Por Neilton Lima
Professor, pedagogo e psicopedagogo.
Somos
regidos por fantasias, desejos sexuais ou lembranças inconscientes vindos da infância, ou seja, origem
interior que devemos reprimir para nos socializar. Assim, nossos sintomas, sonhos e lapsos de linguagem
têm sempre um sentido encoberto, isto é, que ultrapassa o que é tangível ou
palpável. Nesse sentido psicanalítico, o essencial seria o retorno à
consciência de uma lembrança esquecida, resultado de uma experiência
traumática, carregada de um afeto penoso. Precisamos introduzir ou arrancar
pensamentos novos do nosso psiquismo, resgatar de lá de dentro algo esquecido
ou abandonado.
E por
que esquecemos tais experiências? Isso pode ocorrer caso a pessoa a viva como
um trauma, isto é, carregada de afeto, diante da qual seria pega de surpresa e
portanto estaria indefesa. Essa experiência acaba por se constituir num outro
grupo psíquico, mantendo isolada, sem relações com os pensamentos conscientes.
As dores existenciais tornaram-se via de
acesso ao inconsciente. Elaborá-las é
ir ao encontro dos porões obscuros da mente. Cabe-nos aprender a identificar
nossos limites, vislumbrar saídas, reconhecer a si mesmo e a forma como estabelecemos
relações. E são muitos os modos distintos de compreender, escolher e lidar com
o sofrimento, o mal-estar e os sintomas.
Nessa
empreitada, somos convidados a ser um detetive de nós mesmos. Detectar os
sinais mínimos de perturbação interior e saber lidar com a aflição diante da
verdade. Essa descoberta pode se dá por meio da palavra, que tem o poder tanto
de curar quanto de adoecer uma pessoa. Logo, a palavra tem certo poder
medicinal, cuja maior arte é a de curar: mesclada com razão, reflexão, sensibilidade,
genialidade e por que não, atos “irracionais”.
Pois
bem, sofrimentos e dores extremas, em princípio contrários à vida, estão
fundamentados na cultura e no orgânico. Ou seja, distúrbios orgânicos e
representações, idéias, podem funcionar como causa de doenças mentais. Isso
mesmo, uma simples idéia ou raciocínio pode, sob determinadas condições, levar
uma pessoa à loucura. Vamos dá o exemplo de uma forma de lembrança intolerável
para uma pessoa, como ela atua de forma nociva no seu psiquismo.
É muito
comum e freqüente encontrar na vida cotidiana pessoas lamentando perdas,
tristezas e infortúnios de suas vidas. Ora, sem reconhecer como nossas algumas
coisas “negativas”, jamais teríamos NOSSA HISTÓRIA, nossas criações positivas e
inegavelmente enriquecedoras na vida, pois sem as dificuldades que encontramos
pelo caminho não teríamos NOSSAS MARCAS. Estas fazem parte da vida humana, e
deixar de sentir saudades ou de ficar triste, por exemplo, seria um tipo de
empobrecimento que tornaria a vida muito desinteressante. A imprevisibilidade
marca as nossas experiências e é preciso que estejamos abertos a ela. Estamos a
mercê do acaso surpreendente, por mais que nos esforcemos em controlar nossas
vidas. Encarar isso como fato nos ensina a conviver com nossas dores e
sofrimentos. A negatividade ou a força do negativo precisa ser pensada com algo
positivo no ser humano.
Então
gostaria de compartilhar com vocês três orientações para lidar com as
adversidades da vida: CONSERVAR, ADAPTAR ou AVENTURAR.
1ª) CONSERVAR:
se você estava em paz consigo mesmo e algo novo desequilibrou seu estado
mental, procure “restaurar seu sistema psíquico” e retomar a sua condição
antiga;
2ª)
ADAPTAR: aprenda a adequar-se com as situações novas. Estabeleça uma relação
dinâmica com os desafios de fora, mantendo ou retirando no seu eu interior
aquilo que lhe fará bem;
3ª)
AVENTURAR: seja desbravador, aberto ao imprevisível. O acaso não é visto como
perigo, mas como uma oportunidade a mais para viver. Um ser sempre em mutação
através das novas descobertas.
No
primeiro caso, o sujeito saudável seria uma identidade conservada; no segundo,
o sujeito é capaz de se modificar para adaptar; e, por fim, um modelo muito
mais interessante que os dois anteriores, pois a força do negativo é pensada
como algo positivo no ser humano: temos a pessoa desbravadora. Eu uso um pouco
da cada uma: muitas vezes precisamos preservar boa parte do nosso passado,
outras, acrescentar experiências novas e ainda se lançar para o futuro.
É
preciso realizar a catarse, isto é, num sentido aristotélico, a purificação e
purgação dos sentimentos de terror e de piedade. Sabemos que a excitação
inicial de uma pessoa é incompatível com a razão. Tomar consciência sobre essa
excitação é purificar-se, pelo menos a médio prazo, causando efeitos benéficos
sobre a capacidade de agir racionalmente. Então é preciso “colocar para fora”
experiências desagradáveis, revivendo-as como se fosse a primeira vez, se
preciso for, desabafando. Mas não é nada fácil, muitas vezes nós mesmos atuamos
como defensores desses pensamentos, ou seja, temos o papel de defesa contra os
pensamentos desagradáveis, para o qual contribuímos ativa e conscientemente. E
o mais comum é de natureza sexual ou articulado a sensações eróticas, na
maioria das vezes julgados como inaceitáveis por nós. Enfim, se existem
pensamentos incompatíveis com a consciência é porque ela pode ser um antídoto
do mal.
As
idéias rejeitadas surgem para os sujeitos como frases e palavras, carregadas de
energia, de excitação erótica. Assim, é impossível fazer os pensamentos e a
insatisfação erótica sumirem. Todavia, é possível diminuir sua força, algo
realizável por meio de uma separação entre a forma das palavras (representação)
e sua carga de afeto, encontrando para esta um novo destino. É preciso
recuperar a identidade perdida com a defesa contra as idéias indesejáveis. O
problema é que, em estado de vigília, a nossa tendência natural é a de afastar
tais lembranças. Por isso a hipnose era muito utilizada, pois a pessoa
hipnotizada adormece o seu consciente e deixa o inconsciente se manifestar.
Entretanto, é possível arrancar tais informações da fala do sujeito e, como ele
se arma para não deixar o inconsciente “falar”, aqui está uma primeira pista:
quanto mais próximos os sujeitos estão das lembranças recalcadas, tanto mais
interrupções, esquecimentos e idéias aparentemente sem valor parecem interferir
na fala deles – eis a fala espontânea, conhecida como associação livre: deitar e falar sobre o que aflige, mencionando
tudo o que vem à mente, ainda que sejam idéias aparentemente sem sentido,
indignas ou imorais. Tais idéias têm sempre algo em comum com o que se tenta
esquecer.
Um bom
especialista (psicanalista) analisa cuidadosamente essa técnica (associação
livre):
a)
ele presta atenção
cuidadosa a todos os aparentes desvios do tem essencial presente nas falas;
b)
esses desvios contêm
traços em comum com os pensamentos recalcados;
c)
observa se o sujeito
esquece parte do que está contando, enganava-se e trocava uma palavra por
outra, ou seja, se cometia um lapso, se fazia construções ilógicas ou mudava a
entonação da voz;
d)
quaisquer sinais de
perturbação ou rupturas na fala adquirem valor de significação do recalcado;
e)
para traduzir esses
sinais nos pensamentos recalcados é preciso uma técnica de deciframento muito
interessante a partir de elementos fonéticos – para se chegar ao conteúdo
recalcado ou pensamentos inconscientes.
f)
existem muitos
obstáculos de acesso aos pensamentos inconscientes ou elementos inconscientes
em questão – uma forma de resistência ao tratamento.
g)
muitas vezes há a
“transferência” do problema para a pessoa do analista, como se ele fosse um dos
personagens (em geral, são os familiares mais próximos: pai, mãe, irmãos etc.)
implicados em seus pensamentos inconscientes, ou seja, repetiam o que haviam
vivido ou fantasiado no passado, dirigindo demandas tipicamente infantis ao
analista. A transferência também surge sob a forma de declarações de amor ou de
ódio incondicional.
h)
As transferências são
elementos inconscientes, intimamente ligadas aos sintomas como um todo.
i)
São inúteis as
tentativas de persuasão intelectual dirigidas ao paciente.
j)
Na transferência, os
conteúdos infantis são revividos como se fossem presentes, mas estão deformados
de modo que o próprio sujeito não os reconhece como originários de sua
infância;
k)
A repetição
transferencial tem algo em comum com um sonho, no qual aquele que sonha vive
alucinatoriamente seus pensamentos como se estes fossem realidades objetivas.
l)
A repetição, sob a
forma da transferência, é uma arma terapêutica, precisamente a mais poderosa da
psicanálise.
Em
resumo, buscar atribuir valor positivo à
resistência, uma indicação da aproximação
ao recalque.
Outro
ponto importante a se destacar é que o psiquismo busca a diminuição do nível de
tensão interna, mesmo diante de adversidades ou algum revés na vida, como um
fracasso financeiro, uma doença grave ou grande decepção, como traição do
cônjuge ou de amigos, se movido pela necessidade inconsciente de punição.
Assim, podemos redefinir a pulsão de uma força originária no corpo, que atinge
o psiquismo de modo que este não possa fugir, para uma tendência inerente a
todo organismo vivo de retorno a uma situação anterior. Ora, se toda “situação
anterior” seria objeto de uma tendência de retorno do organismo há uma pulsão
de vida e uma pulsão de morte. A de vida coagiria o organismo a retornar aos
momentos posteriores ao nascimento; a de morte, o obrigaria a voltar ao estado
anterior à vida orgânica.
A
terapia psicanalítica é também uma cena do discurso, com regras e leis
próprias, que se inscreve e modifica a cultura ao abrir o ‘romance subjetivo’
de cada um para novas possibilidades narrativas. O paciente não pode lembrar-se
totalmente da própria história nem dizê-la de modo definitivo. Portanto, nem o
analista pode construí-la nem o paciente pode apoderar-se inteiramente da
própria verdade histórica. Esta é em si mesma uma criação do inconsciente
durante o processo analítico. Sendo assim, a historicidade do sujeito freudiano
é essencialmente não um dado concreto,
mas produto do sentido.
Diferentemente da história como disciplina, a historicidade psicanalítica, de
acordo com o último modelo de aparelho psíquico freudiano, funda-se na abertura
iminente para um passado imprevisível. Assim, podemos dizer que a alteração do
outro em análise é uma possibilidade
imprevisível e, sobretudo, indomável.
Na terapia psicanalítica, a finalidade é cuidar
dessa abertura, isto é, conservar aberta a possibilidade de transformação
imprevisível dos sentidos do cotidiano e do destino. Estes podem e devem, numa
cura analítica, estar abertos a transformações imprevisíveis.
Aquele Abraço!