A ambição da direita depois do projeto bolsonarista fracassado é edificar instituições liberais. Afinal, foi o TSE que o nocauteou, mas, antes, foram as instituições democráticas que deram sinal de alguma vivacidade e funcionamento.
Aqui no Brasil, o que tivemos/temos são “ilhas liberais”. Logo, mais do que se reinventar, a direita precisa se inventar. Afinal, ou as expressões do liberalismo se restringiram a farsas deletérias (Fernando Collor ou Bolsonaro) ou a soluções de compromisso de uma social-democracia esclarecida (FHC). Com curtos estoques de tempo e popularidade, Michel Temer rompeu com o Estado social.
O fenômeno social que atrai a direita brasileira é a descoberta de que, ao redor dessas ilhas liberais, há um conservadorismo difuso na sociedade, que com o movimento evangélico ganha força (mas também toques de obscurantismo), e um conservadorismo amorfo na arena política (que muitas vezes só serve à conservação de privilégios elitistas e paroquiais).
Só agora com o fracasso do projeto da barbárie e a inelegibilidade do inominável que a direita fala em “direita civilizada”, ou seja, que houve uma aposta na barbárie como um “Nossa, que espetáculo horrível! Vamos assistir!”. Só que o show acabou, e agora a direita diz que precisa depurar valores conservadores e liberais e concretizá-los em um movimento cívico.
Esses valores-chave do liberalismo ou da identidade liberal seriam:
1. A sociedade deve
ser plural: um espaço de conflitos politicamente
canalizados a uma competição de ideias frutuosa;
2. É preciso progredir por reformas,
não rupturas.
3. A desconfiança
da concentração do poder:
4. A defesa dos direitos pessoais, políticos e de propriedade.
CONCLUSÃO: a renovação não passa por desconstruir esses valores, mas empregá-los como alicerces na construção de um contrato social liberal adaptado ao século 21.
O calcanhar de Aquiles do Governo Lula.3 é a governabilidade frágil. É por esse ponto fraco que a direita partirá. Afinal, até onde Lula deve ceder para governar? Que valores serão sacrificados em nome da governabilidade? Há limites para o realismo político?
Pior do que não cumprir promessas é a perda gradual e contínua de identidade política. Isso explica a força de Lula – “i-den-ti-da-de política”. Lula se tornou protagonista lastreando-se na proteção da dignidade humana, dos direitos sociais, dos direitos das mulheres, na luta pela integridade e transparência. Foi isso que deu certo e é isso que a direita quer copiar à sua moda. Leva tempo. Requer uma história. Por isso o desafio é grande. Seria preciso um Geraldo Alckmin travestido de Lula para isso. É preciso olhar os amigos que se tem, e deles tirar proveito ou cuidado.
Enfim, fala se de uma direita ainda mais astuta e camuflada, isto é, uma direita capaz de fazer exame de consciência, supostamente capaz de reconhecer sua complacência com as desigualdades sociais e energizar seus compromissos com a responsabilidade individual, a liberdade econômica e a distribuição do poder para demonstrar convincentemente que estes são os meios mais eficazes para reconstruir uma sociedade inclusiva, justa e próspera.
Outros pontos de análises pertinentes:
·
Bolsonaro
é um feroz antiesquerdista, mas nunca foi conservador nem liberal, só um
demagogo nostálgico da ditadura e hostil ao ecossistema democrático da
Constituição de 88;
·
O
conservadorismo da extrema direita é hostil à globalização e às minorias. É um “espantalho
neoliberal” que nada mais é do que um darwinismo social;
·
A
única coisa maior do que as oportunidades abertas é a montanha de desafios;
·
O
aventurismo militar da Rússia e o expansionismo diplomático da China têm
ambições autocráticas. Ambos buscam reconstruir uma ordem mundial adaptada a
essas ambições.
·
Em
todo o mundo, as democracias liberais estão na defensiva. Medo e sedução a
modelos de crescimento ou defesa das tradições. Dentro, há uma crise de
identidade. A “nova esquerda” tem um identitarismo divisivo e autoritário.
·
Em
vez de rupturas, reformas. O que isso significa na reinvenção da direita? Que
não se trata só de depurar essa massa crítica para esculpir no ideário político
valores conservadores e liberais. É preciso concretizá-los articulando um
partidarismo de direita no melhor sentido do termo. Isso implica reverter a
lógica do populismo. Não oferecendo programas tecnocráticos de cima para baixo,
muito menos se embrenhando na disputa por um novo “salvador da pátria”, ou
seja, jogando o jogo do culto à personalidade.
·
A
leitura atual da direita é: Lula se beneficiou da sujeira tucana e
bolsonarista, porque ela neutralizou o ponto mais sensível do PT: a corrupção.
Ao sabotar a vacinação na pandemia e trocar o combate à cleptocracia por
fantasias sobre as urnas, sempre amparado por seus “influenciadores”
diversionistas, Bolsonaro foi além, como o maior cabo eleitoral de Lula. Sua
inelegibilidade abre espaço para uma oposição de verdade. Que oposição
direitista é essa?
·
O
erro da direita seria insistir na estratégia de desmoralização dos eleitores de
Lula ou Bolsonaro.
· O que fazer, direita? Conselho: “falta de nomes não é o maior problema da direita pós-Bolsonaro; falta projeto de País”. É preciso humildemente ouvir esses eleitores diferentes, construir com eles compromissos de baixo para cima e comunicá-los com paixão, a fim de dinamizar uma mobilização cívica inspirada nas grandes articulações políticas. A direita precisa se edificar pelas próprias mãos, e não continuar a se organizar pelas mãos de seus adversários ou usurpadores.
Mas, vamos falar só um pouco da qualidade de gastos com cartões corporativos de Bolsonaro... Felino apurou que descobriram não só grandes volumes de recursos financeiros, mas voltados para refeições servidas a centenas de pessoas no contexto de uma daquelas famigeradas motociatas, em movimentos preparatórios da campanha fracassada à reeleição. Enfim, o que é comido nem sempre é esquecido.
Enfim,
quem de fato elegeu Lula foi o salvacionismo
democrático. A gente estava cavando o fundo do poço com Bolsonaro e
quisemos voltar à superfície democrática, uma frágil vida real que ainda
precisamos aprender a viver. A gente precisa ser menos animal e mais gente. Não
dá para ser o tempo todo só um, nem outro. Mas, no convívio social, um
pouquinho mais de humanidade, por favor!
Nenhum comentário:
Postar um comentário