O filme
tem a intenção de dialogar com os adolescentes atuais (a geração Z, mais
tolerante e aberta), foca uma história universal: a descoberta do primeiro amor, com características bem particulares:
a homossexualidade e a deficiência física visual, sem o excesso
de obstáculos dramáticos. O debate se amplia para o amor em geral e para as perspectivas de independência do adolescente em crise.
O talento maior do diretor está em retratar um amor natural e otimista, sem
deformações das imagens e reações externas (o protagonista é cego), resultando
num filme gentil que consegue ser tocante de uma maneira simples e sem jamais
apelar para o melodrama.
As dificuldades enfrentadas por Leo, o protagonista gay e
cego, são usadas como metáforas para os conflitos de qualquer jovem, que também
pode se sentir diferente por ser ruivo, obeso, órfão, disléxico ou simplesmente
tímido, ruim em esportes etc. Este é um dos grandes méritos do filme: tratar as
particularidades do protagonista como trataria as especificidades físicas e de
temperamento de qualquer adolescente. Aos
poucos, desentendimentos juvenis com os amigos e pequenos conflitos disparados
por bullies do colégio levam o rapaz a cogitar um
intercâmbio – algo que não agrada muito seus pais superprotetores. O
próprio desejo crescente de independência do Leo não toma conta do filme (não
se transforma num impulso ou
grande objetivo dramático), a fim de abafar a temática central: o
desabrochar do amor natural e otimista, que vem de dentro, cego aos
preconceitos, mas visível, possível e concreto ao tom de verdade e realidade.
Sem muitos tabus, dramas e
sofrimentos, como têm sido comuns os filmes de temática homossexual, nem pretensões
militantes (com exceção da cena final). Não existe o baque da chegada do garoto
cego à escola, nem a descoberta do próprio Leonardo de seu desejo por homens. O
roteiro ultrapassa os típicos relatos cinematográficos de autodescoberta para
saltar ao próximo passo: a autoafirmação.
Tanto é que o filme termina com eles juntos, sem nem os pais de Leo saberem da
sua homossexualidade, sendo mais importante a livre descoberta e a realização
dos garotos. Um sonho de liberdade do mundo gay. Além disso, sua decisão de
ingressar num intercâmbio, embora encarada com resistência pelos pais, é
discutida de maneira racional em uma cena sensível durante a qual seu pai busca
entender o que está incomodando o garoto, num exemplo raro no Cinema de bom
exercício da paternidade (normalmente, os pais se mostram grosseiramente cegos
às necessidades e aspirações dos filhos, já que isto resulta em drama fácil).
Sem se entregar a conflitos absurdos e artificiais, Hoje
Eu Quero Voltar Sozinho é amoroso até mesmo ao retratar seus
antagonistas: embora antipático e capaz de certa crueldade, Fábio (o líder dos bullies),
por exemplo, parece agir mais por imaturidade do que por pura maldade – e é
notável como, em certo momento, ele ridiculariza Léo ao agitar as mãos diante
de seu rosto, mas logo se assusta quando o garoto tropeça e cai, indicando que
jamais havia sido sua intenção machucá-lo. Da mesma maneira, a composição de
Pedro Carvalho como Fábio é tão leve (outro acerto) que se torna até difícil
dizer que o personagem é realmente homofóbico mesmo ao fazer brincadeiras que
poderiam sugerir isto, passando a impressão de estar sendo babaca mais por
querer impressionar os amigos com sua idiotice adolescente, numa glorificação
da própria imaturidade, do que por realmente desprezar gays.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho trabalha os conflitos da trama de maneira
leve, terna. Os momentos pontuais de bullying praticados por um grupo de colegas não
deixam grandes marcas em Leonardo; as brigas com os pais se dissipam em
minutos; as disputas com Giovana apresentam uma evidente perspectiva de
reconciliação. O universo não é hostil às minorias, pelo contrário: o garoto
Gabriel, paixão de Leonardo, aparece logo na primeira cena, senta-se
convenientemente atrás dele, e quando Gi perde seu grande amor, um aluno novo
entra pela porta da sala de aula e sorri para ela. Este roteiro é romântico,
até ingênuo, em sua preocupação zelosa e paterna de garantir a todo personagem
sua devida cota de amor.
Nenhuma
cena pretende se destacar ou chocar - aliás, fica o aviso para aqueles que se
sentiram ofendidos com o beijo gay da novela: dificilmente vão encontrar cena
mais natural do que o primeiro selinho entre dois garotos. Em vez disso, o
dilema do rapaz é descobrir se seu sentimento é correspondido, sendo
prejudicado nesta tarefa não só por sua inexperiência, mas pelo fato de não
poder observar as atitudes de Gabriel, seus olhares e suas expressões. O
que o torna tão apaixonante. Todavia, curiosamente, embora Léo pudesse ser
considerado o mais frágil da dupla em função de sua cegueira, é Gabriel quem
acaba assumindo esta posição graças também à bela composição de Fábio Audi, que
o retrata como um jovem tentando se descobrir e que não sabe se o comportamento
do amigo se deve à sua vulnerabilidade natural ou ao que sente por ele Curiosamente,
embora Léo pudesse ser considerado o mais frágil da dupla em função de sua
cegueira, é Gabriel quem acaba assumindo esta posição graças também à bela
composição de Fábio Audi, que o retrata como um jovem tentando se descobrir e
que não sabe se o comportamento do amigo se deve à sua vulnerabilidade natural
ou ao que sente por ele.
Aliás, o próprio Gabriel não é um exemplo de
ataques histéricos de ciúmes. Ele é tão natural quanto o próprio amor que nasce
em si, sem as deformações abusivas, precipitadas e preconceituosas que a visão
cega pode trazer. Pelo contrário, a cegueira externa de Gabriel vê com muita
propriedade o amor natural dentro de si. O que é algo muito lindo e exemplar para
o mundo de hoje, principalmente o mundo gay, estereotipado por corpos
turbinados, malhados e modelados num padrão rígido de beleza, o que coloca em
dúvida se o “amor gay” existe de fato ou se seria
um simples modismo de conotação erótica e sexual. Se é um amor incondicional
pelo próximo (ágape) ou um amor erótico por corpos. O filme constata que o amor
gay ultrapassa, sim, o plano simplista do visível e do material. É um legítimo
amor universal.
O filme mostra como pode ser
tão simples e natural os temas da homossexualidade e da deficiência, não fosse
uma sociedade extremamente complexa e preconceituosa. Nesse sentido, o filme
tem uma visão romântica do funcionamento social. Estamos em um imaginário
branco, urbano, de classe média alta, no qual adolescentes em crise não pensam
em fugir de casa ou se vingar dos pais, apenas fazer uma viagem de intercâmbio
- financiada pelos próprios pais. O desejo sexual também é retratado de maneira
pudica, com a edição interrompendo a cena no instante preciso em que se sugere
uma masturbação ou ereção. Mas não seria justo exigir de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho algo
que ele não pretende mostrar. Este não é um filme sociológico ou psicológico, e
sim um retrato intimista de tendência universal.
O tom deste romance de
formação é de ternura e cumplicidade. Muitos romances gays são pejorativamente
chamados de "delicados", mas aqui o termo se aplica sem conotações
negativas. O filme é certamente simples em suas pretensões artísticas, mas
consegue fazer um belo tratado de afetos, sejam eles entre dois garotos, entre
um amigo e sua amiga ou entre os pais e os filhos.
Doce sem ser açucarado, tocante sem ser
melodramático e envolvente sem precisar de grandes explosões dramáticas ou
conflitos extremos, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é humano,
sensível e generoso como seu protagonista – e, considerando o preconceito ainda
hoje enfrentado por homossexuais em todo o planeta, é também importante sem
depender de pregações óbvias. A delicadeza do amor que retrata é um discurso
mais do que suficiente para que qualquer um entenda a estupidez da intolerância
sexual.