Tema Nº 03: questão pessoal X social & ciência X religião. Cunho moral e político.
"O amor que é essencial, o sexo um acidente: pode ser igual, ou pode ser diferente!"
(Fernando Pessoa, poeta bissexual).
“Doença física”? “Comportamento desviante”? “Defeito de fabricação”? “Defeito de criação – ou seja, produto de lares com mães superprotetoras e pais ausentes e violentos”? “Pecado mortal?”, “Modismo?”, “Safadeza de gente promíscua?”. A homossexualidade nasce do mal? E por ser também má, deve ser combatida? Curada? Evitada? A homossexualidade é cercada de rótulos e preconceitos. Um assunto polêmico que se tornou uma questão inadiável para o debate, o estudo e a reflexão.
De antemão, uma coisa é certa e não vale apenas para o tema da homossexualidade – a ignorância gera muitos males. As concepções erradas dão origem a reações pessoais, sociais, dogmática e muitas vezes se diz até políticas desastradas e desastrosas. Confiando não apenas num só tipo de conhecimento, mas em vários, inclusive o conhecimento científico, talvez possamos rever as nossas opiniões e posicionamentos, para evitar e combater preconceitos.
O tema é extremamente polêmico porque defende, abertamente, o reconhecimento de novas relações amorosas e familiares, que contraria o padrão heteronormativo. O que moderniza hábitos e desafia a velha ordem, propondo a inovação do próprio sistema moral da sociedade, através de novidades comportamentais entre os gêneros. E não estamos falando apenas de uma luta sexual, a luta dos gays é muito mais que isso: é uma questão humanitária, de direitos civis e humanos. Um manifesto poderoso sobre direitos iguais e o direito à diferença.
E também por tratar-se de direitos, o Brasil está um passo atrás, comparado a países como Dinamarca, Argentina, Bélgica, Holanda e Canadá. No nosso país, a união civil é reconhecida, mas ela não estende aos casais gays todos os direitos desfrutados pelos heterossexuais. Para os defensores da igualdade, contamos em mais de 70 o número de direitos negados aos casais gays. “Entre eles, é negado o direito de visitar o companheiro na UTI, por exemplo”.
E depois dizem que existe muito gay enrustido por aí. Acontece que a Justiça também está dentro do armário. O Estado deveria legislar mais sobre os direitos coletivos das pessoas, e intrometer menos na vida individual e na vontade livre delas. Isso também vale para os juízes, pois muitos, arbitrariamente, fundamentados em convicções religiosas ou opiniões pessoais, nega um direito para o cidadão. E isso tudo porque não existe uma definição legal por parte da Justiça. E todo esse problema de arbitrariedade, alimentado por interesses, caprichos, mau humor e preconceitos, nasce da ausência de uma lei que proteja os vínculos homoafetivos. Reconheceu-se a união estável e a civil nos cartórios, porém não existe a Lei. Embora teoricamente se diga que vivemos num Estado laico, a bancada de políticos religiosos dentro do Congresso desmente, na prática, essa teoria. O que é um absurdo! Se é tão polêmico o casamento entre pessoas do mesmo sexo, deveria ser polêmico também o casamente entre política e religião dentro do Congresso Nacional. Gente eleita para defender os direitos iguais dos cidadãos, transforma o espaço público e democrático em cultos e celebrações de fé (para isso existem as igrejas, pois o Congresso é a casa laica do povo). E esse tipo de casamento é escancarado dentro do jogo politiqueiro do Congresso brasileiro, emperrando nossa sociedade e nossa democracia de avançar, principalmente para as minorias excluídas desse país. A própria Justiça é injusta e cai na contradição, pois ela já esperou demais e tarda de se assumir. Essa indecisão colabora para um clima homofóbico no país, conivente com o preconceito e a violência pelos quais homossexuais vem enfrentando a tempos. Justiça, saia do armário!
Casamentos são celebrações do direito de união afetiva com parceiros de nossa livre escolha. A legalização da união estável entre indivíduos do mesmo sexo visa regulamentar os direitos civis dos homossexuais no Brasil. O que é um avanço, porque desde o século XVIII, os casamentos já foram:
a) Obrigações sociais;
b) Alianças sociais e políticas entre famílias;
c) Meios de salvação da alma;
d) Garantias de renda;
e) Mecanismos para a manutenção da espécie.
Numa sociedade civilizada e desenvolvida, a união deve ser legal em função do afeto nela presente. Qualquer tipo de união é legítima se for fruto do afeto. Seja por adoção, seja por inseminação artificial e uso de barrigas de aluguel ou ainda pela produção genética entre duas mulheres, o que importa é que novas famílias estão se constituindo a partir das relações homossexuais. São legítimas quando carregadas de afeto e precisam ser protegidas por lei.
A homossexualidade, assim como muitos outros temas, pode ser abordada a partir de muitas visões e versões. A depender de qual delas se parta, teremos sua condenação, aprovação ou indecisão. Consenso, dissenso ou reconciliação. Qual é o jogo e quem vai ditar as suas regras? Em que campo de discussão será colocado o tema para o debate? No campo da religião? Na área da ciência e da Biologia? Na visão do senso comum? Na ótica da mídia e da imprensa?
A importância de ter distinguido o senso comum, da visão religiosa e do pensamento científico na primeira aula, bem como ter situado a Geografia no time das ideias à qual ela pertence, o time das ciências sociais, fica agora mais claramente definido o caminho de abordagem dos variados temas, como, por exemplo, o da relação homoafetiva. Atualmente, esse tema inunda a agenda pública e procura sensibilizar a agenda política e social. É fato para várias versões: a da mídia, do mercado consumidor, da opinião pública, dos dogmas religiosos e do campo jurídico. Foi parte do combustível que inflou a onda de manifestações no Brasil, ganhou pouca visibilidade na vindo do Papa Francisco agora em julho no Brasil (embora as manifestações tenham ocorrido, mas relegadas ao campo do anonimato) e causa grande polêmica nos países em que os movimentos gays lutam por maior visibilidade social e igualdade de direitos, sobretudo nas regiões mais tensas do planeta: o continente africano e a região do Oriente Médio, com ondas de protestos na França, nos Estados Unidos da América e aqui mesmo no Brasil.
Historicamente, a sexualidade tem sido condicionada por padrões morais mais ou menos arbitrários, suportados por determinações de caráter religioso ou por argumentos médicos, arrastando a opinião pública para o preconceito, estereótipos, discriminações, violência e a crueldade da homofobia. Pois então fizemos uma “geografia da homossexualidade” para compreendê-la melhor. A agenda da aula abordou diversos pontos, como a discriminação, a polêmica sobre as causas congênitas ou adquiridas da homossexualidade, a reflexão biológica, psicológica e social do tema e as versões de cunho religioso. Mas o foco foi na visibilidade do movimento gay e sua luta por direitos civis, políticos e sociais, como o casamento.
Um movimento gay agressivo não poderia gerar uma animosidade numa sociedade que ainda está dividida sobre o assunto. A violência não é admissível. A violência, como na maioria das vezes acontece, só atrapalha a causa. O confronto apenas no terreno das ideias e dos atos pacíficos pode acabar vencendo pelo próprio exemplo de tolerância e fazendo a sociedade avançar na lutar contra a homofobia. E é nessa alternativa que a maior parte do movimento gay brasileiro aposta. É preciso vir a público e tratar essas questões afetivas, homossexuais e heterossexuais com naturalidade, como de fato elas são.
“Há um longo debate pela frente, a ser travado com setores amplos da sociedade. Um dos riscos dessa discussão é combater discriminação com mais discriminação – no caso, dos setores religiosos, o que seria desastroso num país que se orgulha da extrema tolerância nesse campo. Os brasileiros só têm a ganhar com um debate maduro sobre um tema tão importante. Um debate que, como nos Estados Unidos, mobilize a população e aqueles que ela escolheu como seus representantes. Será útil se candidatos a deputado, senador, governador e presidente se posicionarem claramente sobre o assunto na campanha eleitoral de 2014. Que tenham a honestidade do presidente americano Barack Obama e que se inspirem na coragem da cantora Daniela Mercury – que, com seu gesto, colocou o assunto irreversivelmente na pauta política”.
Podemos então destacar os seguintes pontos, fazendo um debate racional do tema com serenidade:
1º. A predisposição biológica e a influência psicossocial;
2º. A homossexualidade na história;
3º. A luta por direitos civis;
4º. A homofobia;
5º. Redes sociais, mídia e imprensa nacional e internacional... Como estampam a questão para a opinião pública?
6º. Ponto: Militantes do casamento homossexual no Brasil x Bancada religiosa do Congresso x População Católica e Evangélica no Brasil.
Sexo é apenas sinônimo de procriação ou também é prazer? Para a corrente judaico-cristã, é apenas para procriar, enquanto a maioria das pessoas o entende também como prazer. O aspecto da procriação não é essencial para a legitimidade de um ato sexual, isto é, que uma relação sexual que seja estéril por natureza (como são as relações homossexuais) é legítima por si só.
Por um lado, é preciso procurar entender cada povo com sua cultura e suas crenças.
Por outro lado, defender os direitos humanos universais e evitar a dor e o sofrimento. Na Grécia: características pedagógicas: um homem mais velho iniciava um garoto mais jovem, prática aceita socialmente até a puberdade do garoto (se ele não fosse “paquerado” por um homem mais velho, o garoto era uma vergonha para a família). Entre os Romanos também encontramos essa prática, só que com outras características: a relação só era legítima entre senhor e escravo.
As manifestações homofóbicas, no geral, demonstram uma relação com pobreza (e não só material como também espiritual). A ignorância alimenta o preconceito. As pessoas fundamentalistas, intolerantes, superficiais ou pouco conhecedoras da lei, da ciência e do direito civil são mais intolerantes. Dois exemplos categóricos podem ser dados. Casais de homossexuais que vivem em bairros de classe média ou alta, com bons cargos e boa situação de vida é menos alvo de manifestações homofóbicas exacerbadas do que casais homossexuais que vivem na periferia ou em bairros que o grau de instrução é menor. No mundo, o melhor lugar para ser gay é no continente europeu. E o pior? Na África e no Oriente Médio, mas também nos subúrbios, guetos, periferias e naquelas famílias tradicionais e manipuladas pelo senso comum ou dogmas religiosos fechados ao significado da homossexualidade. Extinguir a homofobia e legalizar os homossexuais na sociedade são atos imperativos para a garantia da qualidade de vida de toda uma geração que está por vir. Temos de minar a homofobia agora, não só pelo movimento LGBT em si, mas para que as novas gerações não precisem viver marginalizadas e clandestinas dentro da sociedade. Os recentes debates – mesmo que 20 anos atrasados – sobre o assunto são frutíferos e necessários para o amadurecimento de toda a sociedade brasileira. Espera-se que seus resultados sejam racionais, tolerantes, imparciais e objetivos – como toda verdadeira Ética deve ser.
“No Brasil, o STF reconheceu a união estável gay em 2011. A partir de então, parceiros do mesmo sexo numa relação contínua e duradoura, com o objetivo principal de constituir família, podem receber herança em caso de morte de um dos dois, receber pensão alimentícia, optar pela comunhão parcial de bens, e também adotar crianças. Parte dos cartórios dos estados brasileiros (Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rondônia, Distrito Federal, Ceará, Sergipe, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraíba, Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo) já fazem o casamento civil homossexual, o que põe os casais juridicamente um degrau acima do status de união estável.
No caso do nosso estado, a Bahia, a permissão do casamento gay passou a valer no dia 26 de novembro de 2012 e tem caráter Estadual. Tanto os cartórios de Salvador como os da cidade do interior poderão casar gays que os procurem para tal. A permissão foi assinada pela desembargadora Ivete Caldas, corregedora- geral da Justiça, e pelo desembargador Antônio Pessoa Cardoso, corregedor das comarcas do interior do Estado. Segundo a desembargadora, a medida apenas institui um direito que diversos juízes baianos já vinham aplicando.
Cerca de 400 casais gays brasileiros conseguiram a certidão de matrimônio desde o “sim” do STF. Esse número só tende a crescer. Assim, casais gays não precisam mais buscar um juiz para se casarem, bastando manifestar seu desejo de se casar no cartório. Caso um cartório negue a celebração de um casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o oficial de cartório poderá sofrer sanções administrativas. A medida da Justiça tira a dúvida do cartório ao dizer que ele pode (e deve) habilitar o casal gay para o casamento civil da mesma forma que o faz para o heterossexual. Agora se espera que a medida se estenda para todo o Brasil. E uma lei é bem vinda ao caso.
O preconceito faz parte do domínio da crença por ter base irracional. Preconceitos não dizem respeito ao conhecimento – não usam de raciocínios, argumentos e evidências lógicas para se fundamentarem. Preconceitos não são justificáveis. Principalmente quando acompanhados de altas dosagens de violência, intolerância e discriminação. Discriminar alguém com base em sua orientação sexual é promover tratamento desigual – geralmente inferiorizando-o. E promover tratamento desigual é crime no Brasil.
A aula definiu e defendeu alguns princípios: o enfrentamento e o combate à homofobia; o Estado Laico (não impor a convicção religiosa como lei para toda a sociedade, respeitando o direito que todas as religiões têm de se expressar, porém sem impor do ponto de vista legal a sua crença ou dogma como lei ou regra social). Podemos concluir com uma ressalva importante: o fato de o movimento gay lutar pelo direito de suas uniões existirem, não tira o direito de o casamento convencional heterossexual nem o ameaça à extinção. Não se luta para derrubar um direito de permanecer, mas para ganhar outro direito que é o de existir.