de um espaço onde o poder é
consolidado. E quando eventualmente ocorre, o mais comum é a sua reconquista
(Lula.4 vem aí).
Ora, se compararmos o tamanho
do espaço de um Estado com o tamanho de uma Família ou de uma Empresa, os
espaços hereditários destes é muito menor do que aquele, donde habituado ao
governo, é muito menor a dificuldade para manter o poder. “Basta para isso
evitar a transgressão dos costumes
tradicionais e saber adaptar-se a
circunstâncias imprevistas” (transgressão x adaptação).
E
tem o efeito pedagógico da derrota. Quando um território rebelado é reconquistado,
não volta a ser perdido com a mesma facilidade, porque a própria rebelião (no
caso da democracia, a rebelião das urnas) faz com que o governante se sinta mais inclinado a
fortalecer sua posição, punindo os rebeldes, desmascarando os suspeitos,
revigorando seus pontos fracos. Enfim, muito se aprende com a derrota.
Corrigir os pontos fracos é uma questão fundamental na política, é uma
preocupação constante para quem exercita o marketing
do poder.